Gemba, a vereda de um teatro polêmico
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de novembro de 1987
Oracy Gemba está feliz. Exausto mas feliz. Trabalhou tanto nas últimas semanas que até esqueceu os problemas de saúde que, nestes últimos anos, o retiraram do campo da batalha cultural. Felizmente voltou com aquilo que mais gosta de fazer: teatro.
Dez anos após fazer uma montagem com os alunos do Curso Permanente de Teatro da Peça "Vereda da Salvação", de Jorge de Andrade, Gemba decidiu retomar o tema, por sugestão inclusive de sua amiga Fernanda Montenegro. A peça não perdeu a atualidade com o passar dos anos. Ao contrário, a questão agrária é mais forte hoje do que nunca e o texto de Jorge de Andrade transmite "a forte linguagem da tragédia grega, dentro de uma temática especialmente brasileira" como disse Fernanda. Em 1965, ainda entusiasmado com a Palma de Ouro que "O Pagador de Promessas" havia conquistado em Cannes, Anselmo Duarte levou a peça ao cinema - mas com um resultado frustrante - de público e crítica, uma das razões que o levaria, pouco a pouco, a abandonar a carreira de diretor de cinema.
Gemba retorna aos palcos com garra e, como sempre, disposto a dizer suas verdades - o que expõe até no texto do programa:
- Não voltei para falar de frescuras. Nunca tive vocação para ser lixo atômico. A falsa contestação do pequeno burguês, rouba tempo, espaço, energia e dinheiro - não é arte de criação. É o chicote de veludo dos especuladores que marginalizam o ambiente artístico".
Aos 53 anos - canceriano do dia 14 de julho, este paranaense de Bandeirantes, mantém o mesmo espírito jovem, brigão, corajoso que sempre o caracterizou. Em termos de datas, poderia dizer que "Vereda da Salvação" marca suas bodas de prata teatrais, pois cronologicamente foi em 1962 que começou seu caso de amor com a ribalta, oficializado no curso de teatro que Gianni Ratto e Joel Barcelos vieram dar em Curitiba, na primeira promoção de Fernando Pessoa Ferreira, quando este assumiu a superintendência do Teatro Guaíra, no início do governo Ney Braga. Foi um caso de amor a primeira vista: Gemba começou a fazer teatro e não parou mais - só mesmo se afastando dos palcos por razões de saúde.
Funcionário do antigo Banco de Curitiba (depois Banco da Província-União de Bancos) por 20 anos, Gemba fez política sindical e no despertar do Centro Popular de Cultura engajou-se em espetáculos dirigidos por Walmor Marcelino como "Os Justos", de Camus e "Os Subterrâneos da Cidade" numa atividade tão intensa que, a 1.º de abril de 1964, foi um dos primeiros intelectuais presos pelo falecido Miguel Zacharias, o bonachão delegado de Ordem Política e Social.
Dividindo-se entre o trabalho bancário e o teatro, Gemba teve uma atuação marcante nos anos 50 e 70. Escreveu nos jornais "Gazeta do Povo", "Correio de Notícias" e O ESTADO DO PARANÁ, fundou o Escala-Laboratório de Cultura, que marcaria seu primeiro trabalho profissional na direção - o auto nordestino "O Chapéu de Sebo", de Francisco Pereira da Silva, que ganhou até convites para representar o Brasil no Festival de Nancy, na França - mas que, obviamente, não pode ser aceito pela falta de condições financeiras do grupo.
Do grupo teatral, o Escala virou agente cultural - com a galeria Toca (que Filomena Gebram e Cleto de Assis haviam fundado) e edição de livros como "Nos Labirintos do Verso", de João Manoel Simões; "Tempo de Sujo" de Jamil Snege e "Auto de Fé", poesias de Mário Stasiak - embrião de um espetáculo que, em 1969, teria temporadas de sucesso.
Falar de Gemba no teatro curitibano confunde-se com montagens polêmicas, brigas, irritações - mas com aquela marca do criador presente sempre, e que, infelizmente, teve poucos seguidores. "Os Fuzis de 1894", uma versão política que deu ao mito de Maria Bueno; uma montagem de "As Criadas" de Jean Genet, que ganhou aplausos da crítica paulista; o musical "Arena Conta Zumbi", seguido do "Arena conta Tiradentes" - primeira peça encenada no Paiol, em fevereiro de 1972; a mística "Via Crucis", as bem sucedidas encenações de "Marat & Sade" e "A Casa de Bernarda Alba", foram outros momentos importantes em sua carreira de diretor - trabalhando com um grupo entusiasta, especialmente tendo Iara Sarmento ao seu lado.
Espetáculos musicais em homenagem a Lápis ("Funeral Para Um Rei Negro") e Carmen Costa ("De Ponta a Ponta"), cursos, conferências, congressos e sempre muita política. Envolvimentos que o levariam a se engajar na campanha do seu ex-amigo José Richa e coordenar o setor cultural do PMDB. Foi nomeado superintendente da Fundação Teatro Guaíra, implantou a Orquestra Sinfônica e conseguiu elevar o curso de teatro a nível superior. Entretanto, havia na Secretaria da Cultura um inimigo da arte e, em solidariedade a Iara Sarmento, demitida da direção artística por ter, corajosamente, feito ressalvas ao descalabro que vinha sendo cometido, Gemba também deixou o Guaíra. Saiu de cabeça erguida, denunciando a politicagem e pantanal de incompetência da área cultural no governo Richa.
Agora, Gemba volta aos palcos. Ou melhor, na coxia - pois é daqueles diretores que, todas as noites, supervisiona a peça como se fosse a open-night. Um elenco com companheiros de muitos anos - como Lala Schneider, Emílio Pitta, Sansores França, Evanira dos Santos, Maria Cecília Monteiro - e gente jovem, pois sempre se preocupou em abrir espaço aos novos talentos. Revigorado, feliz, já anuncia um projeto audacioso para 1988: "My Fair Gilda", um musical "bem curitibano, bem assumido" em homenagem ao travesti Gilda, personagem folclórico da Boca Maldita, morto há alguns carnavais.
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