Nunca esqueço o exemplo de Elomar Figuera de Melo: há 7 anos, seu "Das Barrancas do Rio Gavião" (Philips, produção de Roberto Santana) passou despercebido e só no ano passado, com "Na Quadrada das Águas Perdidas" teve o reconhecimento nacional, especialmente através da premiação pela Associação Paulista de Críticos de Arte como personalidade do ano, área MPB. Hoje Leomar é um artista famoso e que acaba de ter o seu show com o pianista Arthur Moreira Lima lançado em elepê pela Marcus Pereira, infelizmente atualmente sem divulgação no Paraná. O exemplo de Elomar me vem à cabeça ao ouvir "Nordestinados" (Chantecler) com a poesia de Marcus Accioly e a música de César Barreto. A audição deste elepê, que está passando totalmente anônima, é simplesmente emocionante. Para mim, com certeza, está entre os dez melhores discos brasileiros do ano e chamo a atenção para o mesmo. Longe de um disco regional, com música não urbana como caracteriza a maior parte da produção do selo Chantecler, temos aqui o exemplo da poesia altamente trabalhada de Marcus Accioly, vários livros publicados e que representa a Funarte em Recife. A estudiosa Nelly Novaes Coelho, colaboradora de suplementos literários, explica em lúcido texto no encarte do disco a [importância] da poesia que Accioly desenvolve - e o encontrou em Cesar Barreto, o compositor ideal para dar a estrutura musical. O resultado são 12 temas brasileiríssimos num simples registro jornalístico todas as imagens que Accioly obtém em seus versos, onde a vida é sorte pura, é vivência, é predestinação expressa através dos olhos do tempo, dos ouvidos de vozes, do saber de idades, do tato das coisas e com cheiro de lembranças. Pernambuco de Aliança, Marcus Accioly vem publicando suas poesias desde 1968 ("Cancioneiro"), tendo com "Guriatã - Um Cordel para Menino", obtido o prêmio Fernando Chinaglia, no ano passado. Do encontro com o jovem cantor e músico cearense Cesar Barreto nasceu um elo definitivo entre a universalidade de "Nordestinados" com a música. Pois foi desse encontro que surgiu a idéia de se fazer um disco com poemas de Marcus Accioly, musicados pelo talento de Cesar Barreto. Definindo o trabalho musical, os dois partiram para a escolha dos poemas que integrariam o disco. E o resultado está no elepê valorizado pela presença de músicos dos mais competentes - além de uma nova cantora (Fátima Goulart) e cujos cuidados de produção vão até a capa, reproduzindo um desenho de Araújo Júnior. As doze faixas sintetizam, a beleza e poética de Accioly, havendo a participação especial do conjunto pernambucano "O Som da Terra". Em "Nordestinados", Marcus Accioly "revela o poeta culto que, consciente, assume a função de "cantador" de seu tempo, sua gente, sua terra... sabendo-se herdeiro, testemunho e modificador ao mesmo tempo. E não só das cantorias em sua musicalidade e pitoresco imaginativo, mas principalmente em suas estruturas fixas de composição 'estrofes, metros, rimas, ritmos...) Só pelo confronto entre ambas ressaltará, de maneira objetiva a "garra" e a intencionalidade do poeta Accioly, como só pelo conhecimento da primitiva música dos pífanos, rebecas, violas, berimbaus, zabumbas... podemos avaliar a riqueza criativa da "música" que faz parte da sua poesia.

Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:

Veiculo: Estado do Paraná

Caderno ou Suplemento: Nenhum

Coluna ou Seção: Música

Página: 26

Data: 07/12/1980