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Aramis

"Network": uma denúncia visceral (I)

Exatamente no dia 11 de julho de 1957, estava marcado o lançamento de "Assim Caminha a Humanidade" (Giant, 55, de George Stevens) no cine Palácio. Considerando a característica de superprodução e presença de James Dean (1931-1955) no elenco (ao lado de Rock Hudson, Elisabeth Taylor, Carol Baker etc.) a Warner Brothers decidiu que o filme deveria ser exibido com preços especiais. Mas a então União Paranaense do Estudantes não concordou e, durante toda a tarde daquela quinta-feira, promoveu comícios, passeatas e "filas-bobas" defronte as bilheterias do velho cinema na avenida Luiz Xavier - impedindo a estréia do último filme estrelado por James Dean. Na quinta-feira não houve sessão e, para evitar maiores tumultos, o velho Henrique Oliva (1890-1965), dono do cinema, acabou cancelando a estréia do filme. Foi então lançada uma modesta produção em preto-e-branco, sem grandes nomes no elenco: "Um Rosto na Multidão" (A Face in the Crowd), produção de 1955, dirigida por Elia Kazam. Com Andy Griffith, jovem ator que posteriormente faria alguns outros filmes, e que aparece em "Do Oeste para a Fama" (Cine Scala, a partir de hoje). "Um Rosto na Multidão" ficou assim apenas cinco dias em cartaz e nunca mais foi reprisado em Curitiba. xxx Por uma coincidência, vinte anos depois, o filme de Elia Kazam é lembrado em muitas das apreciações feitas em torno da mais importante estréia da temporada - e sem dúvida um dos melhores filmes deste ano: "Rede de Intrigas" (cine Bristol). Pois, assim com Budd Schulberg, o argumentista de "A Face in the Crowd" fez duas décadas passadas, denunciando a televisão, em sua imposição de falsos mitos e condicionamento dos telespectadores, Paddy Chayefsky amplia em "Network", adicionando elementos contemporâneos - a força das multinacionais, o capitalismo árabe, os grupos terroristas, as cadeias nacionais de televisão, num filme que procura despertar o espectador de seu comodismo, de sua indiferença, da aceitação de discutíveis valores globais, na linguagem conduzida pelos tubos de imagens. Quando Kazam realizou "Um Rosto na Multidão", a televisão era ainda, mesmo nos EUA, novidade e inexistiam ainda as poderosas corporações internacionais de comunicação. A imprensa já havia sido focalizada com coragem por Billy Wilder em "A Montanha dos Sete Abutres" (The Big Carnavial, 51) e, em 1957, o inglês Alexandre Mackendrick, realizaria outro contundente filme, denunciando a falsidade do poder dos colunistas sociais em "A Embriaguez do Sucesso" (Sweet Smell of sucess), com Burt Lancaster e Tony Curtis, em atuações estupendas. Paddy Chayefsky (Nova Iorque, 1923), em 1955 já havia merecido o seu primeiro Oscar, pelo argumento de "Marty" de Delbert Mann, para quem voltaria a fazer dois outros esplêndidos roteiros: "despedida de Solteiro" (The Bachelor's Party 1957) e "O Crepúsculo de Uma Paixão" (Middle of the Night, 58). Entre os filmes de Mann, Chayefsky escreveu ainda "A festa do Casamento" (The Catered Affair, 56, de Richard Broks), todos argumentos mostrando pessoas em estórias comuns - e por isso mesmo da maior dimensão. Passados quase vinte anos daquela fase de extrema criatividade - entremeada de uma casuística análise das relações públicas no militarismo americano ("Não Podes Comprar Meu Amor/The Americanization of Emily" 64, de Arthur Hitler, 1964) e de um segundo Oscar, em 1970, pela adaptação ao cinema de "Hospital" de Arthur Halley, Chayefsky retornou a sua melhor forma, com "Network", mais do que merecidamente premiado esse ano com o Oscar de melhor roteiro original. Realmente, entre tantos aspectos que fazem de "Rede de Intrigas" um filme tão importante - por sua coragem e contemporaneidade, está o roteiro de Paddy Chayefsky. Exemplo de precisão, de timing, de diálogos claros e objetivos, de estória bem contada, o trabalho de Chayefsky foi responsável pelo menos em 40% para o sucesso deste filme de Sidney Lumet que, ao longo de seus 120 minutos, desperta o (tele)espectador de suas indolências (que chega a berrar: "também estou cheio de tudo!". O longo monólogo do "godfather Arthur Beatly, numa criação estupenda), presidente da corporação que domina a UBS, falando a Howard Beale (Peter Finch), sobre uma nova realidade - em que não há países mas sim empresas multinacionais, não há deuses, mas sim apenas o dinheiro - é, em nosso entender, um momento antológico do cinema nos anos 70. E, em si, já justifica que um filme como "Network" mereça quantas visões quais sejam possíveis e provoque todos os debates permissíveis. Afinal, pensar (ainda) faz bem!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
4
06/04/1977

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