Login do usuário

Aramis

Nana, o chicote e o afago

No primeiro dia foram pouco mais de 400 espectadores. Na terça-feira já eram quase 600. E a proporção deverá aumentar hoje e amanhã. Considerando o horário novo, o inesperado frio que afinal acabou chegando e, principalmente, a falta de hábito do curitibano em assistir espetáculos no britânico horário das 18:30 horas, pode-se considerar a implantação do Projeto Pixinguinha como um sucesso - que deverá crescer nas próximas semanas (segunda-feira, estréia de João Bosco e Clementina de Jesus). Mais importante do que o público crescente, tem sido os aplausos entusiásticos e os pedidos de bis, no final - impossíveis de serem atendidos, pois sendo um espetáculo intermediário, não pode alongar-se, para não prejudicar a programação normal da sala. Ivan Lins e Nana Caymi, os artistas escolhidos por Hermínio Bello Carvalho, para inaugurar este novo roteiro de levar a melhor MPB ao povo, encontram uma extraordinária comunicabilidade emocionando o público. Um quarteto instrumental de primeiríssimo time - Luiz Alves, no baixo, Robertinho Silva na percussão (ambos, ex-Som Imaginário), Ary Piassarolo na guitarra e Jota nos teclados, abrem o espetáculo, com um tema instrumental de Jota - um novo pianista, 29 anos, 20 de vida musical, mas apenas há 9 meses no mês, e de quem, por (certo(,muito se ouvirá falar. Sobre este tema, os instrumentistas tem chance de mostrar seu virtuosismo - cada um mostrando o que sabe fazer - e com grande competência. Ivan Lins entra e, para aproximar-se do público, ataca com sua música mais conhecida - "Madalena" (o grande êxito na voz de Elis Regina, 1970/71), seguido de outras músicas - antigas e novas. Quando Nana Caymi, com sua presença no palco, sem dúvida hoje uma das maiores vocalistas brasileiras, senão a melhor, entra, cantando "Dora", do pai Dorival, o público irrompe em aplausos - que não para mais. Nana é uma cantora-emoção, cantora-gente, que usa a voz como um chicote ou uma almofada de veludo, do dilacerante canto de desespero ao acalanto - ela que, ao nascer, inspirou ao pai, uma de suas obras-primas, justamente o acalanto para fazer todas as crianças do mundo adormecerem. Nana Caymi, uma carreira com alguns hiatos, apenas 3 elepes no Brasil (o quarto, pela RCA Victor, sai em outubro/77), outros três gravados na Argentina, é uma cantora de personalidade tão forte que marca, profundamente, as músicas que interpreta. Em 1975, em seu elepe na CID, foi "Beijo Partido" (Toninho Horta), que teve a definitiva e maior criação - um dos momentos mais importantes da canção brasileira nestes anos 70. No final do ano passado, em seu lp "Renascer" (que chegou a Curitiba somente em 77), gravou "Mãos de Afeto", canção que Ivan Lins e Victor Martins começaram em 1974, para uma opereta nunca concluída - e que, afinal, acabou sendo terminada especialmente para Nana- é como a cantora diz, não poderia haver uma música mais perfeita a sua sensibilidade, a sua vivência, a sua personalidade forte, indomável, brigona - mas terrivelmente humana, apaixonada, de mulher inteligente, consciente, que diz o que pensa e faz o que quer. "Mãos de Afeto" é uma espécie de (seqüência( a "Beijo Partido", numa trajetória de Nana - uma presença das maiores que já conhecemos na MPB. E no palco do Guaíra, no entardecer. Nana se dá toda ao público, ela que é exigente ao fazer recitais, capaz de brigar pela qualidade do som, incapaz de concessões comerciais. Rotulada de "maldita", "difícil", Nana é, na verdade, uma cantora que se inclui numa categoria única dentro da atual música brasileira - as intérpretes que capitalizam, em si, a dor ou a alegria, o sentimento profundo do mundo e das canções que interpreta. Se Doris Day, a eterna virgem das comédias açucaradas de Hollywood dos anos 40/50, teve, na verdade, uma vida tão triste e dramática, como Bessie Smith (1894-1937) ou Billie Holiday (1915-1959) - para não falar em Judy Garland (1922-1959) - os sentimentos dramáticos destas, e outras, cantoras, nem sempre foi entendido, na época pelo público que as ouvia. Nana, uma mulher que ama a vida, que ama intensamente, que sempre se assumiu - e também os riscos dos encontros e desencontros do amor, é uma personalidade da mesma dimensão. Uma mulher que, ao cantar, transmite sensibilidade e emoção em todas as notas, em todos os poros de sua pele, em todos os fios de cabelo. E isso a faz ser uma presença tão importante dentro da MPB - e a oportunidade de vê-la/ouvi-la, no palco - num espetáculo do gabarito deste que abre o Projeto Pixinguinha (ingressos a Cr$ 10,00, para não haver mais lamúrias de que o povo não pode ir ao Guaíra) é um dos eventos do ano. Um espetáculo no qual o diretor Maurício Tapajós pouco teve que fazer: os músicos, Ivan e, principalmente Nana, soltam-se durante 120 minutos da mais pura emoção musical. Com músicas que atingem o público - na razão e no coração, fazendo-o deixar ao teatro, com a carga de "Palavras", de Gonzaga Júnior, que diz: "Cantar, nunca foi só de alegria Com tempo ruim/todo mundo também dá bom dia". LEGENDA FOTO - Nana Caymi
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
18/08/1977

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br