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Aramis

New-Age, a música-alma para o final do milênio

Se não fosse o interesse dos Beatles, especialmente de George Harrison, pelo misticismo e a busca de gurus orientais, dificilmente a música reflexiva, lenta e difícil para os ouvidos ocidentais de um citarista chamado Ravi Shankar teria chegado a uma faixa tão grande de consumidores. Mas graças ao aval beatleneano, nos anos 60, não só Shankar mas inúmeros outros compositores e especialmente, instrumentistas chegaram ao Ocidente, foram consumidos e mesmo diluídos na massificação industrial sonora. Fizeram escolas, provocaram imitações e ajudaram a que uma música diversa do que se conhecia (em termos de grande público) fosse se não popular no sentido amplo, ao menos conhecida e divulgada através de muitos veículos. Shankar chegou, inclusive a excursionar pelo Brasil, apresentando-se no Teatro Guaíra, frente a um entusiasta público jovem. Mas instrumentistas como Shankar não precisam, em termos artísticos, apenas o aval de ídolos pop para provar seus méritos. Tanto é que não só na Índia, mas na Europa e EUA há muito teve seu reconhecimento, convidado para dividir concertos e gravações com nomes como o violinista (e maestro) Menuhim e o pianista André Previn, para só ficar em dois exemplos. A CBS, dentro do convênio com a rede Breno Rossi, está lançando agora dois álbuns de Ravi Shankar ("The Genius of..." e "The Sounds of India"), que possibilitam mergulhar nesta música muito especial, repetitiva em seus acordes - mas repousante e reflexiva -, e que pode ainda ser melhor compreendida com a chegada da chamada New Age Music, a livre corrente que, colocando intérpretes e criadores de várias origens, busca também uma música extremamente relaxante - que, maldosamente é confundida (e chamada) até mustake (música de elevador) -, para irritação de seus adeptos. Aliás, após os pacotes da New Age Music, editados pela CBS e Polygram - com mais de 20 atraentes títulos -, chega a vez do Estúdio Eldorado em também trazer mais algumas gravações deste gênero que neste ano começou a ser conhecido no Brasil. Nada mais justo, aliás, que a Eldorado entre neste segmento, pois foi na Rádio Eldorado FM, que a jornalista Mirna Grzich, iniciou no começo do ano, a "Música da Nova Era", primeiro programa apresentado no Brasil totalmente dedicado à new age. Jornalista de vivência internacional, após 4 anos de residência em Los Angeles, Mirna trouxe para o Brasil não só uma esplêndida coleção de New Age, como a disposição de aqui divulgar este novo som. O seu programa já está sendo retransmitido em várias FMs (no Paraná, quando será que algum diretor de rádio perceberá sua importância?) e as gravadoras passaram a acreditar no novo mercado. O pacote new age da Eldorado é o mais avançado de todos os que até agora chegaram até nós. Com gravações das etiquetas Kuckuck, Celestial Harmonies, Black Sun e Fortuna Records, os cinco álbuns que agora estão nas lojas mostram instrumentos que vão do sintetizador digital ao instrumento de madeira, do órgão de fole a um instrumento de percussão originário do universo da cultura budista; da voz humana a um piano Bosendofer afinado diferentemente, da harpa celta e petalumines (instrumento formado de finos pratos e metal). Ao invés de sofisticados estúdios, alguns músicos preferiram fazer seus registros num canyon solitário do Novo México, dentro do Taj Mahal, na câmara do rei da Pirâmide de Queóps, etc. "Nirvane Road", com o alemão George Deuter, 42 anos, é um álbum (o quarto que faz) no qual, em apenas 4 canais, mescla duas flautas, duas guitarras, órgãos, sintetizadores, percussão e sons naturais. Da India, numa contrafação do som da cítara de Shankar, vem um projeto deliciosamente original: "Tibetan Bells II". Luiz Carlos Lisboa, jornalista e redator dos textos do programa "O Som da Nova Era", escreveu um bonito ensaio sobre o lado espiritual desta música de sinos do Tibet - o qual, infelizmente não é possível aqui reproduzir por falta de espaço. Mas o que se pode dizer é que o som dos sinos tibetanos vai fundo na alma humana numa experiência única em termos de audição, transportando-nos para "uma viagem que pode ser o retorno eterno às nossas origens", A música que Henry Wolff e Nancy Hennings produziram para este disco (curiosamente sai no Brasil, o segundo volume, sendo que o primeiro é de 1971), revela "toda sua dimensão e musicalidade, veículos dos mistérios da vida e da morte". Resultado de anos de viagens e experiências de Wolff e Hennings, dois músicos dedicados à busca do "som entre os espaços", o "Tibetan Bells II" reúne elementos musicais nunca antes associados, sons dispersos no tempo, espaço e tradição. Os instrumentos são exclusivamente os sinos do Tibet, gravados com recursos eletrônicos, induzindo uma percussão sombria de incomparável duração. Outro disco dos mais interessantes é o que traz a harpa celta de Patrick Ball. Um apelo que pode fazer uma faixa intelectual se interessar por esta gravação: "Esse som nos remete imediatamente, com suas canções jocosas que tratam de amor, aventuras, vida e morte aos tempos de Moragna e Arthur, Lancelot e Merlin". Ou seja, a "trilha sonora" para leitura do best-seller "As Brumas de Avalon", de Marion Zimmer Bradley. Patrick Ball traz em sua original harpa o espírito musical celta, num registro, naturalmente inédito até hoje para o Brasil. Já o instrumento que Peter Michael Hamel executa não é tão desconhecido: trata-se do órgão. Só que nesta gravação ("Organum"), Hamel soma elementos do pensamento do filósofo suíço Jean Gebser, com sua vivência no Norte da India, onde estudou canções tibetanas de monastérios. Da India para o Egito. E é o que Paul Horn, 47 anos, clarinetista, flautista, conhecido já por suas experimentações no jazz de vanguarda (ganhou o "Grammy" por "Jazz Suite on the Mass Texts"), ex-side men (músico de acompanhamento) de Duke Ellinton e Frank Sinatra. Insatisfeito com a música convencional, Horn partiu para a India há 21 anos, estudou meditação e lançou dois discos com músicas hindus - um deles gravado dentro do Taj Mahal. Radicado em Victoria, Columbia Britânica, Horn se voltou a um projeto audacioso há alguns anos: a gravação de músicas inspiradas nas pirâmides do Egito. O resultado são dois elepês, com dez temas - com som que tem toda uma teorização destes instrumentistas da alma e do espírito, que, englobados genericamente como New Age, propõe a mais reflexiva trilha sonora para este final de década. LEGENDA FOTO - Patrick Ball: cítara celta.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
6
04/10/1987

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