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Aramis

Frankenstein carnavalesco

Após o desfile das escolas de samba daquilo que se poderia chamar de primeiro grupo, sábado, na Rua Marechal Deodoro, um bem humorado observador acentuou: se o Dr. Frankenstein ao invés de recriar um homem perfeito trabalhasse sobre as nossas escolas de samba, por certo Curitiba teria ao menos uma grande entidade carnavalesca - empatando com as menores do primeiro grupo do Rio de Janeiro. A idéia absurda e inviável, tem sua razão: em cada uma das escolas de samba da cidade nota-se esforço e valores isolados que, se perdem na avenida mas ressaltam-se separadamente. Assim, se a E. S. Mocidade Azul (ex-Dom Pedro II), que em 17 anos já conseguiu por seis vezes o título de campeã do carnaval oficial é, sem dúvida, hoje a escola mais rica, organizada e numerosa, graças especialmente ao esforço e amplos recursos do próspero Osvaldo de Souza ("Afunfa"), ainda continua a ser falha a sua bateria. Este ano, o reforço de dois mestres - Charão e Almir, não foi suficiente para empatar com a Colorado, há 32 anos sob o comando de Ismael Cordeiro, o bom "Maé da Cuíca", que mais uma vez repetiu o show de harmonia e ritmo - chegando a emocionar o público e oferecendo, no desfile, um dos raros momentos merecedores de aplausos entusiásticos. Se o luxo e bom gosto dos 500 figurantes da Mocidade Azul, homenageando a Família Queirolo, abordando um tema que há dois anos, já havia justificado a pequena, desorganizada mas sincera Ideais do Ritmo, do bom Chocolate, Idêntico enredo, a ascendente Acadêmicos da Sapolândia, melhorando sempre graças ao entusiasmo de Júlio Cesar Souza, soube distribuir muito bem o enredo proposto - "O mundo maravilhoso das histórias infantis ". Se Julinho tivesse maiores recursos financeiros e dispusesse de uma boa bateria, tranqüilamente teria repetido o feito de 75, quando venceu o concurso. Mas, infelizmente, foi prejudicado pela falta de condições financeiras - embora mostrasse inteligência e organização. Em termos de espetáculo, sem dúvida, a Mocidade Azul entusiasmou. Desde 1960, que essa agremiação impressiona com seus figurinos, alegorias e mesmo carros alegóricos - contrastando inclusive com a pobreza das outras escolas. E, no ano passado, tanto a Mocidade Azul como a Sapolândia, recusaram-se a concorrer devido o critério de pontos, valorizando a bateria - ainda o ponto alto da Colorado que, contando com uma excelente base rítmica e, em termos sonoros, o que de melhor há em nosso carnaval. Aliás, a ausência de melhor sistema de som e a timidez da bateria da maioria das escolas, criou um clima quase surrealista na avenida: tanto a comissão de frente como as últimas alas, praticamente desfilaram sem ritmo - ouvido apenas nas alas próximas a bateria. Só as escolas que providenciaram carros de som, conseguiram sanar essa dificuldade. Ao contrário dos anos anteriores, a Prefeitura não providenciou um sistema de som, que poderia transmitir músicas carnavalescas entre o desfile de uma e outra escola - e os longos intervalos passariam de forma mais animada, e não com o triste silêncio como ocorreu, contribuindo ainda mais para a fama de carnaval pobre e desanimado. Seria injusto não reconhecer o esforço dos dirigentes das escolas que, mesmo sem maior organização e planejamento, dão o melhor de si para oferecer bonito espetáculo aos milhares de curitibanos que, na falta de melhor opção, saem as ruas. Mas, lamentavelmente, apesar de todo o esforço oficial, o nosso carnaval, em termos de escolas de samba, não tem melhorado em nada. Assim, como a inglesa Mary Wellstonscraft Shelley (1797-1851), em 1818 idealizou uma criatura ideal (ou "Moderno Prometeus", conforme o subtítulo de seu romance), nascida da junção de vários cadáveres através do trabalho do Dr. Frankenstein, se poderia ter uma Escola de Samba magnífica em Curitiba, somando-se os figurantes das sete pequenas agremiações do pequeno grupo, os recursos financeiros da Mocidade Azul (leia-se Afunfa), a beleza dos sambas-de-enrêdos de Chocolate ou Carlos Eduardo Mattar (responsável pelo belo samba de enredo "Cerco da Lapa", da Embaixadores da Alegria), bateria do Colorado, e entusiasmo da Acadêmicos da Sapolândia (leia-se Julinho), a tenacidade da Embaixadores da Alegria, que desde 1948 perseguem o título de campeã sem conseguir (embora já tenham obtido 20 segundos-lugares, na estatística do fundador José Cadilhe de Oliveira) e o passado de glória da Não Agite que, numa época chegou a ser penta campeã. Somando-se esses méritos isolados, teríamos uma grande escola - capaz de concorrer (e até fazer bonito) com qualquer das melhores agremiações do Rio de Janeiro. Só está faltando um Frankenstein carnavalesco. Quem se habilita?
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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24/02/1977

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