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Aramis

Na irreverência, um hino para a amizade

O sucesso que "Quinteto Irreverente" está encontrando em sua reapresentação no Cine Luz (4ª semana) confirma a falta que fazem comédias inteligentes, satíricas - como os italianos tão bem produziam por tantas décadas. Trata-se, na verdade, de uma continuação que ficou melhor do que a original. Em 1974, pouco antes de morrer, aos 60 anos, Pietro Germi, havia concluído o roteiro de "Amici Miei", crônica irreverente sobre cinco amigos, com espírito brincalhão e que vivendo em Florença, envolvem-se em muitas trapalhadas. Uma espécie de "I Viteloni" às avessas, partindo daquele clássico que Fellini realizou em 1953 - seu segundo longa-metragem, aliás. Com a morte de Germi, seu amigo, Mario Monicelli, 71 anos, retomou o projeto e realizou "Caros Amigos", que se tornou um campeão de rendas na Itália. No Brasil, "Amici Miei" teve um lançamento obscuro em São Paulo e só após a vinda da continuação - "Quinteto Irreverente" estreou antes de "Caros Amigos" - ambos exibidos no Cine Ritz. Agora, com o sucesso que "Quinteto Irreverente" volta a obter, Francisco Alves dos Santos, por certo, deverá programar novamente esta primeira parte - que se não é indispensável para o entendimento da continuação, torna ainda mais fascinante a sua visão. xxx Rubens Ewald Filho, possivelmente o jornalista da área de cinema com maior carga de informações, observou num comentário ("O Estado de S. Paulo", 3/1/85), que para fazer "Quinteto Irreverente" havia um problema: um dos personagens centrais de "Caros Amigos", Perozzi (Philippe Noiret), morria no final daquele filme. A solução foi criar uma estrutura em flash-back. Assim "Quinteto Irreverente" começa no cemitério onde os quatro amigos - o conde falido (Ugo Tognazzi), o médico (Adolfo Celi), o dono do restaurante (Renzo Mortagnani) e o solteirão (Gastore Maschin) vão visitar o túmulo do falecido. Logo depois de fazererem uma brincadeira com um viúvo - numa piada genial e que já faz a platéia gargalhar - recordam-se de algumas façanhas do grupo. O filme ficou estruturado, assim, em dois longos flash-backs onde continua a ser parte integral um fato: a indiscutível amizade que liga os cinco heróis. "Quinteto Irreverente" é - como já havia sido "Caros Amigos" - um hino à amizade. Mostra antes de tudo como a vida é difícil de ser levada a sério e assim é fundamental a presença dos amigos. Dos bons, fiéis amigos. Tudo com muito - mas muito - mesmo senso de humor. Analiticamente, os heróis (ou anti-heróis) podem ser acusados de crianças grandes e se enquadrariam na "síndrome de Peter Pan". Mas - e isto Rubens Ewald tão bem salientou - o importante é que sua ação é sempre uma lição de vida. Por vezes são muito maldosas. O conde, por exemplo, não tem escrúpulos em enganar uma malabarista e ter um caso com ela. Só que em vez de suicidar-se prefere fugir. Os amigos se encarregam da maldade suprema de mandá-la embora dentro de uma mala. Mario Monicelli consegue contar as aventuras do quinteto de uma forma leve. Como acontece quando bons contadores de estórias reúnem-se num aperitivo, machista é verdade, para passarem momentos divertidos. Não foi sem razão que Nireu Teixeira, double de jornalista e um dos melhores cronistas do quotidiano desta Curitiba, mesmo tendo deixado há muito de acompanhar a programação cinematográfica, se entusiasmou com "Quinteto Irreverente": o filme tem o ritmo e a alegria que Nireu coloca em suas crônicas - na qual fala de amigos e companheiros (claro que não tão irreverentes quanto a turma de Monicelli). Aliás, não custa aqui cobrar: há muito que as estórias deliciosas de Nireu já deveriam estar reunidas em livro. Sergio Mercer, hoje um tranqüilo publicitário, com ótimas relações, bem que poderia fazer com as estórias de Nireu, o mesmo que fez - quando na presidência da Fundação Cultural - com as crônicas que Renato Muniz Ribas publicou nos verdes anos da Tribuna do Paraná (1957/61), na coluna "Ecos da Noite": dar perenidade em forma de livro. xxx Voltemos a "Amici Miei - Atto II". O riso é a sua grande arma corrosiva. E o tom de comédia que marca este flime é ainda mais admirável quando se examina a filmografia de Monicelli, um dos melhores diretores italianos dos anos 50/60, no qual o riso nunca impediu que houvesse também tratamento de temas sérios - a exemplo do que faziam outros mestres do cinema peninsular, como Vittorio De Sica (1902-1974) ou Dino Risi, 68 anos - este último, infelizmente, já aposentado. Monicelli foi, por exemplo, quem fez uma sátira inteligentíssima a "Rififi" (o clássico policial de Jules Dassin, 1954) com o título de "Os Eternos Desconhecidos" (I Soliti Ignoti, 58), mas meses depois faria um emocionante drama antibelicista ("A Grande Guerra") e, em 1961, um dos filmes mais sociais produzidos na Europa - "Os Companheiros" (I Compagni). Claro que, seria, entretanto, na comédia satírica que teria seus melhores momentos - como no clássico "O Incrível Exército Brancaleone" (65, com uma seqüência, "Brancaleone nas Cruzadas", 5 anos depois). A maneira irreverente de Monicelli faz com que seus filmes fascinem o público e tenham reconhecimento da crítica. Como disse outro crítico, Leon Kakoff, ele tem a magia de brincar com as platéias e tirá-las do sério pelo tempo que bem quer. Um elenco esplêndido, gags das mais inteligentes - contribuem para fazer de "Quinteto Irreverente" muito mais do que uma simples reprise. E o programa de melhor humor neste quente mês de janeiro. xxx Uma dica especial: hoje à meia-noite e amanhã, às 10 horas da manhã, um belíssimo filme de John Boorman em reprise no Groff - "Excalibur". Uma oportunidade de conhecer (ou rever) um filme do diretor do belo "A Floresta das Esmeraldas" (São João, 20/22 horas), que comentaremos na próxima semana.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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18/01/1986

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