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Aramis

Jorginho englostorado

Leilah Assumpção é uma mulher e criativa. Modelo, atriz, bela e liberada tem levado ao palco suas idéias sobre o mundo que vive - em diferentes enfoques. Os personagens de seus textos são vigorosos, rebeldes às vezes, profundamente humanos. "Fala Baixo Se Não Eu Grito" tem sido uma de suas peças mais encenadas no Brasil nestes últimos anos e só no Paraná teve centenas de apresentações, no longo roteiro de José Maria Santos-Lala Schneider. "Roda Cor de Rosa", que valeu o Moliére, merecidamente, a extraordinária atriz Irene Ravanche, está entre os mais inteligentes textos sobre a mulher na sociedade (brasileira e machista) contemporânea - mais do que uma peça de teatro, uma verdadeira tese, corajosa e polemica como tudo que Leilah faz. Em sua obra, entretanto, "Jorginho, O Machão" é visto como um momento menor - um intermezzo sem ser lírico ou filosófico, cometido às pressas, possivelmente para atender a solicitação da amiga-atriz Maria Isabel de Lisandra, que estreou como produtora montando esta peça no Teatro do Paiol, com direção (cremos) de Antunes de Oliveira, há mais ou menos 4 anos passados. Naquela montagem Cláudio Correia e Castro compunha um tipo admirável, no rigoroso pai, e a iratiense Denise Stocklos fazia uma ponta, que valorizava ao máximo. Impossibilitado de encenar "Roda Cor Rosa", como desejava, Kraide optou por "Jorginho, O Machão (auditório Salvador de Ferrante, até domingo, 21 horas), dando assim oportunidade aos curitibanos de conhecerem esse texto. Quem acompanha a carreira de Antônio Carlos Kraider, 32 anos, 10 de teatro, sabe de sua consciência profissional, sua preocupação pelos detalhes, pelo empenho em realizar-trabalhos limpos e corretos, mesmo quando embarca em canoas (com pretensões a transatlânticos) furadas como foi a tragédia chamada "Telêmaco", de triste memória. Trabalhando com elenco pequeno e limitado recursos de produção, Kraide obtém sempre resultados dignos e isso prova, mais uma vez; com "Jorginho, O Machão". O texto, por sua própria condição, trata de pessoas chatas: o personagem-título, indeciso, rebelde, colonizado culturalmente, tentando afirmar-se sexualmente. Irrita o mais paciente dos espectadores; seu pai, machão, chauvinista, típica mentalidade de classe média interiorana; a mãe, doméstica (da) criatura, de frases feitas e limitada ao universo cozinha-quarto de dormir, além da noiva interiorana, esganiçada a partir da voz. Sem dúvida , ouvir quatro personagens como esses cansa a qualquer pessoa e assim em tom de farsa a peça arrasta-se monotonamente, propositalmente irritante. Mas com a chegada da namorada liberada, gravida e agressiva, a peça parece acordar e adquirir vida - até chegar ao final trágico, patético. As propostas de Leilah Assumpção são sérias: o condicionamento da classe média interiorana, os tabus sexuais e, principalmente, a rebeldia jovem - seguida do acomodamento natural, mesmo que imposto pelas circunstancias. Infelizmente, se tais propostas na época em que a peça foi escrita - início da dé cada - tinham validade, hoje envelheceram precocemente e, como escreveu Narciso Assumpção, double de jornalista e ator, agora crítico de teatro, há uma espécie de gumex na cabeça dos galãs. E gumex, como a glostora, há muito que deixou de ser usado. No elenco, Kraide trabalhou com interpretes esforçados, que deram o melhor de si: o veterano e respeitado Reinaldo Camargo, Silva Chamecki, a caminho da maturidade artistica, compõe bem o papel da supermãe, com alguns momentos de grande comicidade (como, quando atende os telefonemas das vizinhas) e Mara Moron está bem como a chata noiva Maria Alice. Arthur Peixoto, no difícil papel-título, procura dar o melhor de si - mas lhe falta ainda cancha. E Íris D`Aguia, como Renata, a namorada gravida, é uma surpresa e revelação: expontanea, descontraída e comunicativa. Mas quem a conhece bem, sabe que não foi difícil compor esse papel: Renata e Íris tem muito em comum. Os cenários são simples - mas falsos. A sonoplastia, do competente Luís Carlos Assad, abusa do estridente som rock, exigido pela ambientação da peça, embora incluía um delicioso chorinho como prólogo e epílogo. No mais, um esforço honesto que merece ser prestigiado por quem acompanha o nosso teatro.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
17/06/1977

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