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Aramis

No tabuleiro das damas, a trajetória de Sabino

Quando de sua última vinda a Curitiba, convidado por seu amigo Arakem Távora para participar de uma mesa-redonda sobre "Poty, o Ilustrador", Fernando Sabino, mais uma vez, foi assediado por dezenas de repórteres. Com sua diplomacia mineira, resistiu as mais estúpidas perguntas, mas quase perdeu a calma quando uma ninfeta, identificando-se como "pesquisadora de um jornal alternativo", foi pedir uma entrevista exclusiva. Cansado, já tendo falado por vários outros jornalistas, Sabino concordou e perguntou: - "Então vamos lá: que ângulo você quer abordar?" -"Ângulo? - exclamou surpresa a garotinha. Não sei! Queira que você começasse me dizendo o que faz. É escritor, não?" xxx Como a estupidez e ignorância de tantos que o chateiam, a guisa de entrevistas, se repete sempre, em todas as cidades que visita, Sabino decidiu escrever uma "antecipação de autobiografia" - capaz de responder as questões que mais insistentemente lhe fazem. Nem mesmo entrevistas a bons profissionais, de revistas nacionais (como Veja, Plauboy, etc.) o satisfizeram, de forma que das anotações que fez transformou-as num novo livro ("O tabuleiro de damas", Record, 184 páginas, Cz$ 2.490,00), que autografou no último fim-de-semana, na Bienal do Livro, em São Paulo - e que deverá trazê-lo a Curitiba, para lançamento. Como entrevistas não podem faltar, o próprio Sabino decidiu produzir uma, cuidadosa e objetiva, que a Record distribui a guisa de release. - Como nasceu a idéia de "O tabuleiro de damas"? - "Há muitos anos, convenci Manuel Bandeira a escrever uma espécie de autobiogradia literária que se chamou "Intinerário de Passárgada". Desde então, a idéia de vir um dia a escrever uma autobiografia desse gênero - guardadas as devidas proporções, é claro - veio me acompanhando ao longo de minha vida literária. Este plano se renova a cada uma das inúmeras entrevistas que tenho dado de uns anos a esta parte. Minhas idéias no fundo são sempre as mesmas e minha vida só. Sem falar na reportagem de Paulo Mendes Campos para Manchete, em 1975, com uma espécie de antevisão do conteúdo deste novo livro, e por isso mesmo figurando nele como apresentação." - Você faz importantes revelações? - "Importantes para mim, pelo menos. "Vocação", "Vivência", "Participação", "Ocupação" e "Convívio" são os capítulos que compõem o livro, nos quais, de lembrança em lembrança pertinente a cada um destes assuntos, conto praticamente a minha vida inteira, dos "discursos"que fazia aos 3 anos até o dia de hoje: é uma espécie de trajetória do menino ao homem feito. Mas não falo apenas de mim. Como já disse mais de uma vez, não sou o meu tipo predileto. Como passagens de minhas relações pessoais com outros escritores, como Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Alceu Amoroso Lima, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Marques Rebelo, Augusto Frederico Schmidt, Vinícius de Moraes, Rubem Braga, e outros mais." - E além dos escritores? - "Falo dos jornalistas com quem convivi, como Carlos Lacerda, Moacir Werneck de Castro, Carlos Castello Branco, Samuel Wainer. Políticos como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck, Benedito Valladares, Milton Campos, Juarez Fonseca, Jânio Quadros, José Sarney. Conto, por exemplo, a explicação pessoal que Jânio Quadros deu, em primeira-mão, sobre a sua renúncia, e como por pouco não me fez embaixador em Cuba. E como em 1961 fui parar com o Sarney numa cartomante e ela leu nas cartas que ainda viria a ser presidente da República. Foi como se tivesse dito que eu iria ser imperador da China. No capítulo dos amigos, narro episódios pitorescos do convívio de mais de 50 anos com Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos." - E quais outros assuntos você aborda em "O tabuleiro de damas"? - "Faço uma minuciosa explanação, fruto de experiência própria, sobre a arte de beber sem se deixar vencer pelo álcool. Minhas observações se estendem às drogas, viagens, casamento, e termino revelando o segredo de uma reunião para sempre feliz - pelo menos ao fim de 15 anos de convivência. "Que seja infinito enquanto dure", como no verso de Vinícius." - Por que o título "O tabuleiro de damas"? - "É uma referência a um trecho do meu penúltimo livro, "A faca de dois gumes": o tabuleiro de damas não é nem preto com quadrados brancos nem branco com quadrados pretos, mas de outra cor, com quadrados pertos e brancos. Com isso eu quis dizer que a verdade não está na realidade, tal como se apresenta aos nossos olhos, mas além dela, onde só é vista através do sonho, da fantasia, ou da imaginação criadora do escritor." - E de tudo o que fica? Por baixo dos quadrados pretos e brancos, de que cor é o tabuleiro de damas? - "Como escritor, a de que escrevo para saber quem sou: quero ser do meu tamanho, nem maior, nem menor; meu ideal de vida, que busco em tudo, é a reintegração da ordem, no melhor sentido ético e estético - o da proporção, do equilíbrio e da harmonia. E como homem, a de que eu gostaria mesmo é de volta a ser menino." LEGENDA FOTO - Fernando Sabino: a busca do menimo que já foi.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
31/08/1988

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