Instrumentistas
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de novembro de 1980
É interessante observar-se a aculturação de certos músicos compositores em relação aos Estados unidos. Sérgio Mendes e Eumir Deodato são os maiores exemplos de brasileiros que deram certo na América, fazendo fama e fortuna mas, em compensação, abrindo mão de valores nacionais, para uma integração ao gosto daquele público. Em compensação, há os criadores que mesmo impressionando aos americanos, com chances de ali vencerem, preferem manter-se fiéis ao Brasil. O exemplo é o incrível Hermeto Paschoal, um bruxo sonoro que continua a ser uma das usinas de maior voltagem em nossa música independente de rótulos e títulos.
Eumir Deodato, 37 anos, acordeonista da academia de Mário Mascarenhas, pianista a partir de 1959 quando entrou no conjunto de Roberto Menescal, que junto com Durval Ferreira teve um grupo marcante na fase da Bossa Nova - época dos Becos das Garrafas, dos primeiros festivais estudantis. Após alguns primeiros elepes no Brasil ("Inútil Paisagem", Forma, 1964; "Os Gatos", "Os Catedráticos", Equipe), se fixaria, a partir de 1967, nos Estados Unidos, onde foi inicialmente para trabalhar com Luís Bonfá. Passou a criar jingles que fizeram sucesso e arranjos para cantores, inclusive Sinatra, Tony Bennet e Roberta Flack. Hoje, é um homem tranqüilo, com um público fixo e que absorve seus constantes álbuns. Nas lojas, três elepes marcantes destes últimos anos: "First Cuckoo" (MCA/Ariola), traz com duas composições próprias ("Funk Yourself", "Crabwalk"0, uma agradável música de Marcos Valle ("Adam's Hotel"), além de uma nova visão do clássico "Caravan" de Duke Ellington. Já em "Knights of Fantasy "Warner), Deodato volta a fazer estrepolias sobre um tema clássico: assim como seu arranjo em torno de "Zaratrusta" chegou às paradas, trabalhou sobre "Jesus Alegria dos Anjos" para uma versão bem digestiva. O que ao lado do choroso "Love Is Blue" tornou "Knights of Fantasy" o exemplo de disco de fácil assimilação. As demais faixas - inclusive a que dá título ao disco são do próprio Deodato.
Finalmente "Night Cruiser" (Warner, 36.167, outubro/80) traz novamente aquela musica insinuante, proposta a partir das próprias fotos de capa e contracapa: Deodato fotografado em seu panca de "latin lover", embalado com musicas como "Skatin" (David Bravo/Renaud White), "Nuncle Funk" (Jamil Joanes/ E. Deodato) e "Grooviation". O guitarrista Sérgio Dias, ex-integrante de Os Mutantes e que fez há pouco seu primeiro elepe solo na CBS, é co-autor de "East Side Strut" e participa desta faixa e "Groovitation".
Em comparação ao bem comportado e comercial som de Emir Deodato, a música que Hermeto Paschoal propõe é das mais eletrificantes. Seu "Cérebro Magnético"(WEA), lançado há alguns meses antes de sua polemica participação no Rio-Monterey Jazz Festival (onde abandonou o Maracanazinho, revoltado contra a falta de atenção do público) o traz em um momento de livre criação, alternando-se em diversos instrumentos piano, flautas, sax, apitos, caxixes, bacias etc., mas sempre com uma notável harmonia. E neste disco, para nós um dos mais belos momentos instrumentais do ano, Hermeto estréia até como desenhista: é dele o desenho da capa do elepe, apropriadamente intitulado "Cérebro Magnético". Um cérebro que é uma espécie de fotografia deste instrumentista/compositor tão estranho/ extraordinário quanto talentoso. Incapaz de se repetir, propondo sempre novos sons, boas fórmulas.
A propósito, já que falamos no LP de Sérgio Dias, registra-se a qualidade que o produtor Márcio Moura conseguiu dar a este disco, inclusive na participação especial de artistas como Caetano Veloso, Gal Costa, Jane Duboc, o violonista L. Shankar e o trumpetista Márcio Montaroyos. Sérgio Dias é vocalista e guitarrista em todas as faixas, mostrando bastante pique.
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