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Aramis

No deserto humano, o oásis da amizade

"Ambos sabemos que uma mudança vai acontecer e próxima está a libertação." (Bob Telson, na letra de "Calling You", cantada por Jovetta Steele em "Café Bagdá"). Há três anos, Ney Sroulevich, diretor geral do FestRio, teve que insistir com o alemão Percy Adlon, 54 anos, para que inscrevesse seu "Out of Rosenhein" na quarta edição do Festival Internacional de Cinema, Vídeo e Televisão. Embora já com algum prestígio na Europa, especialmente por seu "Sugar Baby" (1984, no Brasil à disposição em vídeo), Adlon estava longe da fama dos seus colegas mais jovens do cinema alemão que desde os anos 70 vinham conquistando premiações em todo o mundo. Ao contrário, voltando-se a um sistema muito pessoal, filmando, por exemplo, "Celeste" (1981), baseada nas memórias da criada de Marcel Proust 91817-1922), Adlon não tinha maiores ilusões de, já cinquentão, se tornar um nome internacionalmente reconhecido. Mas "Out of Rosenhein" veio para o FestRio e saiu com o Tucano de Ouro de melhor filme. Algum tempo depois - maio 88 - estreava em Paris e ganhava a condição de cult-movie, com aplausos da crítica e um público seguro. Só que mudou o nome: de "Out of Rosenhein" passou a se chamar "Bagdá Café". Adlon fez outro filme, "Rosalie Goes Shopping", que concorreu em Cannes há 2 anos e teve sua pré-estréia no último FestRio, em Fortaleza, com a mesma gordinha e encantadora atriz - Marianne Sagebretch, tão simpática que já vem sendo disputada por outros cineastas (em 1987, Paul Mazursky a trouxe ao Brasil, para fazer algumas seqüências de "Luar Sobre Parador", rodado em Ouro Preto). Agora, nesta semana em que acontecem vários lançamentos especiais - o maravilhoso "Cinema Paradiso" (Bristol) o interessantíssimo (apesar do título infeliz), "O Tiro que saiu pela Culatra" (Parenthood), no Lido I e a trilogia Ana Carolina ("Mar de Rosas"/"Das Tripas Coração"/"Sonho de Valsa", este a estrear quinta-feira), "Bagdá Café" (Cine Palace Itália, 5 sessões), pode até passar desapercebido ou mesmo descartado pelo público que prefere o vídeo já lançado pela mesma distribuidora (Paris). Perderá, entretanto, quem preferir ver na telinha esta obra sensível, uma parábola em torno da amizade - no meio de conflitos raciais, solidão e desencontros. Mas não se assuste o espectador! Não se trata de um drama, daqueles com lágrimas e sofrimentos. Ao contrário, é otimista, feliz e de alto astral, enaltecendo valores simples mas eternos - como a amizade, a compreensão e o entendimento entre as pessoas. Abandonada pelo marido, a alemã Jasmin Muenchgsttner (Marianne Sagebrecht) está numa estrada do deserto de Mjoave, entre Las Vegas a Disneyland, acabando num misto de motel/café posto de gasolina. Num clima de decadência, a negra Brenda (C. C. H. Pounder, excelente atriz americana), esbraveja: seu marido a deixou a uma semana, sua filha, Phylis (Monica Calhoun) já frequentou a metade das cabinas dos caminhoneiros que cruzam a região e o filho, Sal Jr. (Darron Flag) insiste nas notas do "Cravo Bem Temperado" de Bach ao piano. Ao lado do café, num velho trailler, vive Rudi Cox (Jack Palance, numa interpretação surpreendente), um frustrado pintor que trabalhava fazendo cenários em Hollywood e hoje vive afastado do mundo. Estes personagens, intensamente humanos, serão tocados pela magia da fofa e querida Jasmin que, sem falar bem inglês, misteriosa no início, acaba se tornando uma espécie de "anjo" de um "Teorema" ao inverso - ou, numa redução brasileira, lembrando aquele personagem que Sérgio Cardoso interpretava numa paleolítica telenovela da Tupi ("Antônio Maria"): alguém que, vindo de fora, ajuda a resolver os problemas de cada um. Pela sua simplicidade e humanismo, "Bagdá Café" se insere naquela categoria de filmes especiais que tocam ao coração. E que tem tudo para se tornar um cult-movie, destinado a ser ainda mais admirado no futuro do que agora. Adlon e sua esposa, a co-roteirista Eleanore, trabalhando sobre uma história original de Cintia Ralfe, fazem uma ode a emoção e a capacidade de pessoas se entenderem - quando, ao primeiro momento, tudo pode contribuir para um afastamento. Assim como "Cinema Paradiso" é a emoção pela nostalgia de um mundo (o cinema) desilusão que todos curtimos, "Bagdá Café" é a ternura de pessoas que parecem nossos conhecidos através das imagens, das falas e dos sentimentos que trazem dentro de si. Um filme belíssimo, humano e que merece ser visto. LEGENDA FOTO - Marianne Sagebrecht, uma fofinha deliciosa em "Bagdá Café", Gaivota de Ouro de melhor filme no FestRio-87. Em exibição no Cine Palace-Itália.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
06/03/1990

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