Frankenstein carnavalesco
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de fevereiro de 1977
Após o desfile das escolas de samba daquilo que se poderia chamar de primeiro grupo, sábado, na Rua Marechal Deodoro, um bem humorado observador acentuou: se o Dr. Frankenstein ao invés de recriar um homem perfeito trabalhasse sobre as nossas escolas de samba, por certo Curitiba teria ao menos uma grande entidade carnavalesca - empatando com as menores do primeiro grupo do Rio de Janeiro. A idéia absurda e inviável, tem sua razão: em cada uma das escolas de samba da cidade nota-se esforço e valores isolados que, se perdem na avenida mas ressaltam-se separadamente.
Assim, se a E. S. Mocidade Azul (ex-Dom Pedro II), que em 17 anos já conseguiu por seis vezes o título de campeã do carnaval oficial é, sem dúvida, hoje a escola mais rica, organizada e numerosa, graças especialmente ao esforço e amplos recursos do próspero Osvaldo de Souza ("Afunfa"), ainda continua a ser falha a sua bateria. Este ano, o reforço de dois mestres - Charão e Almir, não foi suficiente para empatar com a Colorado, há 32 anos sob o comando de Ismael Cordeiro, o bom "Maé da Cuíca", que mais uma vez repetiu o show de harmonia e ritmo - chegando a emocionar o público e oferecendo, no desfile, um dos raros momentos merecedores de aplausos entusiásticos. Se o luxo e bom gosto dos 500 figurantes da Mocidade Azul, homenageando a Família Queirolo, abordando um tema que há dois anos, já havia justificado a pequena, desorganizada mas sincera Ideais do Ritmo, do bom Chocolate, Idêntico enredo, a ascendente Acadêmicos da Sapolândia, melhorando sempre graças ao entusiasmo de Júlio Cesar Souza, soube distribuir muito bem o enredo proposto - "O mundo maravilhoso das histórias infantis ". Se Julinho tivesse maiores recursos financeiros e dispusesse de uma boa bateria, tranqüilamente teria repetido o feito de 75, quando venceu o concurso. Mas, infelizmente, foi prejudicado pela falta de condições financeiras - embora mostrasse inteligência e organização.
Em termos de espetáculo, sem dúvida, a Mocidade Azul entusiasmou. Desde 1960, que essa agremiação impressiona com seus figurinos, alegorias e mesmo carros alegóricos - contrastando inclusive com a pobreza das outras escolas. E, no ano passado, tanto a Mocidade Azul como a Sapolândia, recusaram-se a concorrer devido o critério de pontos, valorizando a bateria - ainda o ponto alto da Colorado que, contando com uma excelente base rítmica e, em termos sonoros, o que de melhor há em nosso carnaval. Aliás, a ausência de melhor sistema de som e a timidez da bateria da maioria das escolas, criou um clima quase surrealista na avenida: tanto a comissão de frente como as últimas alas, praticamente desfilaram sem ritmo - ouvido apenas nas alas próximas a bateria. Só as escolas que providenciaram carros de som, conseguiram sanar essa dificuldade. Ao contrário dos anos anteriores, a Prefeitura não providenciou um sistema de som, que poderia transmitir músicas carnavalescas entre o desfile de uma e outra escola - e os longos intervalos passariam de forma mais animada, e não com o triste silêncio como ocorreu, contribuindo ainda mais para a fama de carnaval pobre e desanimado.
Seria injusto não reconhecer o esforço dos dirigentes das escolas que, mesmo sem maior organização e planejamento, dão o melhor de si para oferecer bonito espetáculo aos milhares de curitibanos que, na falta de melhor opção, saem as ruas. Mas, lamentavelmente, apesar de todo o esforço oficial, o nosso carnaval, em termos de escolas de samba, não tem melhorado em nada. Assim, como a inglesa Mary Wellstonscraft Shelley (1797-1851), em 1818 idealizou uma criatura ideal (ou "Moderno Prometeus", conforme o subtítulo de seu romance), nascida da junção de vários cadáveres através do trabalho do Dr. Frankenstein, se poderia ter uma Escola de Samba magnífica em Curitiba, somando-se os figurantes das sete pequenas agremiações do pequeno grupo, os recursos financeiros da Mocidade Azul (leia-se Afunfa), a beleza dos sambas-de-enrêdos de Chocolate ou Carlos Eduardo Mattar (responsável pelo belo samba de enredo "Cerco da Lapa", da Embaixadores da Alegria), bateria do Colorado, e entusiasmo da Acadêmicos da Sapolândia (leia-se Julinho), a tenacidade da Embaixadores da Alegria, que desde 1948 perseguem o título de campeã sem conseguir (embora já tenham obtido 20 segundos-lugares, na estatística do fundador José Cadilhe de Oliveira) e o passado de glória da Não Agite que, numa época chegou a ser penta campeã. Somando-se esses méritos isolados, teríamos uma grande escola - capaz de concorrer (e até fazer bonito) com qualquer das melhores agremiações do Rio de Janeiro.
Só está faltando um Frankenstein carnavalesco.
Quem se habilita?
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