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Aramis

A grande noite do jazz

Às 4,30 horas da madrugada de sexta-feira, 6, o engenheiro Guy de Manoel tinha uma preocupação diametralmente oposta àquela que seria normal: temia que os seus amigos do Traditional Jazz Band acabassem perdendo o vôo para Londrina, dentro de três horas. É que o entusiasmo dos jazzistas era tão intenso que no já semivazio "505" a música continuava a rolar com uma intensidade de mil watts, especialmente com os geniais improvisos de Alexandre Arruda, 30 anos, trombonista de vara, que confessava, exultante: - "Eu sou profissionalmente técnico em marketing e professor. Mas o que eu amo é este meu instrumento e quando encontro uma jam-session feliz, nada consegue me fazer parar". O público que superlotou o auditório Salvador de Ferrante, na noite de quinta-feira, 5, assistiu a uma apresentação-show do Traditional Jazz Band - com patrocínio do Banco Francês Brasileiro, entradas disputadas à tapa tal o entusiasmo dos interessados. Um espetáculo descontraído, com (leves) toques didáticos e, especialmente, muito humor a cargo de Cidão (Alcides Lima), paulista de Sorocaba, 47 anos, gerente de exportação de uma indústria automobilística, fundador em 1964 do TJB - mas que por sete anos esteve afastado do grupo. Show-man, incrível contador de estórias, Cidão usou pelo menos 30 minutos das duas horas do show para mostrar sua vocação de humorista - o que divertiu a platéia mas, de certa forma, frustrou quem esperava só ouvir música. Em compensação, os privilegiados membros do Blue Note Jazz Clube e seus convidados, numa reunião extra, no 505 Piano Bar (Avenida Manoel Ribas, 505), tiveram a oportunidade de assistir uma das mais vibrantes sessions já acontecidas em Curitiba. Quando os sete integrantes do TJB chegaram ao 505, o clima já era musical: desde as 21 horas, os melhores músicos da terra vinham se revezando em sets dos mais calorosos - como aliás, vem acontecendo nas sessões quinzenais que ali ocorrem (nesta terça-feira, 10, aliás, uma nova reunião). Após uma breve refeição - providenciada às pressas, pois uma das falhas do 505 é não dispor ainda de um bom serviço de cozinha - Cidão não se conteve: apanhou o microfone e falou do seu entusiasmo em encontrar em Curitiba um ambiente tão jazzístico, com músicos expressivos - e especialmente uma cantora afinada, criativa e bonita como Selma, a grande voz da noite curitibana. Bastou isto para que seus companheiros Edmundo Callia Jr. (piano), Eduardo Bugni, o Dudu (banjo), Antônio Carlos Lima (piston), Alexandre Arruda (trombone), Carlos Hage Chaim (baixo) e Gil Silva (clarineta), deixassem seus lugares, ao lado de belas admiradoras (de repente, aliás, está surgindo uma geração de mulheres bonitas, independentes e desinibidas que curte jazz - ou ao menos os jazzistas) para se integrarem no ambiente musical. E foi então que aquilo que Leonard Feather, o enciclopedista do jazz costuma chamar de J.A.H - Jazz After Hours - começou a esquentar: uma jam com os rapazes do TJB mostrando livremente temas belíssimos, incluindo aqueles menos conhecidos para as platéias para as quais habitualmente se apresentam em seus shows-espetáculos, mas que, entre os conesseurs do Blue Note tiveram imediata acolhida. Após o primeiro set, começou a integração: perdendo a timidez, não só os integrantes do Sigm Jazz Group (núcleo originário do Blue Note), mas pelo menos meia dúzia de outros ótimos instrumentistas da terra começaram a feliz fusão musical, na linguagem internacional que faz do jazz o melhor diplomata neste nosso planeta. O fato de não se conhecerem não impediu que os sete músicos do TJB estabelecessem a imediata integração com os nossos músicos - revezando-se, ou mesmo tocando lado a lado com artistas da sensibilidade de Gebram Sabag, 55 anos, figura lendária dos teclados que vem vencendo sua tradicional displicência para ser um dos grandes artistas convidados em todas as reuniões do Blue Note - tirando no teclado as mais belas harmonias. Cidão dividiu a bateria, com momentos dignos de um Max Roach em sua melhor fase. Orlando Comandulli, 41 anos, um saxofonista que sempre tira desenhos sonoros lembrando seu mestre Charlie Parker, fez bonito ao dividir com os paulistas Lima no pistom, Alexandre no trombone e Gil na clarineta a secção de metais, aos quais acrescentou-se o jovem e talentoso Danilo Rosa Lobo, 24 anos, estreando seu novo trombone-de-vara - presente do vice-presidente do Blue Note, o mecenas Caetano Rodrigues - que, com um sorriso colgate, não escondia a alegria da reunião que havia ajudado a acontecer. Phil Young, 48 anos, double de grande professor de inglês e cantor apaixonado por jazz e bossa nova, dava graças a Deus de ter perdido o avião na manhã de quinta-feira que o iria levar a Belo Horizonte, em compromisso oficial, pois se isto tivesse acontecido não estaria participando de uma noite musical memorável. Em seu português com sotaque do Arizona, o barbudo Phil dizia: - Nem parece Curitiba. Sinto-me como nos anos 50, nas noites do Village Vanguard, em Greenwich Village, New York. Antes que a noite acabasse, Phil teria ainda maiores momentos de emoção ao formar um dueto vocal com o incrível Cidão - além de show-man, baterista, também cantor - para, em scat (canto sem voz), homenagear a Tom, com uma arrasante interpretação de "The Girl of Ipanema". Alfreli, ex-Metralha, hoje um bem sucedido gastroenterologista de cabelos brancos, mas que continua a amar a música, substituindo a guitarra de seus tempos de roqueiro pré-histórico por uma portátil harmônica-de-boca mostrou também seus recursos jazzísticos. Outro músico de cabelos brancos, na guitarra ganhou aplausos isolados - enquanto Miceli no pistão levava muito além do que costuma mostrar no entardecer das sextas-feiras, na janela de seu consultório de dentista no edifício Tijucas, as improvisações jazzísticas. Enfim, a integração musical, a criatividade de cada um - e foram tantos, que os nomes de alguns ficam esquecidos - e o clima alegre e bonito, com a gerente da casa, a sensual Maria da Glória, desdobrando-se para a todos atender, fez com que Curitiba tivesse uma grande noite de jazz.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
08/11/1987

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