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Aramis

E na noite dos carangueijos o vento levou o teto do Guairão

Para uma futura história do teatro do Paraná, nos aspectos pitorescos do Guaíra: na noite de sexta-feira, 13 de janeiro (só faltava ser agosto) o auditório Bento Munhoz da Rocha Neto foi alugado por 32 OTN's para a solenidade de formatura da Faculdade De Plácido e Silva. Tudo pronto para a solenidade, com formandos, pais e convidados, devidamente paramentados para receberem os seus canudos. Tudo normal se não fosse um detalhe: antes da solenidade começar, uma das primeiras pessoas a chegar ao Teatro Guaíra notou que havia algo de estranho movendo-se debaixo da poltrona. Abaixou-se e se assustou com o que viu: um imenso carangueijo, perdido entre a forração do tapete - bem diferente da areia e água salgada. se "habitat" do qual havia sido retirado horas antes. O pobre crustáceo, andando como barata tonta, estava mais assustado do que o cidadão que o descobriu - e que, felizmente, não se desesperou (se fosse uma das embonecadas senhoras que ali começaram a chegar haveria cenas de histeria e desmaios). O carangueijo, entretanto, não estava sozinho. Havia mais de uma dezena que, em diferentes pontos da plátéia também se movimentava. Antes que o pânico se estabelecesse, os seguranças do teatro foram convocados para a mais original missão que já tiveram: caçada de carangueijos. Preocupados que não pudessem apanhar todos os crustáceos - afinal, ninguém sabia ao certo o número de "invasores" - foi solicitada ajuda do Corpo de Bombeiros. Minutos depois, um grupo de bravos soldados do fogo ali chegava, sob comando de um garboso oficial para reforçar na "caçada dos carangueijos". Todo o teatro foi rastreado cuidadosamente - incluindo-se o primeiro e segundo balcões, os quatro camarotes, o palco e bastidores, mas, no final, se constatou que havia apenas 12 carangueijos. Uma dúzia - mas foi o suficiente para levar pânico se eles não tivessem sido localizados antes do início da solenidade - que, naturalmente, sofreu um atraso. "Presos" os carangueijos, veio a indagação: como foram para no Teatro Guaíra? Quem os teria levado? Uma questão para desafiar os Sherlocks de plantão mas, temendo o ridículo, ninguém pensou em chamar o secretário Antônio Lopes de Noronha, da segurança pública, para que determinasse que os melhores 007 da Polícia Civil investigassem o caso. Também não era o caso de se abrir um inquérito administrativo - para averiguar possíveis envolvimentos de servidores da Fundação com a tentativa de desestabilizar a festa de formatura dos novos economistas formados pela Fadesp - escola superior que mantém a tradição do advogado e professor Oscar Augusto De Plácido e Silva (1890-1961), primeiro aluno matriculado na Universidade Federal do Paraná (1912), jurista, empresário de visão (foi o fundador da revista e editora Guaíra, nos anos 40), que, se soubesse do fato acabaria remexendo na tumba em que foi sepultado há 28 anos. O melhor mesmo seria esquecer o incidente e atribuí-lo a uma brincadeira de gosto marítimo a quem levou, disfarçadamente, a dúzia de carangueijos para participar da festa de formatura dos novos economistas. *** Entretanto a sexta-feira, 13, no Guaíra, não se encerraria com a caçada dos carangueijos. Enquanto seguranças do teatro e soldados do fogo corriam atrás dos bichinhos peludos a tempestade chegava. Trovões, relâmpagos e ventos fortíssimos que atingiram a cobertura de cobre do palco do Teatro Guaíra, levantando mais de mil metros de placas que foram atiradas a centenas de metros, só não atingindo pessoas e veículos por verdadeiro milagre. O público presente ao teatro ouviu os ruídos da tempestade mas não imaginou que a cobertura do palco estava sendo atingida - pois abaixo das placas de cobre existia uma segunda proteção, impedindo a entrada da chuva. Tal como no filme "Pavor nos bastidores" (Stage Fright, 1950), de Alfred Hitchcock - o espetáculo - no caso a solenidade de formatura, com discursos e aplausos prosseguia. Só ao sair o público tomou conhecimento daquilo que poderia ter sido uma tragédia - e não um registro pitoresco como hoje fazemos: os estragos provocados pela tempestade e o teatro destelhado. As placas de cobre, atiradas pela força dos ventos, espalhavam-se pelas imediações do teatro. O advogado Constantino Viaro, superintendente da Fundação Teatro Guaíra, que havia chegado ao local tão logo soube dos problemas que ali aconteciam - primeiro a invasão dos carangueijos, depois os estragos da tempestade - pessoalmente dava o exemplo aos homens da segurança para recolher placas que estavam espalhadas. O secretário da Cultura, René Dotti, também informado da situação, saiu de sua mansão no alto da Avenida N.S. da Luz e veio ver de perto a situação - acompanhado da esposa, Rosarita. Não ficou apenas na contemplação dos estragos: ele e a esposa deram sua contribuição para recolher as placas - que afinal, em cobre, se ficassem na rua acabariam sendo levadas pelos catadores de tudo que pode ser comercializado. Não houve feridos e os prejuízos (aproximadamente Cz$ 150 mil), serão cobertos, totalmente, pela seguradora Rio Branco. Feitos os levantamentos dos estragos verificou-se que a cobertura de cobre estava fixada precariamente sobre uma base de madeira - carcomida pelo tempo - motivo com que o vento provocou os estragos. Agora, em 60 dias, a cobertura será refeita sobre uma base de latão e ferro, resistente para enfrentar até vendavais ao estilo dos que periodicamente ameaçam regiões dos Estados Unidos - e que ganham simpáticos nomes femininos. *** Constantino Viaro, administrador que gosta de dar o exemplo de trabalho, é que sofreu as conseqüências maiores do vendaval: no sábado, 14, já estava percorrendo o teto do teatro, ao lado de bombeiros e engenheiros. A decisão, de, aos 50 anos, escalar escadas que são desafios até para marumbinistas, veio na semana passada: problemas cardíacos que o obrigarão a uma rigorosa dieta, repouso e, principalmente, tranqüilidade. Afinal, a noite dos carangueijos e da tempestade, foi dose para fazer qualquer executivo repensar os problemas mais diversos que um cargo como o de superintendente da Fundação Teatro Guaíra traz. E que não ficam nos aplausos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
05/02/1989

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