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Aramis

As muitas releituras de Villa-Lobos

A perenidade de Heitor Villa-Lobos, cujo centenário de nascimento (Rio de Janeiro, 5 de março de 1887) já começa a merecer programações antecipadas, se faz sentir nas múltiplas revisões de sua obra. Quatro excelentes LPs, cada um à sua maneira, mostram a grandiosidade da música desse compositor falecido há 27 anos (17/11/1959) e que deixou uma obra imensa, perpetuada no Museu com o seu nome - até o ano passado dirigido por sua viúva, dona Mindinha, uma das perdas de 1985. Cláudia Savaget, uma das mais bonitas vozes de nossa MPB, num lp camerístico, realizado com extremo bom gosto em produção dividida com o maestro Nelson de Macedo e seu marido, o violonista Luiz Otávio Braga, incluiu a belíssima "Canção de Amor", tema de Villa-Lobos para o qual a diplomata Dora Vasconcelos fez a letra. Em sua voz terna e única, acompanhada apenas ao violão por Luiz Otávio, Claudinha deu à "Canção de Amor" uma interpretação suave, abrindo este lp de produção independente (pedidos à Rua 19 de Fevereiro, 157, Botafogo, RJ), no qual homenageou também os 80 anos de outro gênio de nossa música - Radamés Gnattali, que no último dia 27 de janeiro completou seus 80 anos. Com a participação ao piano de Radamés, Cláudia interpreta duas de suas composições - "Amargura" (parceria com Alberto Ribeiro) e a "Canção", que ganhou letra do poeta Manuel Bandeira. Amigo e admirador da voz de Cláudia Savaget - uma esplêndida cantora, já em seu quarto lp, mas ainda pouco conhecida do público - Gnattali participou também de duas outras faixas: "Teu Sorriso" (Nelson de Macedo/ Cesar Sant'Anna) e "Dentro da Noite" (Lorenzo Fernadez; Osório Dutra). Mas o disco de Claudinha não tem apenas Villa-Lobos e Radamés: no lado B, mostrando uma extraordinária versatilidade, gravou antológicas músicas de Valzinho/ Marcelo Machado ("Viver Sem Ninguém"), Nelson Sargento ("Por Deus, Por Favor"), Tom/ Chico ("Eu te Amo"), uma inédita de Cartola ("O que é Feito de Você") e, com a participação de um quarteto de cordas, em arranjo de Nelson de Macedo, uma nova leitura do "Acalanto" (Caymmi). Revisitando Villa Hoje o mais internacional do instrumentistas contemporâneos brasileiros, Egberto Gismonti, 40 anos, decidiu, pela primeira vez, fazer todo um disco com obras de um outro autor. Compositor e instrumentista múltiplo, renovador a cada momento e com uma carreira espalhada em discos feitos na Europa, Estados Unidos e Brasil, com uma agenda internacional das mais ocupadas, Gismonti deu um tempo em 1985 para reestudar Villa-Lobos. E num trabalho extremamente respeitoso - mas ao mesmo tempo renovador - realizou "Trem Caipira" (EMI/ Odeon), com toda justiça incluído entre os melhores lps instrumentais do ano. Pela importância dessa proposta de dar nova dimensão a oito temas de Villa-Lobos, Gismonti se dispôs a deixar a tranqüilidade de seu estúdio-refúgio no Jardim Botânico, RJ (onde tem produzido excelentes LPs pela Carmos, com novos e antigos talentos) e saiu Brasil afora, divulgando o disco. Um disco de tamanha riqueza e inovação mas, ao mesmo tempo extremamente correto na preservação do espírito musical de Villa-Lobos, que desde seu lançamento, há 3 meses, vem merecendo longas apreciações e ampla cobertura, especialmente com as entrevistas de Gismonti. Basicamente de teclados - mas tendo participações especiais (entre outros, Nivaldo Ornelas no sax soprano; Jaques Morelembaum no violoncelo), "O Trenzinho do Caipira" (obra que tem várias letras, mas oficialmente reconhecida é a do poeta Ferreira Gullar) ocupa 8h30 min e abre com toda a criação de uma quase sonoplastia que envolve o ouvinte no clima e topografia da obra descritiva de Villa. Em seguida temos "Dança" (movimento da "Bachiana nº 4), a "Bachiana nº 5" e "Desejo" (letrada por Guilherme de Almeida) completam o lado um. No lado dois, quatro outros temas: "Cantiga", ao longo de sete minutos; "Canção do Carreiro" (lerada por Ribeiro Couto), "Prelúdio" e "Pobre Cega" (letrada por Álvaro Moreira), ambas com 5'28" cada uma. Villa-Lobos na interpretação de Egberto Gismonti se constitui naquela categoria especial de discos que exigem múltiplas audições e justificam muitas interpretações. Gismonti e Villa, brasileiros que internacionalizaram seus talentos, num encontro especial e que merece ter uma edição em laser, tão logo a tecnologia do [Laser] Disc chegue industrialmente ao Brasil. Solo & Sinfônico Depois do vocal de Claudinha Savaget e da viagem intemporal nos teclados de Gismonti, Villa-Lobos em interpretações mais tradicionais: as peças do "Ciclo Brasileiro", escritas entre 1936-37, foram gravadas pelo pianista Cláudio Richerme, num lp independente produzido pela Faculdade de Música Carlos Gomes/ Con Anima (Rua do Patrocínio, 400, sala 3 - Itu, São Paulo, C.P. 500). Recitalista já com carreira internacional, paulista de São João da Boa Vista, Richerme interpreta além dos quatro momentos do "Ciclo Brasileiro" (Plantio do Caboclo, Festa do Sertão, Impressões Seresteiras e Dança do Índio Branco), mais quatro outros belos momentos de Villa: "Alma Brasileira" (choro nº 5) e "Na Corda da Viola", "Manquinha" e "A Maré Encheu", do Guia Prático. Complementando o disco, o movimento grande fantasia triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro, de Louis Moreau Gottschalk (1829-1869). Para complementar esta visão de várias leituras de Villa-Lobos temos agora em lançamento da Philips, a Sinfônica Brasileira, regida por Isaac Karabtchewsky, com o lado A dedicado aos "Choros" nº 6. Dos "14 Choros" de Villa, alguns são obras sinfônicas de grandes proporções como é o caso deste Choros nº 6, datada de 1926, com um profundo sentimento nacionalista. Escrita para grande orquestra, a partitura reflete, segundo o próprio autor, "o clima, a cor, a temperatura, a luz, os pios dos pássaros, o perfume do capim melado entre as capoeiras. Todos os elementos da natureza do sertão serviram de motivos de inspiração da obra, que no entanto não apresenta nenhum aspecto objetivo, nem sabor descritivo". Além dessa obra marcante - uma das mais representativas de Villa Lobos - a gravação da OSB traz duas outras peças marcantes: o "Museu da Inconfidência", de 1972, composta por Cesar Guerra-Peixe (Petrópolis, 1914), resumindo quatro sugestões de uma visita ao Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. Por último, em 13 minutos, "Mosaico", um dos mais conhecidos temas de Marlos Nobre (Recife, 1939), hoje o compositor contemporâneo brasileiro de maior prestígio internacional e que já tem sido comparado, por sua obra extremamente nacional - mas numa linguagem mundial - como um novo Villa-Lobos. Aliás, como presidente do Conselho Internacional de Música, da Unesco, Marlos já conseguiu uma importante vitória: 1987 será considerado como o Ano Mundial Villa-Lobos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
19
09/02/1986

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