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Maria Rita, o canto que o Brasil precisa ouvir

Cada vez que a Dell'Art traz a Curitiba um grande espetáculo como a Orquestra Filarmônica de Moscou - último domingo, no Guaíra, nos bastidores, eletricamente eficiente, está uma jovem capaz de resolver qualquer problema de última hora. Ela é Maria Rita Stumpf, gaúcha de São Francisco de Paula, 33 anos, que hoje é, com razão, o braço direito de Miriam Dauelsberg. Só que por trás da coordenadora geral de produção que há mais de 5 anos trabalha com a Dell'Art, está um dos grandes - e até agora imerecidamente, desconhecidos - talentos da música brasileira. Não tenho dúvidas de que é possível que, a exemplo de outras brasileiras que tiveram o reconhecimento no Exterior, para só depois (re)tornarem ao Brasil - Flora Purim, Tânia Maria, Eliana Elias, Nazaré Pereira, etc. - Maria Rita tem condições de ser melhor valorizada por ouvidos e críticas internacionais, do que pelos brasileiros - que, até agora, com raras exceções, souberam se deter em sua voz, suas músicas, sua incrível brasilidade. Com um belíssimo álbum ("Maria Rita", Acorde), lançado em fins de 1988, mas que só passou a ter alguma circulação a partir do ano passado, Maria Rita tem um diferencial na música que se faz hoje no Brasil. Há seis anos, no II Musicanto, em Santa Rosa, Rio Grande do Sul, quando "Kamaiurá" - o terceiro de seus seis "Cânticos Brasileiros" - foi o grande vencedor, começamos a admirar Rita. Identificada com movimentos em favor do índio, voltando-se a uma temática própria - mas sem demagogia, já vinha estudando e trabalhando há tempos, mas competindo num festival nativista (e basicamente machista), sua vitória foi surpreendente. Apesar de ter a canção incluída no elepê com as finalistas daquele Festival - e, por outras vezes, ter voltado a eventos nativistas - Maria Rita acabaria por deixar o Rio Grande do Sul. No Rio de Janeiro, sua musicalidade, garra e entusiasmo impressionaram a Luisinho Eça, que, rigoroso na admissão de alunos, fez questão de admiti-la como discípula, lhe passando uma formação teórica - mas sem interferir em suas raízes, de tamanha pureza e originalidade. E quando Rita, com suadas economias, de seu trabalho como agenciadora cultural, começou a gravar a fita de seu primeiro álbum, Luisinho Eça, sem nada cobrar, associou-se ao projeto. O grupo Uakti, de Belo Horizonte, que trabalha com instrumentos da maior simplicidade, numa linguagem originalíssima, também trouxe seu apoio e o tecladista Ricardo Bordini, 32 anos, gaúcho, fez arranjos de várias faixas. A produção independente só pode ser concluída quando Enéas Messias Ribeiro, editor, empresário gráfico e entrando na área musical, através da Acorde, se entusiasmou com o trabalho de Rita e bancou a edição do álbum - com capa dupla, papel de melhor qualidade, excelente apresentação. Infelizmente, devido a seus compromissos junto a Dell'Art, "e a batalha para sobreviver", Maria Rita, que tanto trabalha na promoção musical de outros artistas, não tem podido cuidar, como gostaria, de sua carreira: em abril do ano passado fez uma curta temporada no Mistura Fina, no Rio. Sua temporada em São Paulo teve boas críticas ("Jornal da Tarde", "Isto É", etc.), mas não o suficiente para torná-la ainda conhecida. Pensando em desenvolver um trabalho de voz-teclados-percussão, com José Roberto Betrami (ex-Azimuth) e Laudir de Oliveira (ex-Chicago, percussionista de larga experiência internacional), Maria Rita só lamenta que dificilmente poderá convidar Luisinho Eça, seu amigo e mestre, para mostrar ao vivo o som que gravaram no disco: o extraordinário pianista, compositor e arranjador, um dos nomes mais significativos da Bossa Nova, está na UTI, gravemente doente. xxx Inexistindo nas lojas de Curitiba, o álbum de Maria Rita - que pode lhe valer o prêmio de revelação na promoção da Sharp-1990 - está sendo vendido pelo reembolso postal (Avenida Rio Branco, 45, conjunto 1905, centro, Rio de Janeiro, CEP 20090, fone (021) 263-6293). Um disco tão original que um disc-jockey americano, amigo do produtor Mário de Aratanha (Kuarup Edições), levou um exemplar para Nova Iorque, programou-o numa audição e recebeu tantos telefonemas que teve que repeti-lo por várias vezes. Brasileiríssima, Rita busca temas indígenas em seus Cânticos Brasileiros - três deles aqui gravados; musicou dois dos mais belos poemas de Mário Quintana - as canções de Garoa e do Bando e de Olvídio, reverencia, como boa gaúcha, Lupicinio Rodrigues (1914-1974) com uma releitura de "Felicidade" e indo buscar um canto tradicional angolano, "Lamento Africano", funde com seu "Rictus". O jornalista Mauro Dias, de "O Globo", um dos primeiros a se ligar ao som de Maria Rita, acentuou que ela, "entre o folclore, sem o folclorismo, e o urbano, sem o ranço cotidiano que no mais das vezes escorrega para o óbvio, constrói com solidez a obra lúcida de cantora e compositora madura, sólida, a outro tempo embriagada pelo prazer da beleza, criança na busca do novo". Compositora e letrista - "Retalhos", "Trilhas", "A Cidade" e "Melodia de Veludo", além da vinheta "O Amor", são outros momentos belíssimos. Maria Rita é, enfim, uma presença de forte vigor e talento na MPB - que precisa, urgentemente, ser descoberta. Antes que isto aconteça no Exterior, em mais uma prova de que nossos ouvidos não são tão limpos para o novo, como deveriam.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
18/04/1990

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