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Aramis

Interiores da Alma & da Solidão

Cada vez mais os cineastas de maior consciência, responsabilidade e, talento, entendem que o importante em nossos dias é se voltar ao ser humano, procurando entendê-lo em seus anseios, angústias e medos - e traduzindo tais sentimentos em imagens que possam ser universais. No ano passado - para só ficar em exemplos recentes - houve pelo menos cinco momentos maiores em que se provou as (amplas) possibilidades de um filme ser ao mesmo tempo comercial e profundo - e todos ligados por uma reavaliação das relações homem-mulher, mas considerando a mulher com uma extrema sensibilidade, em filmes que parecem ter sido basicamente pensados e realizados em termos femininos: o denso - e até certo ponto hermético - "Três Mulheres", de Robert Altman; o político "Júlia" de Fred Zinnemann - baseado em um período na vida da escritora, dramaturga e roteirista Lilian Hellman; o intensamente humano "A Procura de Mr. Goodbar" de Richard Brooks, o profissionalmente questionador "Momento de Decisão" de Herbert Ross, e o premiado "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", onde Woody Allen, provou, mais uma vez, que a verdade dita até na letra de um dos mais belos sambas de Paulinho da Viola - o que faz rir, (também) pode fazer chorar (ou ao menos pensar) - formam momentos que mais do que meros registros de ordem crítica-informativa, justificam análises dos mais diversos pontos de vistas sociológico, psicológico e, sobretudo, na comunicação entre os seres humanos. Se em Brooks, Altman ou Zinnemann, o mergulho das câmaras ao mais profundo dos seres poderia não surpreender, considerando suas filmografias anteriores, no caso de Allen, 44 anos, judeu americano que começou a escrever aos 17 anos, passando pelos mais diferentes shows humorísticos de televisão, o impacto foi grande. Excelente ator - como demonstrou desde sua estréia em "O Que é Que há Gatinha?" ao político "O Testa de Ferro" - e revelando-se um roteirista-diretor-ator capaz de realizar filmes de uma comicidade extremamente inteligente, já há uma década (desde sua estréia em "Um Assaltante Bem Trapalhão/-Take the Money and Run", 1969, com Janet Margolin), em "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall), rodado em 1977, sem abandonar as gagas inteligentes - [tanto] as visuais como, principalmente as contidas no texto e insinuações - discutia o relacionamento homem/mulher, em contraposição ao trabalho profissional e, principalmente, a própria cidade - deslocando a ação de seu filme entre a sufocante (mas excitante e amada) Nova Iorque ou a sempre quente e liberta Los Angeles. Quando terminou "Annie Hall" - que lhe valeu os Oscars de melhor diretor, filme (que preferiu não receber, ficando em Nova Iorque, tocando clarineta numa banda amadora de jazz, no Michael's) e de atriz, a Diane Keaton, (sua ex-companheira), Allen já havia decidido que seu próximo filme seria uma obra extremamente pessoal, destinada a provar apenas sua capacidade de diretor-roteirista. Assim, exigiu da Unitd Artits que toda promoção em torno de "Interiores" não mencionasse nada capaz de lembrá-lo como ator ligado ao humor. Ao contrário, uma seriedade total cercou este último filme que, em abril último, concorreu a 6 Oscars - e mesmo não recebendo nenhum dos troféus - é, em nosso entendimento, uma das obras mais importantes do cinema contemporâneo - e de longe, o melhor filme que Allen já realizou - [excluindo-se] "Manhattan", rodado no segundo semestre do ano passado, estreado há 40 dias em Nova Iorque, e cuja repercussão foi tamanha que "Time" e "Bew Sweek" dedicaram matérias de capas a este importante representativo dos anos 70. A visão de "Interiores" (cinema 1 - 2ª semana) confirma tudo que de positivo já se escreveu a respeito da extrema capacidade de Allen no entendimento dos seres humanos, de sua visão profundamente crítica da neurose urbana de nossa época e daquela eterna - e infindável busca da felicidade e da compreensão. Desde que "Interiores" estreou nos EUA, os mais respeitados críticos vem insistindo me compará-lo a obras do sueco Ingmar Bergman, talvez pelo fato de Allen procurar longos planos em que o silêncio traduz muito mais do que as palavras. E para quem havia acostumado o público com um humor extremamente verbal, com gags, a surpresa não deixa de ser grande: ao fazer o retrato de uma família americana, composto de uma mãe possessiva e limitada, Eva (Geraldina Page), o pai Arthur (E:G:Marshall), 63 anos, realizado financeiramente mas que, num momento de decisão, decide romper os (falsos) vínculos que o prendiam à monotonia da vida doméstica - a esposa, e as 3 filhas - Renata, uma poetisa de sensibilidade (Diane Keaton), Flyn (Kristin Griffith), uma jovem e bela atriz de filmes de TV e a mais velha, Joey, a única sem profissão definida (Maybeth Hurth), e os maridos de Renato, Frederick (Richard Jordan), escritor em conflitos e sem sucesso, e de Joey, Mike (Sam Waterston), um executivo de grande empresa nova-iorquina, Allen colocou elementos que - mesmo localizados no ano de 78, e num espaço urbano definido (Nova Iorque) - se transpõe a qualquer outro lugar e, obviamente, estabelecem uma identificação natural. Assim como as grandes tragédias gregas, escritas há milênios permanecem atualíssimas (um exemplo é "Prometeu Acorrentado", de Esquilo, na remontagem de Ivan de Albuquerque, com Rubens Correa, no Teatro Ipanema, TJ, o mais sério espetáculo em cartaz na temporada carioca) por tratarem, justamente, do que como "Interiores" - um passo adiante de "Annie Hall" (e que por certo tem, direta ou indiretamente, sua continuidade no ainda inédito, para nós, "Manhattan"), significa, dentro da obra de Allen, um momento maior... Um crítico, se não me engano, Vicente Cannaby, do "New York Times", disse que ao invés de fazer psicanálise, Allen faz filmes. E, realmente, para quem acompanha sua carreira, pode observar que a cada nova fita ele vai colocando para fora, de uma maneira sempre inteligente e racional, os fantasmas da mete, numa limpeza de cuca que todos precisamos fazer, com ou sem ajuda de analistas (afinal tão caro e difíceis). A irreverência política ("Bananas", 71), sexual ("Tudo que Você Quis Saber Sobre o Sexo", 72); a ficção científica ("O Dorminhoco", 74), a literatura ("Última Noite de Boris Grushenko", 75), entremeadas de atuações esporádicas como ator em filmes de amigos - como em "Sonhos de Um Sedutor" (Play It Again, Agaim 71, de Herbert Ross) - possivelmente a maior homenagem já prestada ao filme-mito "Casablanca" (1942, de Michael Curtiz - 1888 - 1962) ou em "Testa de Ferro Por Acaso", de Martin Ritt - o primeiro filme a tocar o dedo, com firmeza, numa das maiores vergonhas da sociedade contemporânea: o perigo da "Caça às bruxas" provocada pelo radicalismo do senador Joe McCarthy (1909-1957), no período entre 1947/54 - grangearam a Woody Allen um grande respeito e admiração nos meios cinematográficos nesta década. Criativo ao extremo - dois de seus livros já foram editados no Brasil pela L & P, de Porto Alegre - e acreditando que o fundamental é colocar para fora, numa cartase, tudo que possa embotar/embolar o pensamento, Allen está firmando-se cada vez mais como um cineasta que, a partir de "Annir Hall" - e especialmente com este "Interiores" - ombrea-se ao que de mais profundo fez Michelângelo Antonioni nos anos 60 e que Ingmar Bergman vem realizando desde a década anterior. Mas - e isto é que é importante - Allen não se limita a ser um pastiche, hermético e complicado, do cinema psicológico do sueco Bergman - como faz o brasileiro Walter Hugo Khouri - mas, ao contrário, surpreende, renova-se, [recicla-se] a cada uma de suas novas experiências.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
5
27/05/1979

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