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Aramis

A noite em que os marcianos invadiram os Estados Unidos

Um flash-back para a noite de 21 de outubro de 1938. A tensa situação na Europa (a II Guerra Mundial iniciaria poucos meses depois) contribuía para um clima de preocupações. Falava-se já em OVNIs. Assim, a idéia de Welles em fazer no programa "Mercury Theatre on the Air" uma adaptação original de "The War of the Words", aconteceu num momento propício. "Golden Boy" pelas inovações em encenações feitas no teatro a partir de revisões atrevidas de textos clássicos de Shakespeare (um "Macbeth" só de negros, transferindo a ação da Escócia para o Haiti e um "Júlio César" com os personagens vestindo camisas negras, numa referência ao fascismo em ascensão na Itália), já era também uma estrela no rádio. Com sua voz poderosa e inteligência priviligiadíssima nas adaptações de textos clássicos (como "A Ilha do Tesouro", "Os 39 Degraus", "Drácula", etc.), buscava o primeiro lugar em audiência - o que o levaria a fazer produções ainda maiores para o rádio na época como "Oliver Twist" e "A Volta ao Mundo em 180 Dias" (que, anos depois, transformou num musical com canções de Cole Porter, que se constituiu no maior fracasso, numa das muitas vezes em que foi a falência). Em outubro de 1938, Orson Welles enfrentava um novo desafio teatral: uma montagem de "A Morte de Danton", do alemão Georg Buchener (1813-1837), escrita dois anos antes de sua morte e que está entre os textos de mais difícil encenação. Embora financeiramente estável com o que ganhava na CBS, Welles preocupava-se com esta montagem (que acabou estreando em novembro, trazendo sérios prejuízos a companhia de Welles, o Mercury Theatre). Por outro lado, o programa de rádio vinha dando certo, conforme conta a biógrafa de Welles, Barbara Leaming; contratado inicialmente para uma temporada de 9 semanas, prorrogada por mais 26, tinha, entretanto, um lado negativo. A CBS colocou Orson no mesmo horário do mais popular programa radiofônico da época na América, o "Chase and San Born Hour", do ventríloquo Edgar Berger (1903-1978), pai da atriz Candice Berger, e que era apresentado nos domingos à noite. Berger e seu famoso boneco Charlie McCarthy eram praticamente impossíveis de serem suplantados. O "Mercury Theatre on the Air", havia começado em meados de setembro, com roteiros de Howard Kock e produção de Paul Stewart. Durante mais de um mês se manteve em relativa obscuridade. Todas as semanas, a única chance que tinha de atrair ouvintes era quando Edgar Berger apresentava um convidado especial. Nesse instante, se a atração não fosse maior, o público radiofônico da América inteira trocava logo de estação para ver o que havia mais para escutar, antes de girar de novo o botão à procura de Charlie McCarthy. Até então Orson não tivera muita sorte em cativar a atenção dos ouvintes, que pouco se interessavam pela CBS. A idéia bem bolada do roteiro de "A Guerra dos Mundos" era criar a ilusão de o ouvinte pegar por acaso um programa de música para dançar ao vivo, que, a todo instante, seria interrompido por notícias-relâmpagos sobre "um enorme objeto flamejante, que se julgava ser um meteorito" que acabara de cair numa fazenda de Nova Jersey e que no fim significava a primeira investida de uma invasão da Terra, em grande escala, pelos marcianos. Submetida, como sempre acontecia nos roteiros de Welles, à aprovação dos censores da CBS, o texto sofreu 27 modificações insignificantes, como, por exemplo, a troca do Hotel Biltmore, que de fato existia, pelo fictício Hotel Park Plaza e da Jersey State Guard pela Jersey State Militar - tudo no interesse de atenuar a verossimilhança. Pouco antes de entrar no ar, no Dia das Bruxas, Orson efetuou mudanças de última hora no roteiro que segundo Barbara Leaming ("Orson Welles, uma Biografia", L&PM, 1985, 572 páginas), "pareciam ainda mais sem graça as anteriores". Embora parecesse bem mais lógico acentuar o suposto noticiário do que a música das big bands ("boba", segundo Barbara), Orson queria que a orquestra continuasse tocando por períodos insuportáveis de tempo. Mal os ouvintes começavam a prestar atenção às interrupções do noticiário, "logo voltaria aquela chatice da música outra vez". Às oito horas da noite o programa ia começar. Depois que o locutor anunciou com toda a clareza que "Orson Welles e o Mercury Theatre no Ar apresentam "A Guerra dos Mundos", de H. G. Wells", a ação fictícia se iniciava no Meridien Room do Hotel Park Plaza, onde Ramon Roquello e sua orquestra estavam tocando. - "Senhoras e senhores, interrompemos nosso programa de música de dança para transmitir o boletim especial que acabamos de receber da agência Intercontinental de Notícias". Era a primeira de várias interrupções semelhantes que comunicavam uma série de explosões misteriosas em Marte e, por fim, a de "um objeto descomunal flamejante", que caíra em uma fazenda perto de Grove Mill, Nova Jersey. Quando eventualmente um jornalista fictício, "Carl Phillips", conseguiu chegar ao local, ouvia-se a voz dele informando que não se tratava de um meteorito, mas de um OVNI, em torno do qual já se aglomerava uma multidão de curiosos. Enquanto Phillips acompanhava a cena horrorizado, um monstruoso alienígena começava a sair da espaçonave. A descrição do jornalista era de um monstro assustador. E por aí afora, sem parar, cada boletim mais trepidante que o outro, alternando com a música insossa. Orson interpretava o papel de um astrônomo (Pierson), convocado para explicar como os alienígenas haviam acabado de matar uma porção de espectadores humanos, fulminados pelo fogo, "inclusive o jornalista Carl Phillips".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
21/10/1988

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