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Aramis

Imaginem, Baden Powell vindo morar e ensinar em Curitiba!

Baden Powell morando em Curitiba e aqui desenvolvendo um trabalho com a sinfônica do Paraná? A idéia não é tão absurda como pode parecer. Bastaria haver real disposição dos donos do poder cultural e um esquema respeitoso para se viabilizar esta idéia. O mais famoso violonista brasileiro - e um dos dez (se tanto) grandes nomes do violão internacional, admirado em todo o mundo, mostra-se sempre afetuoso com Curitiba, onde, quando tinha 9 ou 10 anos de idade - não se lembra ao certo - apresentou-se pela primeira vez, ao lado de Renato Murce e Eliane Macedo, que comandavam uma troupe de artistas da Rádio Nacional que faziam shows nos Estados. E esta afeição por Curitiba - da qual nunca esqueceu, apesar de um quarto de século que passou no Exterior, especialmente entre a França e Alemanha (residiu em Baden-Baden até o ano passado) é que o faz falar com tanto carinho pela cidade. Hoje estou no Brasil para ficar. Vivo bem em minha casa numa área de 4 mil metros quadrados na Barra (da Tijuca, RJ), mas as vezes sinto vontade de deixar o Rio ao menos por algum tempo, por uma cidade mais tranqüila. Some-se a isto um desejo de se dedicar também a um trabalho musical mais audacioso - na área sinfônica, para se entender porque Baden nos diz, ao longo da quarta Antártica bem gelada - única bebida que hoje consome - de sua disposição em morar em Curitiba, "por algum tempo, pelo tempo necessário" - aqui fazendo "um trabalho de maior envergadura". Fala com respeito do maestro Alceo Bochino - titular da Sinfônica do Paraná, que conhece há mais de 30 anos. A maior admiração de Baden na área erudita é (Cesar) Guerra Peixe (Petrópolis, 18/3/1914), sobre cuja competência como arranjador, compositor e pesquisador é capaz de se estender por horas. Há três anos, Powell, foi consultado pelo brasileiro Flávio, assistente de Leonard Bernstein, sobre quem o autor de "West Side Story" deveria conhecer no Brasil em termos musicais. Baden foi direto: Guerra Peixe. E no Carnaval de 1986, Bernstein esteve no Rio e durante três dias tomou homéricos pileques de caipirinhas com Guerra Peixe e tornaram-se grandes amigos. "Tanto é que Bernstein nem quis falar com mais ninguém no Brasil" diz Baden. Nasceu então a idéia de fazer um programa de temas brasileiros - choros, jôngos, maracatus (gênero do qual Peixe escreveu todo um tratado) a ser apresentado pela Filarmônica de Berlim, regência de Bernstein e tendo Baden como solista. - É um projeto viável e que pode acontecer. Claro que não tem data prevista e exige muita produção, mas o fundamental é que Bernstein está interessado. xxx Sem gravar há 8 anos - conforme registrou a repórter Lorena Aubrift Klein na bela reportagem publicada domingo, neste ALMANAQUE - Baden mostra-se pessimista em relação ao momento artístico nacional. Irrita-se quando ouve dizer que "a boa música, a música instrumental não vende", pois seus mais de 50 discos, no Exterior, encontram-se em laser e sempre em catálogo. Só no Brasil é difícil localizá-los. Fala com entusiasmo da relação artista-palco e diz: - A gente sente que há público nos concertos. Quando o público vem nos ver. Baden também orgulha-se de sua carreira iniciada aos 9 anos, quando o grande Meira (Jaime Tomás Florence, 1904-1982), "e quando o violão era maior do que eu, que sempre fui baixinho", o indicou a Renato Murce para integrar a sua troupe. O menino-violonista tornou-se a maior atração e iniciava uma carreira jamais interrompida: tocou em regionais, fez jazz no histórico bar Plaza tocou em muitas orquestras - especialmente com a do maestro Chiquinho, da rádio Nacional (da qual tem uma história deliciosa, que aconteceu no Clube Curitibano e que contaremos um dia), e do encontro com Vinícius de Moraes nasceriam clássicos da Bossa Nova - as canções de maiores raízes brasileiras de toda a produção com o Poetinha. - Foi a época dos afro-sambas, de "Labareda", "Berimbau", "Samba da Benção". E dos afro-sambas, que eu quero regravar, com os recursos da tecnologia. Aliás, o termo afro-samba pertence a mim a ao Vinícius, no caso de seus herdeiros. Aos 50 anos (nasceu em Varre e Sai, município de Itaperuna, RJ, em 6/8/37), enfrentando alguns problemas de saúde - diabético, tem que se submeter a um demorado tratamento das gengivas - Baden é hoje um instrumentista e compositor que se sente realizado em termos musicais, "do que já fiz". Mas, com uma intensa carga criativa, gostaria de desenvolver um trabalho mais amplo, "seja em forma de orquestra, quarteto de cordas, com uma base maior" explica, justificando sua abertura para associar-se num projeto capaz de permitir um mútuo e bom resultado. Sincero, diz: - Nem discuto questão financeira. Bastaria ter as mínimas condições de estadia, a manutenção, para poder trabalhar com tranqüilidade. O que, entretanto, é indispensável é uma filosofia, uma idéia musical comum. Com convites para se apresentar nos teatros que desejar, gravações espalhadas pelo mundo - do Japão a Alemanha, seus discos são constantemente relançados, agora em laser, "muitas vezes nem sabemos" - diz Sílvia, sua encantadora esposa, manager e anjo inspirador, sempre atenciosa ao seu lado. Sem ser rico, Baden tem uma vida tranqüila - o que lhe permite espaçar seus concertos, evitar esquemas exaustivos. Portanto, no momento em que fala de um latente desejo de partir para um trabalho mais amplo, em termos sinfônicos - e, espontaneamente, manifesta simpatia por Curitiba, seria a hora de nossos dirigentes culturais abrirem os olhos e o procurarem imediatamente. Com aquela simplicidade e ternura dos grandes e reais talentos, capazes de falar horas sobre música, vida, canções ou amizade, Baden, após seu magnífico concerto na sexta-feira, 25, no Guaíra, relaxava a natural tensão "que é sempre um concerto", conversando espontaneamente. Sua preocupação externada ao empresário Mozart Primo, seu amigo e que pela segunda vez trouxe a Curitiba, era de levantar cedo a tempo do avião das 10 horas da manhã. - Quero descansar no sábado e depois estudar bastante. Estudar? Sim. Para conhecimentos dos pretensos "gênios" musicais, é bom que se diga: Baden Powell, virtuose maior do violão, não dispensa o mínimo de 5 horas por dia de estudos do seu instrumento. - Por que não faria? Segovia o fez até morrer... LEGENDA FOTO - Baden Powell: um trabalho com a sinfônica do Paraná?
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
30/03/1988

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