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Aramis

Instrumental

Bons ventos sopram sobre a música instrumental brasileira a julgar pelos novos lançamentos feitos por compreensíveis razões comerciais, entrando também nas vocalizações, os elepês do Tamba Trio, João Donato e Edson Frederico são basicamente "discos de músicos" em que sente-se uma presença firme de instrumentistas - no caso pianistas, de sólida formação - seja erudita, como no caso de Luizinho Eça, seja prática, mas intensamente criativa, como a do acrense João Donato. Há um quarto pianista brasileiro também presente com um elepê na praça - Eumir Deodato, mas em seu caso trata-se de um instrumentista-arranjador já totalmente absorvido pela música de consumo americana - onde suas adaptações cremosas de valsas de Strauss ("Assim falava Zaratrustra") a clássicos de Gershwin ("Rhapsody in blue") lhes deram fama e, principalmente muitos dólares. O TAMBA TRIO: há 3 anos, tivemos o prazer de participarmos de um acontecimento histórico, no Teatro do Paiol, então vivendo uma fase de grandes eventos musicais; a estréia nacional do Tamba Trio, em sua formação original - Luiz Eça, Bebeto e Helcio Milito, 8 anos após uma separação das mais lamentadas. Dentro da história da Bossa Nova, nenhum outro trio instrumental-vocal tem importância maior do que o Tamba, surgido numa época da maior efervescência criativa. Seus três históricos elepês gravados na Philips, entre 1961/63, estão hoje entre clássicos indiscutíveis, o que tornou ainda mais oportuna reedição de "Avanço" o terceiro elepê que fizeram na Philips, incluído na "Série histórica", produzida por Maurício Quadrio. Após os 3 primeiros elepês, na formação original, Helcio Milito, percussionista do grupo, deixou o conjunto sendo substituído por O'Hana com que Luiz e Bebeto faria mais dois discos na Philips, antes de viajar para os EUA e México, onde o Tamba se tranformaria em quarteto, gravando inclusive dois elepês. Durante quase oito anos, Luiz, paulista, compositor e um extraordinário arranjador e maestro (8estudou em Viena, música erudita, colega inclusive da pianista Henriqueta Penido Garcez Duarte, diretora da Escola de Música e Belas Artes do Paraná e ex-presidente da Pró-Música de Curitiba, permaneceu trabalhando entre os EUA e Rio de Janeiro, fazendo elepês notáveis ("Luiz Eça & Cordas", 2 volumes; "Luiz Eça & O Quinteto Vila Lobos), arranjos mas num trabalho isolado, assim como Bebeto e Helcio Milito (este também produtor, tendo realizado na CBS alguns dos melhores elepês de seu catálogo nos anos 60 ("Seis numa Imagem Barroca", "Cynara & Cybelle" etc.). Finalmente, há três anos ocorreu o grande evento: chamados para uma das audições do programa do maestro Isaac Karabitcheveski na TV Globo ("Noite de gala") os três antigos integrantes do Tamba se reencontraram, tocaram um número e no sábado seguinte almoçavam juntos na casa de Helcio já que embora separados musicalmente, nunca houve problemas pessoais entre eles. Surgiu então a decisão de retornar ao mundo artístico, praticamente 10 anos depois, enfrentando uma situação totalmente nova. Importaram sofisticado equipamento - sintetizador de som, piano elétrico para Luizinho, Milito incorporou a antiga bateria e a Tamba (instrumento de percussão por ele inventado e que deu nome ao trio) uma parafernália de novos instrumentos de som, enquanto Bebeto, ao lado do baixo, do qual sempre foi um extraordinário executante, passou a desenvolver ainda mais os solos de flautas., alguns instrumentos de percussão e, principalmente os vocais, ele que sempre teve uma voz maravilhosa - há muito merecendo gravar um disco como cantor. Conscientes, como sempre, dos novos tempos musicais a serem enfrentados Luizinho, Bebeto e Helcio passaram mais de seis meses ensaiando, num trabalho duro e economicamente sofrido - já que deixaram seus outros compromissos, que, bem ou mal vinham lhe garantindo o pão nosso de cada dia. Finalmente, num circuito "off Guanabara", numa temporada empresada pela eficiente Gaby Leib, o Tamba Trio voltava a tocar, publicamente, no Teatro do Paiol, em agosto de 1972, num acontecimento que por sua importância no cenário da música popular brasileira mereceu cobertura da imprensa nacional. A temporada - em Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, incluídas no roteiro teste - não foi de casas lotada, nem eles pretendiam, sabiam que toda uma geração nova havia aparecido e que os jovens de menos de 20 anos estavam desligados da música que eles apresentaram no início dos anos 60. Assim mesmo, um público respeitoso e consciente - faixa entre 30/40 anos, prestigiou suas apresentações, alongadas em algumas reuniões memoráveis, uma das quais na residência do pianista Gebran Sabbagm se transformou numa das mais criativas jam-sessions que já tivemos a felicidade de assistir. Passaram-se muitos meses antes que saísse o primeiro elepê desta nova fase, o que só ocorreu na metade do ano passado (RCA Victor, 103.0081) num elepê realizado com muito entusiasmo e carinho, que mereceu sua inclusão entre os melhores do ano. Embora, em termos de público o Tamba Trio não tenha "acontecido" o que realmente é difícil numa fase em que androgenia e a superficialidade pop domina e emepebe, junto a faixa mais jovem - em termos de prestígio, os rapazes do Tamba não podem se queixar; tem sido contratados para representar o Brasil em eventos internacionais e sua agenda de compromissos é repleta. O que, por certo, retardou a realização de um novo elepê, o que só ocorre agora (RCA Victor, 103.0143) num elepê gravado entre 10 de março a 5 de maio de 1975, nos estúdios da RCA, no Rio de Janeiro. Para os que conhecem (e admiram) o Tamba dos anos 60, este elepê, pode, se não decepcionar, ao menos parecer estranho: não tem, em absoluto, a mesma unidade de gênio e inovação que caracterizou, 14 anos passados, o aparecimento do trio. Mas é preciso considerar que muita coisa ocorreu na MPB neste lustro de século e, infelizmente em termos de compositores, não apareceu ainda ninguém melhor (e do que duvidamos sinceramente) do que Antonio Carlos Jobim, cuja música "Olha Maria" "Amparo" (faixa 5/lado A) é o grande momento deste elepê do Tamba, onde Luizinho Eça demonstra, mais uma vez que é o grande arranjador de cordas em nosso País. O repertório do Tamba Trio é eclético, e, pode-se até dizer, comercial, sem que isso comprometa a qualidade: assim, se há faixas de grande riqueza instrumental, como além da já citada "Olha Maria", o "Chorinho nº 1" (Durval Ferreira) "Janelas" e "Beira-Mar", ambas de Ivan Lins, há musicas com amparo vocal - como a onomatopaica "Ou Bola, ou Búlica", nova composição da dupla João Bosco - Aldir Blanc (por sinal, Luizinho foi um dos primeiros a acreditar no extraordinário talento de Bosco). A participação especial de vários compositores ao violão - Hélio Delmiro, Toninho Horta, Ivan Lins, Danilo Caymmi e João Bosco (também no vocal, em "Ou Bola, ou Bulica", além de Rildo Hora (solo de gaita em "Visgo de jaca") vem mostrar a admiração e respeito que o Tamba merece dos mais responsáveis e conscientes de nossos compositores. Um elepê de alto nível, profissionalmente perfeito e que se não é o impacto que se poderia esperar, não é por culpa de Luizinho Eça. Afinal hoje vivemos tempos diferentes dos bons anos 60. Faixas: "3 Horas da Manhã" (Ivan Lins /Waldomar Correia), "Visgo de jaca" (Rildo Hora / Sérgio Cabral), "Ou Bola, ou Búlica" (João Bosco / Aldir Blanc), "Beira-Mar (Ivan Lins), "Olha Maria" (Antonio Carlos Jobim), "Chorinho nº 1" (Durval Ferreira), "Jogo da vida" (Danilo Caymmi / Sidnei Miller), "Sanguessuga" (Toninho Horta / Fernando Brandt), "Janelas" (Ivan Lins / Ronaldo Monteiro); "Contra o vento" (Danilo Caymmi / Ana Borba), "Beijo Partido" (Toninho Horta) e "Chamada" (Hélio Delmiro / Paulo Cesar Pinheiro). JOÃO DONATO - Há alguns meses, em especial que produzimos para a Rádio Ouro Verde, lamentamos que João Donato não tivesse ainda feito novo elepe, pois, citando um bom amigo e grande pesquisador da emepebe, o jornalista Flávio Garcia, do jornal "Panorama" (Londrina), 1975 se afiguraria como o ano de Donato. Pois este acreano de 40 anos, mais de 20 de música, ex-acordeonista, nome dos mais respeitados junto a toda a primeira geração da Bossa Nova (a quem influenciou de forma extraordinária, com seu estilo novo de compor e executar piano), permanecia até há pouco totalmente esquecido no Brasil. Discreto, tímido - no que se aproxima muito de João Gilberto, de quem é um dos maiores amigos, Donato, entretanto, quando entre amigos, fala muito - e de forma sempre inteligente, como pudemos testemunhar, gravando um depoimento, quando esteve em Curitiba, acompanhando Gal Costa, em show no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto. Finalmente, agora, sai o novo lp de Donato ("Lugar Comum", Philips, 6349138, outubro/75), onde, pela segunda vez, Donato "diz" as letras que amigos (Gilberto Gil, Gutemberg Guarabira, Durval Ferreira, Sidney da Conceição, Caetano [Velloso] e até o norte-americano Norman Gimbel) fazem para suas extraordinárias músicas. Radicais como Tinhorão, jamais aceitariam um disco como este, em que Donato apenas sussurra as palavras, num complemento a excelente harmonia que sabe tirar do piano. Mas quem aceita e defende a liberdade criativa, não pode deixar de admirar o romantismo intimista, triste e camerístico que a música de Donato transmite, principalmente em termos de harmonia (as letras perdem o significado, perante a beleza de sua musicalidade). Com apoio de um grupo de bons instrumentistas - Frederiko na guitarra, Novelli no baixo, Wilson das Neves na percussão, mais 5 flautas (entre os quais sax-tenor e clarone, Maciel, Bogado e Flamarion no trombone e participação especiais de Rosinha de Valença e Gilberto Gil (vocais) - Donato oferece em "Lugar Comum" um elepe de muita beleza e tranqüilidade repousante - o que não diminui, em um momento sequer, a sua carga de inovação, que o faz um dos instrumentistas mais admirados de nossa MPB. Faixas; "Lugar Comum", "Tudo Tem", "A Bruxa de Mentira", "Menina", "Banameira", "Patumbacalundê", "Xangô É de Bâe", "Pretty Dolly", "Emoriô", "Naturalmente", "Que Besteira" e "Deixei Recado". xxx EDSON FREDERICO - Com 26 anos, mas uma experiência que inclui desde a antiga Banda Veneno, do falecido maestro Erlon Chaves, a acompanhar cantores internacionais no Maracanãzinho, como spank Wilson e Romuald, o pianista Edson Frederico é hoje um dos jovens músicos mais conceituados no Rio de Janeiro. Todas as noites, após tocar música digestiva numa sofisticada boite carioca, Edson e seu grupo, acompanham Juarez Machado e Miele, no excelente show que a dupla apresenta na boite Sucata. E a participação musical de Edson é um dos pontos altos para o êxito deste espetáculo, que todas as noites lota a casa de Ricardo Amaral. Agora, fez o seu primeiro elepe ("Edson Frederico e a Transa", RCA Victor, 107.231, outubro/75), produzido por Helcio Milito, que assim volta a fazer parte da equipe de (bons) produtores fonográficos. É um disco leve, descontraído, próprio a atingir o público elegante que todas as noites prestigia os endereços (caros) onde o pianista trabalha. Mas é um disco inteligente, em que ao menos há duas faixas que, isoladamente, estão entre os melhores trabalhos instrumentais do ano: a extraordinária "Ligia", que Tom entregou no ano passado para Chico Buarque gravar, e "Tema de Heloisa", do próprio Edson Frederico, que mostra assim sua sensibilidade de compositor do melhor nível. "Lígia", com arranjo de Luizinho Eça, é simplesmente extraordinária. Homem inteligente, Milito foi responsável há 4 anos, por um dos maiores sucessos de vendas da Topecar: um compacto simples, com "Capim Gordura", do maestro Laercio de Freitas, gravada por Luís Carlos Vinhas. Ironicamente numa linguagem sertaneja, "Capim Gordura" conquistou primeiro as boites do Rio e depois todo o País. De certa maneira, Milito tenta repetir a fórmula com Edson Frederico, principalmente na faixa "O Gás", do mesmo Laercio, embora outras músicas também se prestem a espontânea alegria de boites: "Tava Mas Não Tava" (Orlandivo / Dua), "Ginga Gira Girê" (Oswaldo Nunes / Darcy do Nascimento / Oliviel Alves), "Garota de Copacabana" (Durval Ferreira / Orlandivo), "Baubino" (Orlandivo / Duda), "Bobeira" (idem), "Sacorde Carola" (Hélio Nascimento / Alfredo Marques), "Sambane" (Noca-Vovó Ziza), "Multidão" (Laércio-Edson Frederico) e "A Peteca Na Mão da Menina" (Gracia / Walter Rodrigues). Edson Frederico é um pianista excelente. Comercial, quando preciso e genial quando pode. E duas faixas de seu elepe provam isso: "Ligia" e "Heloisa". O resto é esperar, pois o moço vai fazer ainda muita coisa de gabarito, sem necessidade de concessões comerciais. xxx EUMIR DEODATO - Do beco das garrafas, no despontar dos anos 60, a superstar da música instrumental de consumo nos EUA, o pianista Eumir Deodato usou uma linha musical em que fundiu alguns macetes clássicos ao estilo "swingui-jazzado", resultado música harmoniosa e agradável - como outro esperto brasileiro, seu companheiro e contemporâneo Sérgio Mendes, já havia feito. "Also sprach Zarathustra", de Strauss, foi o seu primeiro grande êxito nos EUA, ao qual se seguiram "Raphsody In Blue", de Gershwin, e "Pavana para uma princesa morta", de Ravel. Agora, em seu novo lp ("First Cuckoo", MCA/Chantecler, 4-07-404-100, outubro/75), Deodato dá mais uma salada de temas clássicos e populares. Com arranjos, produção e direção orquestral do próprio Eumir, no lado 1, temos "Funk Your Self" de sua autoria, "Black Dog", de Gene Page e Roberto Plant (do Led Zeppelin), "Crabwalk", de Deodato e "Adam's Hotel", composição praticamente inédita de Marcos Valle. O lado 2 abre com uma música que pode ser considerada um clássico do gênero popular: "Caravan", antológica composição de Duke Ellington, J. Tizol e Irving Mills, que se prolonga até "Watusi Street", de Deodato, que vem interruptamente na mesma faixa; continuando, "Speak Low", outro clássico popular, de autoria de Kurt Weil e Ogden Nash, aqui recriado por Eumir. Para encerrar, a faixa que dá título ao elepe, "First Cuckoo", adaptação do poema sinfônico "On hearing the first cuckoo in Spring", de autoria do inglês Fredericl Delius (1) - onde Deodato, mais uma vez deu o seu toque pessoal, garantindo, por certo, mais uma presença nas paradas de sucesso. NOTA (1) - Frederick Delius é um autor inglês, do começo do século, cujo estilo tendia a corrente impressionista. Sua obra ficou no anonimato por alguns anos, até ser redescoberto pelo maestro sir Thomas Beecham.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música
31
09/11/1975

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