Login do usuário

Aramis

Livro

José Ramos Tinhorão, jornalista e pesquisador, não está, sem dúvida, entre os homens mais amados pelos compositores e intérpretes da música popular. Mesmo seus amigos, como Sérgio Cabral, não lhe perdoam o seu radicalismo, que o faz ser uma espécie de Zeus no olimpo de sua coluna do "Jornal do Brasil", atirando raios sobre 98% do que é editado no Brasil. Mas seria injusto negar ao nacionalista Tinhorão os seus méritos de pesquisador esforçado e organizado que, nos últimos 10 anos, vem publicando uma obra da maior importância documental. Tinhorão é um homem extremado em favor da MPB autêntica. Numa época em que a música estrangeira invade o Brasil de todas as formas, principalmente no que há de mais comercial e medíocre, sua posição é válida. Pena que seja tão radical e, com isso, condene compositores populares modernos, preferindo valorizar então artistas sertanejos, para ele os que ainda não estão) comprometidos (em alguns casos, frise-se) com a máquina do sucesso. Respeitamos e admiramos as posições de Tinhorão, ainda mais como pesquisador, cuja ausência foi lamentável no I Encontro de estudiosos de nossa MPB, que aqui realizamos em fevereiro do ano passado. Mas afinal, estava na Europa e sua presença fica prometida para a segunda reunião. Independente de suas azedas críticas, onde os elogios são raros (8e por isso mesmo importantes), Tinhorão continua a publicar os resultados de suas pesquisas. Após um ensaio literário ("A Província e o Naturalismo", Editora Civilização Brasileira, 1966), Tinhorão começou a reunir em livros uma série de teses incendiárias: "Música Popular - Um Tema Em Debate" (1966) e "O Samba Agora Vai... A Farsa da Música Popular no Exterior (1969), colocaram muita lenha na fogueira dos debates. A partir, de 1972, voltou-se para os aspectos históricos, editando "Música Popular/ Teatro e Cinema" e "Música Popular/ De Índios, Negros e Mestiços", e "Pequena História da Música Popular - Da Modinha à Canção de Protesto", os três lançados pela Editora Vozes. Agora, criando sua própria Editora Tinhorão lança um novo e importante trabalho de documentação: Os Sons Que Vêm da Rua". Talvez de todas as suas indiscutíveis contribuições a memória musical brasileira, esta seja a obra com características mais originais, ao estudar a música dos cantores de serenatas, bares, pregões, realejos, bandas, cafés-cantantes, circos e pavilhões, gafieiras e forrós. E, mais do que nunca, sente-se a formação de sociólogo, preocupado com a cultura popular, que faz do ensaísta Tinhorão, um autor a merecer todo o respeito - mesmo de seus figadais inimigos, que não perdoam suas críticas jornalísticas - duras e radicais, mas muitas vezes justas. O próprio Tinhorão, na nota de apresentação do livro afirma que seu livro constitui uma primeira tentativa de levantamento de notícias sobre sons e vozes que, produzidos por gente das camadas populares das cidades, quase sempre passam em branco pela História e desaparecem sem registro. E, modestamente, o pesquisador lembra que, como toda obra pioneira, este seu "Os Sons que Vêm das Ruas" não tem a pretensão de esgotar os temas abordados, "mas se oferece a futurosos estudiosos da vida e da cultura popular urbana brasileira como um ponto de partida e uma sugestão de caminhos. Neste sentido, o autor se sentiria recompensado, se o seu livro servisse a comprovação da importância e riqueza da silenciosa evolução cultural da gente das cidades, levando historiadores, sociólogos e especialistas em antropologia cultural a empreender uma arrancada no sentido de fixar, enquanto é tempo, dezenas de outros aspectos da vida popular urbana em processo de transformação ou de desaparecimento. Porque, não há dúvida, esta será uma divida que o futuro cobrará aos estudiosos do presente". No encerramento de sua nota, Tinhorão não esconde um certo amargor, mas que traduz também uma grande independência, que lhe permite tomar as posições corajosas e agressivas que sempre o caracterizaram: "Para a realização do atual trabalho, o autor não contou com qualquer ajuda oficial ou particular, mas se valeu sempre de bibliografia e documentação reunia, a duras penas, após mais de quinze anos de esforço pessoal de pesquisa, o que lhe permitiu a formação de um arquivo, hoje nada desprezível, sobre cultura popular. Finalmente - e rendendo-se à dura realidade da situação atual do estudioso de assuntos brasileiros no Brasil - após mais de dois anos de concluído seu trabalho, o autor para vê-lo publicado, torna-se agora também o seu próprio editor".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música
31
11/07/1976

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br