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Gemba, a vereda de um teatro polêmico

Oracy Gemba está feliz. Exausto mas feliz. Trabalhou tanto nas últimas semanas que até esqueceu os problemas de saúde que, nestes últimos anos, o retiraram do campo da batalha cultural. Felizmente voltou com aquilo que mais gosta de fazer: teatro. Dez anos após fazer uma montagem com os alunos do Curso Permanente de Teatro da Peça "Vereda da Salvação", de Jorge de Andrade, Gemba decidiu retomar o tema, por sugestão inclusive de sua amiga Fernanda Montenegro. A peça não perdeu a atualidade com o passar dos anos. Ao contrário, a questão agrária é mais forte hoje do que nunca e o texto de Jorge de Andrade transmite "a forte linguagem da tragédia grega, dentro de uma temática especialmente brasileira" como disse Fernanda. Em 1965, ainda entusiasmado com a Palma de Ouro que "O Pagador de Promessas" havia conquistado em Cannes, Anselmo Duarte levou a peça ao cinema - mas com um resultado frustrante - de público e crítica, uma das razões que o levaria, pouco a pouco, a abandonar a carreira de diretor de cinema. Gemba retorna aos palcos com garra e, como sempre, disposto a dizer suas verdades - o que expõe até no texto do programa: - Não voltei para falar de frescuras. Nunca tive vocação para ser lixo atômico. A falsa contestação do pequeno burguês, rouba tempo, espaço, energia e dinheiro - não é arte de criação. É o chicote de veludo dos especuladores que marginalizam o ambiente artístico". Aos 53 anos - canceriano do dia 14 de julho, este paranaense de Bandeirantes, mantém o mesmo espírito jovem, brigão, corajoso que sempre o caracterizou. Em termos de datas, poderia dizer que "Vereda da Salvação" marca suas bodas de prata teatrais, pois cronologicamente foi em 1962 que começou seu caso de amor com a ribalta, oficializado no curso de teatro que Gianni Ratto e Joel Barcelos vieram dar em Curitiba, na primeira promoção de Fernando Pessoa Ferreira, quando este assumiu a superintendência do Teatro Guaíra, no início do governo Ney Braga. Foi um caso de amor a primeira vista: Gemba começou a fazer teatro e não parou mais - só mesmo se afastando dos palcos por razões de saúde. Funcionário do antigo Banco de Curitiba (depois Banco da Província-União de Bancos) por 20 anos, Gemba fez política sindical e no despertar do Centro Popular de Cultura engajou-se em espetáculos dirigidos por Walmor Marcelino como "Os Justos", de Camus e "Os Subterrâneos da Cidade" numa atividade tão intensa que, a 1.º de abril de 1964, foi um dos primeiros intelectuais presos pelo falecido Miguel Zacharias, o bonachão delegado de Ordem Política e Social. Dividindo-se entre o trabalho bancário e o teatro, Gemba teve uma atuação marcante nos anos 50 e 70. Escreveu nos jornais "Gazeta do Povo", "Correio de Notícias" e O ESTADO DO PARANÁ, fundou o Escala-Laboratório de Cultura, que marcaria seu primeiro trabalho profissional na direção - o auto nordestino "O Chapéu de Sebo", de Francisco Pereira da Silva, que ganhou até convites para representar o Brasil no Festival de Nancy, na França - mas que, obviamente, não pode ser aceito pela falta de condições financeiras do grupo. Do grupo teatral, o Escala virou agente cultural - com a galeria Toca (que Filomena Gebram e Cleto de Assis haviam fundado) e edição de livros como "Nos Labirintos do Verso", de João Manoel Simões; "Tempo de Sujo" de Jamil Snege e "Auto de Fé", poesias de Mário Stasiak - embrião de um espetáculo que, em 1969, teria temporadas de sucesso. Falar de Gemba no teatro curitibano confunde-se com montagens polêmicas, brigas, irritações - mas com aquela marca do criador presente sempre, e que, infelizmente, teve poucos seguidores. "Os Fuzis de 1894", uma versão política que deu ao mito de Maria Bueno; uma montagem de "As Criadas" de Jean Genet, que ganhou aplausos da crítica paulista; o musical "Arena Conta Zumbi", seguido do "Arena conta Tiradentes" - primeira peça encenada no Paiol, em fevereiro de 1972; a mística "Via Crucis", as bem sucedidas encenações de "Marat & Sade" e "A Casa de Bernarda Alba", foram outros momentos importantes em sua carreira de diretor - trabalhando com um grupo entusiasta, especialmente tendo Iara Sarmento ao seu lado. Espetáculos musicais em homenagem a Lápis ("Funeral Para Um Rei Negro") e Carmen Costa ("De Ponta a Ponta"), cursos, conferências, congressos e sempre muita política. Envolvimentos que o levariam a se engajar na campanha do seu ex-amigo José Richa e coordenar o setor cultural do PMDB. Foi nomeado superintendente da Fundação Teatro Guaíra, implantou a Orquestra Sinfônica e conseguiu elevar o curso de teatro a nível superior. Entretanto, havia na Secretaria da Cultura um inimigo da arte e, em solidariedade a Iara Sarmento, demitida da direção artística por ter, corajosamente, feito ressalvas ao descalabro que vinha sendo cometido, Gemba também deixou o Guaíra. Saiu de cabeça erguida, denunciando a politicagem e pantanal de incompetência da área cultural no governo Richa. Agora, Gemba volta aos palcos. Ou melhor, na coxia - pois é daqueles diretores que, todas as noites, supervisiona a peça como se fosse a open-night. Um elenco com companheiros de muitos anos - como Lala Schneider, Emílio Pitta, Sansores França, Evanira dos Santos, Maria Cecília Monteiro - e gente jovem, pois sempre se preocupou em abrir espaço aos novos talentos. Revigorado, feliz, já anuncia um projeto audacioso para 1988: "My Fair Gilda", um musical "bem curitibano, bem assumido" em homenagem ao travesti Gilda, personagem folclórico da Boca Maldita, morto há alguns carnavais.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
20/11/1987

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