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Aramis

Kuarup, uma receita de trazer a melhor música

O ex-jornalista Mário Aratanha é o exemplo do produtor-revelação nestes últimos anos. Foi durante anos um dos mais respeitados profissionais da imprensa brasileira, com longa atuação no "Jornal do Brasil", em especial. Assumindo a divulgação do Ballet Stadium - um dos grupos de dança mais importantes do país, integrou-se tanto ao seu trabalho que evoluiu para o gerenciamento de projetos artísticos, tornando-se mais do que um simples empresário artístico, um verdadeiro manager. Assim, através da sua Kuarup Produções passou a atender nomes da maior expressão da música brasileira, entre clássicos e populares. Convocado a produzir projetos especiais e álbuns-brindes, surgiu a Kuarup Discos, que, há alguns anos, ganhava uma definição sintomática da normalmente azeda e rigorosa Maria Helena Dutra, na época crítica do JB: "O mais importante trabalho cultural em disco no país". Realmente, a cada ano, o catálogo da Kuarup vem sendo enriquecido com discos do mais alto nível. Muitos deles são realizados, originalmente, como brindes para grandes empresas - só ganhando tiragens comerciais algum tempo depois de uma tiragem exclusiva aos patrocinadores. Outros registram eventos idealizados por Mário - como os encontros de Elomar, Arthur Moreira Lima, Paulo Moura e Heraldo do Monte ("Consertão", álbum duplo) ou o show de Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai ("Cantoria") ou ainda "Encontro", de Paulo Moura, Clara Sverner, Turíbio Santos e Olivia Byington. No ano passado, a Kuarup realizou projetos fundamentais como o belíssimo álbum "Brasil Instrumental", para a Caemi (Companhia Auxiliar de Empresas e Mineração), com virtuoses como João Pedro Borges, Paulinho da Viola e Cesar Faria com a "Obra para violão de Paulinho da Viola" e o "Brasil, Sax, Violão, Cello & Trombone", com Paulo Moura (clarinete/sax), Rafael Rebello (violão), Jacques Morelembau (cello) e Zé da Velha (trombone). Para a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, a Kuarup produziu uma caixa com quatro elepês em homenagem ao centenário de Villa-Lobos, com discos dedicados aos Choros, as 16 Cirandas para piano (interpretadas por Roberto Szidon), a Bachianas interpretadas por Turibio Santos (violão), o violoncelista Alceu Reis, soprano Leila Guimarães e violonista Turíbio Santos. Turíbio Santos executa em outro elepê os 12 Estudos de Villa-Lobos. Para a Burroughs/ Sperry, a Kuarup realizou outro álbum, duplo, com Turíbio Santos interpretando a obra completa para violão de Villa-Lobos. Foram produções fora de série, de alto nível, que ao lado do magnífico projeto da Método ("Villa-Lobos", interpretado por instrumentistas populares) e a caixa com dois elepês e o livro de Luiz Paulo Horta, patrocinada pela Companhia Brasileira de Projetos e Obras, vieram enriquecer a discografia de Villa-Lobos, antecipando já no ano passado os festejos do centenário de nascimento de nosso compositor maior. Outro projeto magnífico da Kuarup foi viabilizado graças ao entusiasmo do japonês Katsunori Tanaka, músico e pesquisador da MPB, que vindo ao Brasil, bancou álbuns com a Velha Guarda da Portela, Nelson Sargento ("Encanto da Paisagem") e Wilson Moreira ("Peso na Balança"), que merecerão comentário posterior. Se os álbuns produzidos para a Caemi, Burroughs & Bolsa de Valores ainda não foram comercializados, os discos produzidos por Katsunori acabam de chegar as lojas, nos dando oportunidade de ouvir os melhores sambas, ironicamente só gravados graças ao amor de um japonês por nossa música, mas que encontrou na parte de Mário Aratanha a empresa certa para sistematizar as gravações. Três outras produções da Kuarup também estão chegando as lojas agora, embora originalmente tenham sido lançadas no ano passado. Mas é que devido à crise do vinil, tiveram suas primeiras tiragens esgotadas já no eixo Rio-São Paulo. Tratam-se dos elepês de Xangai cantando cantigas, incelenças, puxuxias e tiranas de Elomar (que será devidamente registrado em próxima edição) e o álbum do pianista João Carlos Assis Brasil (com a participação especial de Wagner Tiso) - aqui já registrado há algum tempo - além do esplêndido "Gafieira Etc. e Tal", com o saxofonista e clarinetista Paulo Moura. O múltiplo Moura Paulo Moura, paulista de Rio Preto, 55 anos a serem completados no próximo dia 15 de julho - é o exemplo do instrumentista múltiplo e talentoso. Filho de um mestre-de-banda, clarinetista e carpinteiro Pedro Moura, junto com os irmãos músicos - José e Alberico, trompetistas, e Valdemar, trombonista, começou a aprender piano aos 9 anos e 4 anos depois já tocava em festas e bailes que o conjunto de seu pai animava. Foi aprendiz de alfaiate e mudou-se para o Rio com a família, fazendo curso científico, enquanto os irmãos mais velhos viviam de música, tocando em orquestras, no Cassino da Urca e nos shows de Carlos Machado. Iniciou-se como músico profissional em gafieiras dos subúrbios cariocas e nos cafés da Praça Tiradentes, entrando em 1951 para a orquestra de Osvaldo Borba, atuando depois com Zacaria em sua orquestra. A partir de então nunca mais parou: fez parte de inúmeras formações musicais, participou de gravações, viajou várias vezes ao Exterior e, em 1959, entrou como clarinetista para a Sinfônica do Teatro Municipal. Diversificando suas atividades desde a música de gafieira ao clássico, sem preconceitos e competente em todas as formações, Moura também foi sempre um extraordinário músico de Jazz. Sua discografia é imensa e, igualmente, variada - não só os álbuns em que é solista, como as centenas de gravações nas quais tem participado. Nos últimos anos, dividiu dois álbuns e vários concertos com a pianista Clara Sverner e, este ano, junto ao pianista Arthur Moreira Lima, violonista Rafael Rebello e percussionista Chacal integrou-se ao show do cantor Ney Matogrosso, com quem esteve recentemente no Guaíra (aliás, aqui fez as últimas apresentações nesta formação, já que deixou o conjunto que acompanha Matogrosso em sua excursão ao nordeste). Depois de "Consertão" e do "Mistura e Manda", seu elepê-solo, na mesma Kuarup, há dois anos, Paulo gravou o esplêndido "Gafieira Etc. e Tal", cujo clima nos remete ao mesmo espírito de outra de suas antolo[gias]. O clima deste "Gafieira Etc. e Tal" é de total descontração, com Paulo tocando a vontade, com amigos que com ele se identificam como Zé da Velha (João Alberto Rodrigues, RJ, 4/4/1942, trombonista), Jorge Degas (baixo solo), Alexis Olinto (trompete), Zezinho Moura (piano/ teclados), Zelu (baixo), Jorjão (bateria), Jovi e Quiabinho (percussões), Aranha (cavaquinho, violão, percussões), Zeca da Cuica e Jorginho do Pandeiro. Uma surpresa agradável é a participação da cantora Marilu Moreno, enriquecendo a faixa "Nada Além" (Custódio de Mesquita/ Mário Lago). Uma afinada secção de cordas, regida por Paulo Moura, foi convocada para "Rio Negro" (sua parceria com Jorge Degas) e a longa faixa final, ao longo de quase 15 minutos, nas quais integra temas próprios ("Fibra") e de amigos como José Mauricio de Paula ("Magia do Samba"), Carlos Brito ("Jogada") e Christopher ("Magia do Samba"). Um disco de autor, com trabalhos recentes, o álbum abre com "Diálogo" (ecumenicamente subintitulado "Para a Paz Mundial"), parceria com Alex (Meireles) e prossegue com "Ao Velho Pedro", um tema instrumentalmente muito bem desenvolvido. Outro emocionante momento é "Alma Brasileira" (Zeca Freitas). Na discografia instrumental, este "Gafieira Etc. e Tal" é um álbum marcante, confirmando mais uma vez o talento e segurança do grande Paulo Moura.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
7
28/06/1987

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