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Aramis

"A General", obra-prima do genial Buster Keaton

Raul Rocha é um nome que deve ser anotado dentro do mundo no show business. Baixinho, simpático, falando um inglês e espanhol suficiente para os primeiros contatos tem sido o executivo de maior destaque nas feiras, mostras e festivais internacionais negociando filmes brasileiros, comprando direitos sobre produções para lançá-las no Brasil - em vídeo e cinema - e mesmo criando um personagem humorístico, que já desenvolveu em dois filmes curtinhos, para televisão e nos quais pretende fazer uma série para vender a televisão internacional. Raul bola as histórias, dirige, faz a produção e interpreta o personagem - que chamou de o "Bolha". Quem viu até agora as primeiras estórias se entusiasmou e as vendas internacionais já começaram. Talvez por esta multiplicidade de talento é que Raul tanto admira Buster Keaton (Joseph Frank Keaton, Kansan, 04/10/1895 - San Fernando, Califórnia 01/02/1966, considerado um dos gênios do cinema mudo. Ator, roteirista, diretor e, muitas vezes, produtor de seus filmes, Keaton (o apelido "Buster" ganhou do mágico Houdini), praticamente começou sua carreira aos três anos e nunca parou: seus pais, Joe e Myra, eram artistas de Vaudeville e em 1917, já em Hollywood, Keaton começava uma carreira que nunca abandonaria. Ao lado de outro comediante histórico, Fatty Aruckle (O Chico Bóia, 1883-1934), fez 16 comédias de uma bobina em apenas três anos e, passando depois a trabalhar em suas próprias produções se tornaria um dos nomes mais populares do cinema nas décadas de 1920 - com filmes como "Nossa Hospitalidade", "Marinheiro por Descuido", "Os Sete Amores" e, especialmente, "A General" (1927), considerada sua obra-prima. E justamente com "A General", Raul Rocha inicia através de sua Century Vídeo a edição em cópias seladas de algumas obra-primas do cinema mudo, especialmente obras de Buster Keaton, um criador da mesma voltagem que Charles Chaplin - embora só tardiamente (a partir de 1962, quando a Cinemateca Francesa fez um retrospectiva e foi homenageado em Veneza) reconhecido em sua dimensão. A vida de Keaton não foi um mar de rosas. Embora tivesse se tornado rico e famoso ainda jovem, um contrato que fez com o terrível Louis B. Mayer, na MGM o prejudicou, pois subordinado às regras do "Raja" de Hollywood teve limitações em sua inventividade e vários projetos fracassaram. Um divórcio de sua primeira mulher, Natalie, levou seus bens e se tornou alcoólatra. Voltaria, é claro, ao cinema fazendo participações em filmes clássicos (1950, "Crepúsculo dos Deuses", de Billy Wilder; "Luzes da Ribalta", l952; "A Volta ao Mundo em 80 Dias", 58, de Michael Anderson), no final de sua carreira, após aparecer em "Deu a Louca no Mundo" (62, de Stanley Kramer) e na transposição ao cinema do musical da Broadway, "Um Escravo das Arábias em Roma" (66, da Richard Lester) apareceu numa série de filmes sobre jovens roqueiros rodados pela American International. Assim, o melhor é conhecer sua época de ouro - especialmente "A General" (e não "O General", pois o filme se refere a uma locomotiva, inspirado, num fato real: Johny Gray, o herói, é um maquinista de trem que durante a Guerra da Secção, recupera uma locomotiva de vital importância para os confederados - um feito assombroso para quem havia sido julgado incapaz para atuar na frente da batalha. Em 1955, Walt Disney chegou a refilmar a história - "Têmpera de Bravos" (The Great Locomotive Chase), de Francis D. Lyon com Fess ("Davy Crockett") Parker como o herói, mas obviamente o filme não se compara ao clássico de Keaton. Com seu humor típico, desenvolvendo situações incríveis, fez de "The General" um dos maiores momentos da comédia do cinema mudo - o que torna o lançamento em vídeo, sem dúvida um dos 10 melhores de 1988, conforme, a listagem que publicamos no domingo passado. Sérgio Augusto, com sua lucidez, escreveu que Keaton foi o maior cômico de cinema capaz de extrair tanta graça de uma cena sem mexer um músculo do rosto: "Ok, ele piscava os olhos até com notável freqüência, mas o resto era um granito só". E nele Keaton esculpiu um infinidade de tipos, de períodos históricos tão variados quanto os extratos sociais a que pertenciam. Sérgio Augusto ainda lembrou que sob a enxurrada de gags de "A General", há uma gozação de heroísmo, uma crítica aos absurdos da guerra, um deboche das ilusões românticas e outras transcendências. Nos 74 minutos desta obra-prima, Johnny Gray (Keaton) e sua bem amada, Anabelle Lee (Marian Mack) vivem situações que vão do surrealismo ao cinema pastelão, mas feito com uma graça única - através da história do roubo da locomotiva - e que transforma o humilde Johnny num herói nacional. Em "Os Maiores Filmes do Mundo" há mais de 4 páginas enaltecendo "The Navegator" (Marinheiro Por Descuido, 1924), que juntamente com "Marinheiro de Encomenda" (Steamboat Bill Jr., 1928), Raul Rocha promete lançar em breve. Mas os elogios maiores são ainda para "A General". Em 1957 sua vida foi levada ao cinema "O Palhaço Que Não Ri", com o título em português aproveitando a sua característica facial, com Donald O'Connor no personagem título. Um aspecto da importância de sua obra foi lembrada por Sérgio Augusto ("Folha de São Paulo", 08/12/1988): "os surrealistas souberam entender o seu humor extremamente inteligente e Garcia Lorca compôs uma farsa, "El Paseo de Buster Keaton", que escrita em 1930, só foi conhecida há 30 anos, quando editaram no México uma coletânea com mais duas outras farsas". Samuel Beckett, Prêmio Nobel de Literatura, autor de "Esperando Godot" - hoje gravemente enfermo, na única experiência que fez no cinema - ao dirigir "Film", um trabalho experimental, levado ao Festival de Veneza (1965), escolheu Keaton como ator. Só que o filme foi tão cerebral que nem o próprio Buster conseguiu entendê-lo . Este problema não existe em "A General": é um dos filmes mais comunicativos do cinema. Uma obra-prima em vídeo para ser curtido por quem sabe apreciar os clássicos. Vá no Disc Tape, que o Luiz Renato já comprou uma cópia para atender a freguesia de bom nível.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
8
12/01/1989

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