Login do usuário

Aramis

Narinha, duas décadas de coerência musical

Houve época - e lá se vão quase 20 anos - que mesmo pessoas de grande lucidez e sensibilidade musical insistiam em atacar Nara Leão. "Desafinada", a acusação principal. Nada melhor do que o tempo para separar o joio do trigo. Enquanto tantas "cantoras" aparentemente de vozes mais potentes e "afinadas" (sic) do que Narinha apareceram e desapareceram, ela continua com uma posição especial dentro da MPB. Hoje já não se discute se é afinada ou não, mas, sim, existe um respeito e admiração pela sua integridade artística, pelo seu bom gosto e equilíbrio em não ter um único elepê em sua já extensa discografia que não reflita, ideológica e nacionalisticamente, a intérprete que jamais abriu mão de sua posição. Lembro-me bem, que quando Nara veio a Curitiba pela primeira vez, nos idos de 1964, participando da parte musical de um show da Rhodia (no antigo Curitibano), nos contou que seu primeiro lp, prestes a sair pela Elenco, iria surpreender a que esperavam um lp Bossa Nova - ela, justamente, considerada a musa do momento. Nara já rompia com a BN - procurando valorizar compositores como Nelson Cavaquinho, Cartola, Zé Ketti e Elton Medeiros - até então só lembrados por Carlinhos Lyra (que justamente, em 1962, havia convidado Nara para participar da faixa "Maria do Maranhão", no lp "Depois do Carnaval"). Muita coisa aconteceu nestes 20 anos. Só Nara jamais mudou em sua personalidade e integridade. Só em 1971, quando estava morando em Paris fez uma revisão da Bossa Nova, num álbum histórico ("-Dez Anos Depois"). Sem preconceitos - a não ser contra a mediocridade e o mau caratismo - Narinha tem percorrido todos os caminhos da MPB, revisitando as canções infantis quando ninava seus filhos Francisco e Isabel (hoje adolescentes) em "Meu Primeiro Amor", descobrindo as melhores músicas de Roberto e Erasmo Carlos ("...e que tudo mais vá pro inferno"), interpretando somente músicas de seu amigo Chico Buarque ("Com Açúcar e Com Afeto", 1980), mergulhando no Nordeste, produzida por Fagner ("Romance Popular", 1981) ou numa emocionante atuação nas raízes em "Meu Samba Encabulado" (1983). Felizmente, Nara jamais decepciona. A cada ano - e sem favor ou proteção [alguma] - seu disco fica tranqüilamente entre os dez melhores do ano. Como Nana Caymmi (por sinal, também com novo disco na praça), Nara nunca almejou fazer "produtos" que lhe valessem "discos de ouro". Em compensação faz os melhores discos da MPB, com uma sensibilidade única - e que tem um público regular, fiel e, principalmente, apaixonado. Aos 43 anos - completados dia 19 de janeiro último, esta capixaba de Vitória, cada vez mais encantadora, decidiu, este ano, fazer um elepê simples e romântico. Unicamente voz e violão - para o qual convocou seu grande amigo Roberto Menescal, nome da maior importância da Bossa Nova mas que como diretor artístico da Polygram há anos tinha aposentado os instrumentos. Aposentadoria que não retirou a sua capacidade de improvisação, o swing tão bossa-novista que há 25 anos encantou todo o mundo. Resultado é que "Um cantinho, um violão" está entre aqueles discos paixões, para se ouvir centenas de vezes - sem jamais cansar. Embora o título sugira um repertório exclusivamente bossa-novista, a seleção foi ampla. Abre com uma jóia chamada "O Negócio é Amar", que foi uma das últimas letras de Dolores Duran (1930-1959), com música de Carlinhos Lyra - e só gravada pela primeira vez em 1983. Da Bossa Nova mesmo é a faixa seguinte, a imensamente terna "Tristeza De Nós Dois" (Durval Ferreira - Maurício Einhorn/ Bebeto). Depois temos clássicos que vão do bolero - "Sabor A Mi" (Álvaro Carillo) a melhor ironia de Geraldo Pereira (1918-1955) - "Resignação" (parceria com Arnô Provenzano) ou a brejeirice de Luiz Bittencourt-José Menezes ("Comigo é Assim"). Provando que se pode ser brasileiro e não desprezar o melhor que há no Exterior, Nara e Menescal dão uma esplêndida releitura ao clássico "There Will Never Be Another You" (M. Gordon / H. Warren). Uma canção que fala de tanto (e tão grande) amor quanto o imortal "Da Cor do Pecado" (Bororó), numa nova interpretação - descontraída, alegre e suave. Só por estas faixas, o disco já mereceria nota máxima, mas Nara não deixa de trazer composições inéditas, cada uma merecedora de um registro especial - para o qual falta, aqui espaço: "Transparências" e "Blusão", composições do próprio Menescal com letras dos poetas Abel Silva e Xico Chaves, respectivamente; "Vestígios", dos irmãos Marcos e Paulo Sergio Valle - dignas da melhor época desta dupla; "Mentiras", de outra dupla fraternal - João Donato e Lysias Enio. Finalmente, "Inclinações Musicais", de Geraldo Azevedo e Renato Rocha. Uma voz, um violão e imenso talento. Receita perfeita de gente que sabe o que tem a fazer em termos da melhor música. LEGENDA FOTO - Nara, como sempre, ótima. Título: Clarisse, voz da noite Veículo: O Estado do Paraná Suplemento: Coluna: Tablóide Sub-coluna: Data da publicação: 23/06/85 Assinada: não Página inicial: 34 **Obs.: Chiko's ou Chicko's Só há poucas semanas a cantora Rose, 43 anos, 25 de vida musical, mereceu uma pequena notícia na coluna "Gente" da revista "Veja". Motivo, vai cantar nos EUA e possivelmente lá gravar um elepê. Rose, que passou alguns anos de sua juventude cantando em Curitiba, é o exemplo da excelente cantora da noite, amplo repertório, aplaudida e relacionada, mas que nunca teve chances de fazer uma gravação e ganhar uma projeção fora do eixo das noites da Zona Sul do Rio de Janeiro. Como Rose, há outras excelentes cantoras a espera de uma chance maior. A paulista Maria Odete (outra que passou muitas temporadas em Curitiba) nunca conseguiu fazer mais do que compactos. Celeste, uma baiana de extraordinária voz e repertório, só no ano passado pôde fazer um novo elepê independente, produzido por um amigo - próspero empresário e autor de todas as músicas. Um bom disco, mas uniforme justamente pelo fato de ter composições de um único autor. Celeste é há anos uma das atrações do **Chiko's Bar, o melhor ambiente do Rio de Janeiro. Ali, até há pouco, dividia os sets musicais com outra extraordinária cantora: a alta, bela e afinadíssima Clarisse Grovia. Há um mês, algumas centenas de pessoas aplaudiram no Clube Curitibano um espetáculo único: a voz de [Clarisse] e o violão de Rosinha Valença - virtuose do instrumento, 25 anos de carreira e que nunca antes havia vindo a Curitiba. Clarisse deixou de cantar no Chicko's** e está procurando divulgar seu primeiro elepê. Após dois compactos simples, fez um elepê na Odeon. Lançado sem divulgação, com uma capa opaca, em vermelho (o que é uma pena: [ela] é linda e seria uma bela ilustração, além de atração para vendas). Não importa! [Clarisse] canta bonito, num repertório denso e profundo, valorizando composições da excelente Sueli Costa: "Capricho" (com Abel Silva), "Filhos de Verão" (com Capinam) e "Terra de Fogo" (possível canção de amor) (com Tite de Lemos). [Outros autores jovens e marcantes também estão no disco: Renato Ladeira - Cláudio Rabello ("O A o do Rato"e "Americano"), os mineiros Flávio Venturini ("Canção de Acordar"), Lô Borges/Marcio Borges/Marcio Antunes ("Viver, Viver"), Aécio Flávio-Paulinho Tapajós ("Doce Doce"), Claudio Carier/ Paulo Cesar Feital ("Última Noite") e Fernando Gama-Sergio Natureza ("Mil Corações")]. Um bom disco de uma bela cantora. Que merece ser ouvida! LEGENDA FOTO - Clarisse, um belo disco.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
34
23/06/1985

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br