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Aramis

Khouri, Bergman dos trópicos

Sem dúvida um dos cineastas mais vulneráveis do Brasil é o paulista Walter Hugo Khouri: toda sua obra, ao longo de 20 anos (a partir de "O Gigante de Pedra", 1956) é extremamente pessoal, elitista, fechada em indagações existenciais - que reduzem, nas críticas, a comparação (ou pastiche?) de "Bergman tupiniquim". Sem abrir mão de uma linguagem que considera toda sua, discutindo temas estranhos a um cinema dos trópicos, Khouri tem, entretanto, mantido-se fiel a uma mesma linha, hoje com uma filmografia que, entre outros aspectos, não pode ser negada em seu acabamento formal, apuro técnico, sensibilidade profissional. É fácil atacar os seus filmes: de um lado, o (grande) público que não aceita sua linguagem lenta, fria, distante. De outro, um (pequeno) público (in)formado cinematograficamente, que o acusa de repetitivo, oco, vazio, sub-Bergman e outros adjetivos. Indiferente a tudo isso, com uma curiosa tranqüilidade financeira (rara em nossa indústria cinematográfica), Khouri vai a cada ano fazendo novos filmes, cada vez mais fechados, difíceis - mas, também, onde o apuro técnico é sempre ampliado. "O Desejo" (cine Condor, até sexta-feira em exibição, 5 sessões diárias) é um novo filme de Khouri que nada de novo acrescenta as indagações de "Noite Vazia" (talvez o seu maior êxito de público), "O Corpo Ardente", "As Deusas" e "O Anjo da Noite": personagens frios, artificiais - de uma alta burguesia, com dúvidas que não chegam ao espectador médio. Vendo-se os filmes de Khouri o espectador pode até esquecer de que está no Brasil - e esta talvez seja intenção (e maior pecado, na ótica dos que exigem um cinema social e político/participante). Não me ocorre que, em qualquer de seus filmes, tenham surgido personagens com problemas financeiros, que tenha havido uma colocação real em termos sociais: são pessoas que vivem bem, geralmente em mansões ou apartamentos de luxo, requintados hábitos e condições culturais, profundamente neuróticos e conflitantes no que se relaciona ao sexo e amor. Desta mistura, sai um suco de sexo angustiado, que se, há 13 anos ("Noite Vazia", 1964) quando apenas sugeria o lesbianismo entre as personagens interpretadas por Norma Benguell e Odete Lara, hoje pode ser levado a exaustão, entre as neurotizantes Eleonora (Lilian Lemmertz), Ana (Selma Egrei) ou a ninfomaníaca Laura (Kate Hansen) de "O Desejo". Com boa vontade - e sem preconceitos - toda a obra de Khouri merece uma longa análise: coerente, numa seqüência de filme a filme, personagem a personagem, é construída com inteligência e bom senso. Só que como o personagem Marcelo (Fernando Amaral), deste "O Desejo", Walter Hugo Khouri parece ter isolado-se numa cobertura cinematográfica, onde, sem preocupações de ordem material, procura dizer - ou tentar transmitir - verdades filosóficas sobre a vida, o amor, a solidão etc. Indiferente ao que os outros possam pensar (e reagir), ele vai fazendo sua cara psicanálise, em imagens construídas com o maior aprumo estético, emoldurada ao som de sonatas de Johannes Brahms, com mulheres estranhas, frias (eventualmente sensuais, como Kate Hansen numa das seqüências de "O Desejo"), sonhando possivelmente em ser o Bergman dos trópicos - mas com toda a frieza intelectual escandinava. É importante reconhecer em Khouri os seus méritos como seria importante um amplo debate de suas idéias. Mesmo que, perante nossa realidade, seus filmes sejam alienados e falsos, não se pode (nem se deve) negar a sua honestidade de propósitos, a sua coerência em realizar uma obra tão pessoal. O artista - e ele o é, sem dúvida - propõe a sua verdade, dentro de sua visão do mundo, de sua consciência. Aceitá-lo ou negá-lo e discuti-la é que cabe ao consumidor (espectador).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
4
27/04/1977

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