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Aramis

A Máfia, com pitadas de humor, ironia e religião

Uma história estimulante: "Ritual de Sangue" (Lido II, 5 sessões), chegando sem qualquer promoção (Curitiba está entre as primeiras capitais na qual a UIP lança esta produção de sua safra 1988) é surpreendente. Revela um novo diretor (Donald P. Belisario), vindo da televisão, confirma que Tom Berenger é, entre a nova geração de galãs, um dos que tem maior embasamento dramático (não foi sem razão que por "Platoon" mereceu uma indicação ao Oscar de coadjuvante-1986, perdendo para Michael Caine por "Hannah e suas Irmãs") e praticamente revela um elenco de intérpretes ainda desconhecidos, mas com ótimas figurações, a começar pelas belas Daphne Zuniga e Anne Twomey. Como se tudo isto não bastasse, o roteiro (do próprio Belisario) é enxuto, inteligente e a trilha sonora de Bruce Broughton vai dos temas eruditos (dando até a impressão de serem citações) a momentos da música-tensa, nervosa - como sabia tão bem fazer o mestre Bernard Hermann. Enfim, "Last Rituals" vai muito além do que se poderia esperar de (mais) um filme em torno da Máfia. Claro que há elementos que remetem o cinéfilo mais (in)formado a outros títulos - que podem ir desde o clássico "A Tortura do Silêncio" (I Confess) 1952, de Alfred Hitchcook (1889-1980) ao recente "A Honra do Poderoso Prizzi" (Prizzi's Honor, 1985), de John Huston (1906-1987), mas, sem em momento algum, cair na cópia ou na citação gratuita. Ao contrário, trabalhando com uma temática que tem sido extremamente dissecada no cinema - a Máfia, suas relações de poder e "familiares" - Belisario construiu um thrilling instigante, tenso - no qual sem desprezar o bom humor e a ironia - consegue incluir elementos de religião e mesmo de cinismo, para um final inesperado. Tudo isto faz com que o espectador que vai assistir ao filme - aparentemente sem maiores atrações (Berenger, o mais conhecido nome é ainda um sucesso de bilheteria no Brasil) saia da sala de exibições com um sorriso de satisfação. xxx Da primeira seqüência, na qual a imperturbavelmente bela, fria e decidida Zena Pace (Anne Vennera) entra num hotel 5 estrelas na Quinta Avenida em Nova Iorque, encontra-se com dois mafiosos e, a seguir, atira em seu infiel marido, Geno (Roberto Cobro) - primeiro em seus órgãos genitais, depois na cabeça - enquanto a amante, Angela (Daphne Zuniga) se esconde no banheiro, o filme tem a marca de um roteiro preciso. O crime envolve várias facetas - mas é a família, com as relações do mafioso assassinado com dois amigos de muitos anos, o padre Michael (Tom Berenger) e seu ex-companheiro de seminário, hoje policial, Nuzo (Chick Vennera) que conduz a toda trama, que só vai se desfiando nas seqüências finais. A confissão de Angela ao Padre Michael, na Catedral de St. Patrick - em plena Quinta Avenida, cenário de muitas seqüências (e que já apareceu em dezenas de filmes) leva a envolver-se, pessoalmente, na trama - e estabelecer uma relação amorosa, levantando o lado mais dramático da questão: as suas relações entre a família, a paixão incestuosa pela irmã Zena (causa de seu recolhimento à vida religiosa) e a um final em que o sentido da "família", nas suas regras mafiosas (ou religiosas?) ultrapassa o comportamento ético. As fronteiras entre a religião, o sexo e o crime fariam de "Ritual de Sangue" um filme capaz de cair no índex da Igreja tradicional, se ainda houvesse aquela preocupação que marcava um organismo específico do Vaticano para vistoriar os filmes de seu lado moral. Hoje, depois de "escândalos" como de "Je Vous Salue Marie" (Godard) ou Martin Scorcese ("A Última Tentação de Cristo"), não seria uma produção "menor", que passa praticamente despercebidamente como este "Last Rituals", que iria ganhar uma promoção extra com uma intervenção da Igreja. Admirável em Donald Belisario (de cuja biografia sabe-se apenas que se formou em jornalismo e após comerciais e roteiros na TV, dirigiu alguns episódios da seria "Kojak"), revela na condução dos personagens, sabendo - ao menos em algumas seqüências (como as da confissão na Catedral de St. Patrick) utilizar um humor fino e comunicativo. Anne Twomey, propositalmente ou não, lembra tanto fisicamente como na personagem, a Maerose Prizzi que Angelica Huston criou em "A Honra do Poderoso Prizzi". Daphne Zuniga, com seu tipo mignon, extremamente sensual, até agora ainda não havia sido devidamente observada - embora tenha participado de uma comédia de Mel Brooks ("S.O.S. - Tem um Louco no Espaço") e de "A Coisa Certa", que passou despercebidamente. Personagens menores - mas importantes - como os mafiosos Carlo Pacce (Dane Clark), e o "Tio" (Vassili Lambrinos), além do padre Freddie (Paulo Dooley), compõem figuras marcantes. Isto acontece justamente por existir um bom roteiro, ação rápida que aproveita muitos cenários exteriores (Nova Iorque, México, etc.) e aquele ritmo que tanta falta faz no cinema moderno. Muito mais do que um simples produto comercial, entre tantos que chegam via UIP, "Ritual de Sangue" é agradabilíssimo, irônico e inteligente. LEGENDA FOTO - Tom Berenger em "Ritual de Sangue": um filme surpreendente sobre a Máfia. Em exibição no Lido II.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
25/07/1989

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