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Na miséria das imagens, a esperança de São Paulo

Rio de Janeiro - Durante alguns anos, especialmente na década de 70, os dois principais festivais competitivos do cinema brasileiro - Brasília (criado em 1968) e Gramado (a partir de 73) - representavam um campo de batalhas visuais entre o cinema paulista X carioca. Numa época em que a produção nacional chegou a ultrapassar mais de cem títulos/ano, os realizadores dos dois Estados levavam até para o esforço físico as acirradas disputas de festivais em alta voltagem, muita badalação e euforia. Nos últimos anos, com o enfraquecimento aidético do cinema tupiniquim, não só produções de outros Estados passaram a ser tratados com simpatia como a antiga disputa dos dois centros arrefeceu-se por uma razão óbvia: faltou munição. Hoje, irmanados na miséria nacional nas atividades culturais, agravada nos últimos três anos e que ficou na total orfandade oficial em 16 de março, quando a Embrafilme/Fundação Nacional do Cinema foram extintas, desaparece qualquer rivalidade. Afinal, os estertores da produção, com filmes iniciados há até cinco anos e só agora concluídos ("O Beijo", de Walter Rogério; "Natal da Portela", de Paulo C. Sarraceni), acolhidos nos fetivais deste ano (Gramado, Natal, Brasília e agora RioCine), cujas dificuldades na falta de produções inéditas já era prevista há dois anos. Mas com muita boa vontade, repetindo-se filmes em todos festivais, afinal ainda se realizaram estas tentativas de mostrar que o cinema nacional resiste. Mas para 1991, o campo é desértico. Atualmente, excluindo-se produções absolutamente comerciais (Xuxa, Renato Aragão etc.) há apenas três filmes em produção no Brasil, todos bancados com recursos próprios de mecenas ou de seus realizadores. No Rio de Janeiro, o estreante Ricardo Miranda está rodando "Assim na Terra como na Tela", enquanto José Joffily Filho, tendo colocado no Freezer os planos de uma produção com atrativos internacionais - "Morte na Ullem Comapny", baseado no livro homônimo de seu pai, o historiador José Joffily, 72 anos, presidente da Heritécnica, em Londrina, partiu para uma produção econômica. Explicou: - Eu e o Sérgio Rezende decidimos fazer estórias e projetos para dias de crise. O primeiro resultado é "Sampuxu - O Olho da América". Produção modestíssima - custo ao redor de US$ 250 mil -, rodado em 16mm, é um thrilling que promete, pois Joffily é considerado um dos melhores roteiristas do cinema brasileiro e teve uma promissora estréia no longa "Urubus e Papagaios". No elenco estão nomes conhecidos como Patrícia Pillar (lançada em "Pobre Menina Rica", esposa do compositor-cantor Zé Renato), Felipe Camargo, Rubens Bontempo (uma das revelações do cinema e televisão nos últimos 2 anos), o veterano Sérgio Britto, o travesti Rogéria e Carlos Gregório. No mesmo esquema, Sérgio Rezende pretende realizar o seu filme, "Um Certo Desejo". Também arquivou uma idéia antiga: um novo mergulho na história recente brasileira, centrando a ação em Gregório Fortunato (1917-1962), o "anjo negro" da guarda pessoal de GetúlioVargas e que tramou o atentado a Carlos Lacerda, em agosto de 1954. Panorama Paulista - Em São Paulo, o panorama também foi desolador este ano. Denoy de Oliveira, 53 anos, ex-presidente da Associação Paulista de Cinema, e que só conseguiu neste ano auxiliar seu irmão Rui Oliveira no filme de animação "Cristo Procurado" (um dos curtas mais aplaudidos na mostra competitiva deste RioCine), em sua condição de líder atuante da cinematografia paulista, comenta: - "O único filme rodado - e agora em fase de pré-finalização - foi "Sua Excelência o Candidato", do montador Ricardo Pinto e Silva. Com um elenco reunindo Renato Borghi, Cláudio Mamberti, Lucinha Lins, Iara Jamra, Renata Consorte e até o roqueiro Supla, este filme só foi viável porque a rica família de Ricardo - os Pinto e Silva - bancaram a produção". Denoy de Oliveira, autor de obras marcadas como "Sete Dias de Agonia/O Encalhe" (baseado no conto do londrinense Domingos Pellegrini) e "O Baiano Fantasma", vê, entretanto, luz no fundo do túnel acendida pela Secretaria de Cultura - a estadual, ocupada pelo jornalista Fernando Morais; e a municipal, ocupada por Marilena Chaui. Roteiro de filmes foram escolhidos no concurso para co-financiamento (US$ 200 mil cada) por parte do governo do Estado: "Sábado", de Ugo Giorgetti, sobre as filmagens de um comercial num velho prédio; "A Causa Secreta", o terceiro longa do paranaense Sérgio Bianchi, baseado livremente em conto de Machado de Assis; uma comédia de Djalma Limongi Batista inspirada em Bocagge; a história de um industrial no filme e André Klotzel; uma história fantástica envolvendo um cantor de rock narrado pelo udigrudi André Luís Oliveira; "Perfume de Gardênia", de Guilherme de Almeida Prado; "O Vigilante", de Ozualdo Candeias (sobre marginais num morro e suas lutas internas); um novo filme feminino e psicológico de Ana Carolina; uma biografia do célebre ladrão Meneghetti contado por Ricardo Lua e, no projeto mais audacioso, a refilmagem de "O Cangaceiro" por Galileu Garcia, que foi assistente de Lima Barreto na realização daquele clássico considerado um marco do cinema brasileiro. Inicialmente estes filmes seriam co-produzidos com a Embrafilme que entraria com US$ 100 mil cada um, a título de avanço sobre a distribuição (o Estado de São Paulo garante US$ 200 mil e o resto cada realizador busca em várias frentes. A Prefeitura de São Paulo se dispôs a auxiliar, com Cr$ 30 milhões não corrigidos (valor de outubro), os projetos de Bianchi, Giorgetti e Guilherme de Almeida Prado. Esperançoso, Denoy diz: - "Esperamos que ao menos cinco destes filmes - inclusive o de Bianchi - sejam iniciados em janeiro e, com muita sorte, se não acontecerem novos cataclismas, poderá garantir títulos inéditos para os festivais de Brasília e o próximo RioCine... se acontecerem". Também os curta-metragens em São Paulo estão com algumas possibilidades. Entre 100 projetos, 12 foram escolhidos para merecerem (cada um) uma ajuda de 28 mil BTNs e destes, três também terão ajuda do município: "A Revolta de Canudos", de Eliane Fonseca (co-diretora do premiadíssimo "Frankenstein Punk"), "Batman e Robin", de Ivo Branco e "Viver a Vida" de Márcia Perez. Paralelamente o secretário Fernando Morais, dentro das comemorações em torno de Oswald de Andrade, está financiando cinco episódios sobre o autor de "O Rei da Vela", que, juntos, formarão um longa. Para 1991, haverá novo concurso de roteiros para escolha de roteiros de longas, com um prêmio de 10 mil BTNs cada e cujos resultados serão anunciados em dezembro. Há ainda projetos para 5 documentários, 16mm, destinados à televisão e três vídeos também sobre Oswald de Andrade. - "Importante também lembrar, diz Denoy, que na Prefeitura de São Paulo correm dois projetos: um de financimento da produção de filmes de longa-metragem, com um incidente sobre o ISS que deverá ser aprovado como Lei para o ano de 1991. O outro projeto é sobre a profissionalização de uma escola de cinema, que atenderá alunos das mais diversas categorias. No futuro a escola pretende atingir alunos de outros Estados". São Paulo, pelo visto, procura fugir da crise que ameaça tornar realidade e da ameaça que Jack Vaenti, presidente da Motion Picture, fez em 1981, quando estava irritadíssimo com Roberto Farias, então presidente da Embrafilme, pela lei de obrigatoriedade do cinema nacional - hoje, naturalmente, totalmente superada pela falta de produção: - Em dez anos eu acabo com o cinema brasileiro. Comentando a ameaça de Valenti, o roteirista José Louzeiro, numa das sessões do seminário "O Ar", no MAM-RJ, conclamou à luta: - "Falta um ano para a promessa do americano se concretizar. O governo Collor, com ajuda do "cineasta" Ipojuca Pontes, está fazendo todo o possível para que isso aconteça. Será que não se fará nada contra?". LEGENDA FOTO - Fernando Morais, o crédito para a produção paulista.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
25/11/1990

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