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Aramis

James Stewart, o último herói

RIO - "A emoção que sinto é tanta que me dá vontade de acariciar seus cabelos brancos e agradecer: muito obrigado por me ter feito aprender a gosta do cinema. Afinal, devo muito, muito, aos filmes em que ele atuou". O comentário de Fernando Albagin, diretor industrial da Editora Brasil-América e responsável pelo retorno de uma das mais tradicionais revistas de cinema às bancas, a "Cinemim", traduziu, no quente entardecer da segunda-feira, 22, a emoção de muitos jornalistas e críticos de cinema reunidos no Salão Botânico do Hotel Rio Palace, no Rio de Janeiro, onde haviam acabado de participar de entrevista coletiva com o último dos grandes atores dos chamados gold years do cinema norte-americano: James Stewart. Enquanto o alto e ainda elegante e rijo ator autografava fotos e cartazes dos filmes que fez com Hitchcook ("Festim Diabólico", "A Janela Indiscreta", "O Homem que Sabia Demais" e "Vertigo - Um Corpo Que Cai", cujos relançamentos motivaram a vinda de Stewart ao Brasil), experimentados profissionais da imprensa cinematográfica, não escondiam o entusiasmo pela lucidez e boa memória do velho ator. Durante quase duas horas, James Stewart respondeu a mais de 50 perguntas, desde as convencionais (qual foi a atriz com quem v. mais gostou de contracenar? Por que veio ao Brasil?), até questões mais profundas, sobre política e sua vivência durante cinco décadas de cinema. INTEGRIDADE Antônio Carlos Gomes de Mattos, advogado de profissão, mas pesquisador de cinema apaixonado (é responsável pelo levantamento de centenas de completas filmografias, e prepara um livro sobre Lubistch e John Ford), definiu, num só adjetivo a emoção que as palavras de um veterano ator como Stewart passam: Integridade. De experiência e vivência de seus 76 anos, quase 1,90m, cabelos começando a rarear e totalmente brancos, rosto vermelhão, mas a mesma inconfundível voz anasalada com que marcou o cinema norte-americano, desde seus primeiros filmes, ainda nos anos 30 ("Rose Maria", "Ciúmes" (Wife Versus Secretary), "Garota do Interior" (Small Town Girl) e "Ingratidão" (Of Human Hearts), de Walter Houston - no qual, dirigido por Clarence Brown, tinha uma de suas mais elogiadas atuações, Stewart falou com segurança e vigor. Começou lembrando que essa foi a sua segunda viagem ao Brasil, observando: - "A primeira, aconteceu há muitos anos. Creio que mais de 30. Eu e minha esposa viemos de barco, pescando, do litoral da Flórida, até o Chile. Dali, atravessamos num velho Chevrolet, com muitas dificuldades, os Andes. Chegamos à Argentina e dali viemos para o Rio de Janeiro. Foi uma aventura...". Desta vez, James Stewart, e a esposa, Glória, vieram de avião. Chegaram no sábado, 20, e ficaram apenas seis dias. Neste fim de semana, já retornaram aos Estados Unidos. A vontade de rever o Rio - "agora totalmente diferente" - o fez incluir a "Cidade Maravilhosa" ao lado de Paris, Londres, Sidney, no roteiro que programou para o tournée promocional de relançamento de cinco filmes de Alfred Hitchcook, que, após 20 anos, estão sendo representados em quase todo o mundo. Naturalmente, Hitch é um ponto importante da entrevista: - "Alfred Hitchcook tinha a grandeza do diretor que buscava realizar filmes com uma grande dinâmica, capazes de atrair os espectadores. Conheci Alfred em 1947, quando das filmagens de "Rope". Sobre "Rope" (no Brasil, "Festim Diabólico"), cuja técnica de filmagem jamais foi igualada (apenas dez seqüências, sem cortes), Stewart lembrou: - "Era tão fantástico o ritmo de trabalho que cheguei a sugerir a Hitch: que tal se, ao invés do filme, nos cobrássemos ingressos para as pessoas que quisessem assistir como este filme está sendo feito?". O bom-humor marcou a entrevista de Stewart. Especialmente quando lembrou seu trabalho em "Meu Amigo Harvey" (Harvey), pelo qual foi indicado para o Oscar, ao criar magnífica performance do bêbado simpático, cujo companheiro constante é um coelho invisível de dois metros de altura. Harvey voltou a ser companheiro de Stewart, em peças de teatro. O crítico Goida, da Zero Hora, de Porto Alegre, perguntou por onde andava Harvey. James respondeu: - "Vai bem. Está no meu apartamento, mas, como ficou resfriado, não pôde vir à entrevista. Pediu que eu o representasse". PARTICIPAÇÃO NAS RENDAS James Stewart foi o primeiro ator a trabalhar em troca de participação nas rendas dos filmes. A esse respeito, explicou: - "Há uma diferença em participação no bruto e no líquido de um filme. Sempre participei nos lucros líquidos correndo, assim, os mesmos riscos do diretor, do produtor e outros associados". Essa nova relação começou em 1954, quando interpretou Glenn Miller, num de seus mais famosos filmes: "Música e Lágrimas". Um filme que lhe é muito simpático. Adolfo Cruz, que há 35 anos apresenta o mais antigo programa de cinema do rádio brasileiro - na Nacional, levantou-se e procurou gravar, em seu minicassete, detalhes a respeito. James explica: - "The Glenn Miller Story" está sendo remixado, agora em estéreo, para um novo lançamento em 1985. Que eu espero poder acompanhar também. "Música e Lágrimas" marcou, também, uma feliz associação de Jimmy Stewart com outro grande cineasta norte-americano: Anthony Mann. Com ele, faria uma série de westerns clássicos - "Winchester 73". "E o Sangue Semeou a Terra" (Bend of the River), "O Preço de Um Homem" (The Naked Spur), "Região de Ódio" (The Fart Country) e "Um Certo Capitão Lockhart" (The Man From Laramie) - todos lançados no saudoso Cine Avenida, em Curitiba, na década de 50. Com Mann, atuou, também, num papel muito caro: o de um oficial da USAF, em "Comandos do Ar" (Strategic Air Command). Durante a II Guerra Mundial, Stewart serviu a Força Aérea Americana. Começou como soldado, fez cursos e saiu no posto de coronel, após ter participado de 20 missões como piloto de avião de bombardeio na Alemanha. Ao desligar-se do serviço militar, em 1968, foi reformado no posto de general brigadeiro. Entretanto, uma senadora americana, Margareth Smith, não concordou com essa promoção, já que, dentro da hierarquia militar, Stewart não tinha o tempo necessário para o alto posto. Uma pergunta a respeito, formulada por Gomes de Mattos, surpreendeu Stewart pelo nível de informação do pesquisador carioca. E a resposta foi das mais sinceras: - "Realmente, eu não tinha o tempo de caserna necessário. Assim, como a senadora tinha razão - e não se deve brigar com uma mulher, ainda mais senadora - completei o período, fazendo serviços militares fraccionados, entre meus trabalhos nas filmagens". REAGAN, MEU AMIGO James Stewart não trouxe - ao contrário do que se comentou - qualquer mensagem política de seu amigo Ronald Reagan. Mas disse, alto e bom som: - "Toda minha vida, fui republicano. E sempre fui amigo de Ronald Reagan, desde os tempos de Hollywood. Ajudei-o nas campanhas como candidato ao governo da Califórnia e depois à Presidência da República, quando pude conhecê-lo ainda melhor como político, homem e cidadão". Amizade é um sentimento muito caro para James Stewart. Foi um dos maiores amigos de Henry Fonda, com quem começou a carreira, há mais de 50 anos, quando, também, estudando arquitetura na Universidade de Princeton, conheceu Joshua Logan, que se tornaria um dos mais importantes diretores do teatro e do cinema ("Férias de Amor", "Sayonara", Nunca Fui Santa", etc.). Do grupo de teatro, universitário, em Massachussetts, sairiam futuros astros, como Fonda e Margaret Sullivan, com quem Stewart fez muitos filmes, no início de carreira. James fala com elegância de todas as inúmeras atrizes com quem contracenou, em mais de 50 anos de cinema: - "I love all" - responde, provocando risos. Sobre o melhor ator de todos os tempos, responde, sem titubear: - Sir Laurence Olivier. Stewart fala com grande carinho dos diretores com quem trabalhou: Frank Capra, com quem personificou o típico herói americano, em clássicos como "Do Mundo Nada Se Leva" e "A Mulher Faz O Homem" (este, em 1939, lhe valeu muitos prêmios e uma indicação ao Oscar); Ernest Lubitsch, que o dirigiu em 1940, em "A Loja da Esquina"; Franck Borzage, com quem fez "Tempestades D'Alma" (The Mortal Storm) e George Cukor, diretor de "Núpcias de Escândalo" (The Philadelphia Story), que há 44 anos lhe valeu o Oscar de melhor ator. Embora Stewart tenha atuado praticamente com todos os grandes cineastas norte-americanos, Hitchcook sempre volta à baila na entrevista. Stewart explica o que realmente o mestre do suspense queria dizer, ao afirmar que os atores e atrizes "devem ser tratados como gado". Lembra que Hitch sabia contar uma boa história com o visual, como deve acontecer no cinema. Stewart busca o humor, ao recordar sua atuação, ao lado de Eleonor Powell, em "Nascida Para Bailar" (Born To Dance), com músicas de Cole Porter. - "Quando conheci Mr. Porter e ele foi ao piano e me deu uma canção, eu pedi: "dá para tocar mais baixo?". Quando contei esse fato nos estúdios, todos riram..." No final, naturalmente, a voz de Stewart acabou dublada, nas seqüências musicais. - "Entretanto, a música de Porter era tão boa que resistiria mesmo à minha voz..." AINDA NA ATIVA Há alguns anos, James Stewart fez uma experiência como diretor. Realizou três curtas para uma série financiada pela General Eletric, apresentada na televisão. Lembra-se, apenas, do título de dois desses filmes: "B-52" e "A Tale Christmas". Há 7 anos, James Stewart foi visto no Brasil, nas telas, pela última vez: uma ponta no medíocre "Aeroporto 77". Anteriormente, havia contracenado como médico e companheiro de John Wayne, no melancólico "O Último Pistoleiro" (The Shootist), um testamento comovente do gênero. Se Gary Grant, com 80 anos, está há mais de 15 afastado das câmaras, James Stewart não parou. Fez "The Magic of Lasie": participou de uma refilmagem de "The Big Sleep", na Inglaterra; há algum tempo, atuou numa produção japonesa ("Tails of África"), rodada na África; e, no ano passado, comoveu os Estados Unidos, ao aparecer, ao lado de Bette Davis, em "Right of Way", feito para a tv a cabo. Este ano, duas semanas antes de vir ao Brasil, estava atuando em "The Late Christopher Bean", dirigido por George Shaffer, quando as filmagens foram interrompidas. Explica: - "A atriz Carol Burnett adoeceu. O filme foi suspenso e o reinicio vai depender da saúde de Carol". Antes da entrevista terminar, James abre a carteira repleta de cartões de crédito e documentos, para procurar as fotos das duas filhas gêmeas - Telly e Judy - e também uma foto de seu cachorro. Mostra as ilustrações a Goida, o crítico gaúcho, que havia perguntado a respeito. Arquiteto, formado em Princeton, Stewart alonga-se, quando perguntamos se exerceu essa profissão, alguma vez: - "Não. Nunca construi qualquer prédio. Em compensação, a formação no curso de arquitetura me fez aprender a ver melhor o mundo, a observar com mais atenção as coisas que me rodeiam, a entender e estudar as arquiteturas de outros países". James Stewart, no final da entrevista, assina muitos autógrafos. Dulce Damasceno de Brito, que nos anos 50 foi correspondente dos Associados, em Hollywood, aproxima-se, com uma foto em que ela, jovem e bela aparece ao lado de Stewart, num intervalo das filmagens de "E o Sangue Semeou a Terra". Joaquim Murtinho, crítico de cinema em Manaus, onde também possui uma rede de cinemas, trouxe um presente especial para Stewart: uma rede de fibra de árvore, e um cocar dos índios Tucanus para Glória. Stewart agradece e despede-se. Sobe para o apartamento. Entre os jornalistas que o entrevistaram, todos também cinemaníacos, ficou a sensação emocionada de que haviam estado com o último dos grandes atores dos anos de ouro do mágico cinema americano. LEGENDA FOTO ACIMA À ESQUERDA - Hitch (no caixão) ensaia uma cena de "Festim Diabólico", aparecendo, também James Stewart (à direita) e Farley Granger. LEGENDA FOTO ACIMA À DIREITA - James Stewart e Raymond Burr, na seqüência final de "A Janela Indiscreta". LEGENDA FOTO CENTRAL - "Festim Diabólico", um momento único na filmografia de Hitchcook. LEGENDA FOTO ABAIXO À ESQUERDA - Stewart em "O Homem Que Sabia Demais", de 1956: um suspense notável. LEGENDA FOTO ABAIXO À DIREITA - Entre a loira e a morena: Stewart no mais teorizado filme de Hitch ("Um Corpo Que Cai").
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
18
04/11/1984

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