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Nova York, nas estórias de Woody Allen, Scorsese e Coppola

Aramis Millarch, de Nova York Não é apenas o prefeito Jaime Lerner que gosta muito de Woody Allen. O seu colega Edward Cock, mayor desta cidade também demonstrou simpatia para com o realizador de "Hannah e Suas Irmãs". No episódio "Oedipus Wrecks", terceira das "New York Stories", numa rápida seqüência, o prefeito de New York aparece dando uma entrevista inserida dentro da deliciosa história, com toques do humor surrealista, que faz o episódio de Allen atrair filas de espectadores de 97 cinemas nos quais o filme está em exibição desde sexta-feira, 10. Estreado há três semanas, então em quatro pequenas salas de Manhattan - Guild 50th, Cinema I, Gramercy e Loews 84th, "New York Stories" se constitui no principal programa neste finalzinho de inverno, véspera da entrega do 61º Oscar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, - e cujos nominations já foram todos exibidos aqui. Produção recentíssima, distribuída pela Touchstone, "New York Stories" tem tudo para se transformar no sucesso da temporada. Além do episódio de Woody Allen, o filme tem outras duas estórias dirigidas por cineastas tão famosos e admirados quanto Allen: Francis Coppola ("Life Without Zoe") e Martin Scorsese ("Life Lessons"). O projeto de reunir três realizadores profundamente identificados à cidade de Nova Iorque num filme de episódios (fórmula bastante utilizada pelos cinemas francês e italiano nos anos 50/60), foi administrada pela dupla de produtores que há mais de 10 anos está ligada a Allen: Jack Rollins e Charles H. Joffe. Afora a emoção normal de assistir a "New York Stories", com todas as seqüências de exteriores, rodadas em conhecidos espaços de Manhattan - Rockfeller Center, Central Park, 5th Avenue etc. saindo-se da sala de exibição e estando-se nos locais nos quais, no segundo semestre do ano passado, a produção foi realizada, o fato é que o filme tem méritos que o farão, com toda certeza, um sucesso internacional. Afinal, Allen e seus colegas Scorsese e Coppola utilizaram aquele ensinamento do velho mestre russo Leon Tolstoi: "se queres ser universal, cante a sua aldeia". Embora a aldeia no caso de New York Stories seja uma megalópolis de mais de 12 milhões de habitantes, as três histórias nova-iorquinas falam de seres humanos, seus dramas, sonhos e reações numa mistura de temas dos mais felizes. A diversificação com que Allen, Coppola e Scorsese trataram suas histórias curtas não impede que o filme tenha unidade e, especialmente, grande empatia para com o público - que permanece tenso no primeiro episódio ("Life Lessons") emociona-se e sorri com "Life Without Zoe" e, finalmente, gargalha com "Oedipus Wrecks", de Allen - sem dúvida o que mais agrada e de mais fácil comunicação. Horas de Ciúme & Paixão - Realizado logo após Martin Scorsese ter concluído o filme-polêmica do ano passado - "A Última Tentação de Cristo" - seu episódio "Life Lessons" é o mais sério da trilogia "New York Stories". De certa forma é uma espécie de continuação de Depois de Horas (After Hours, 1987, já exibido no Brasil), com os mesmos cenários daquele pesadelo em preto e branco, ambientado no bairro boêmio de SoHo - adiante do Village e que a partir dos anos 70 passou a abrigar estúdios de artistas, galerias de arte, bares, restaurantes, teatros etc. - como foi Village nos anos 50. O episódio começa com um reencontro no aeroporto de La Guardia entre um pintor, Lionel Dobie (Nick Nolte, até em maior evidência no momento, com dois outros filmes de sucesso em exibição aqui - "Three Fugitive", de Francis Verber e, especialmente, "Far Farewell To The King", de John Milius) e sua antiga amante (Rosana Arquette, conhecida do público brasileiro por "Procura-se Susan Desesperadamente"). A partir deste reencontro - antecedendo os créditos, resultam 40 minutos de uma relação neurótica de paixão e ciúme, com traições da mulher e o desespero do pintor Dobie, que, no final, consola-se com o sucesso de sua individual e o assédio de uma bela admiradora, capaz de substituir a paixão anterior. O episódio é tenso e dramático, mas conduzido com extrema segurança, num roteiro preciso de Richard Price. Conto de fadas ao estilo Manhattan - Em "Life Without Zoe", realizado após "Tucker - Um homem e seu sonho", e antes de exilar-se na Itália, onde está realizando avançados projetos de cinema, Coppola não apenas retoma uma linha de cinema de grande sensibilidade e pureza (como no seu primeiro longa, "Meu Filho, Agora Você é Um Homem", 1967), como usou praticamente toda a família para uma história escrita em colaboração com Sofia Coppola em torno de uma encantadora adolescente, filha de ricos pais divorciados, morando num dos mais sofisticados apart-hotéis de Manhattan, que conhece o filho de um sheik e, por acaso, descobre uma relação de seu pai, um famoso flautista (Giancarlo Gianini) com uma princesa árabe. A mãe, (Talia Shire, irmã de Francis Coppola) tenta uma reconciliação com o marido e tudo acaba de forma belamente turística nos cenários da Acrópole, em Atenas, no qual acontece um grande concerto. Há lirismo na história, imagens belíssimas e, especialmente ternura nos personagens jovens. Allen Fantástico - Depois de suas duas últimas experiências de fazer cinema "sério", no qual apenas limitou-se à direção, roteiro e seleção das trilhas sonoras - "Setembro" (1987, já exibido no Brasil) e "A Outra" (1988, lançamento previsto pela Foz do Brasil para esta semana), Woody Allen retorna com "Oedipus Wrecks" ao gênero que o consagrou - e que melhor sabe fazer: a comédia com toques de non sense e surrealismo, profundamente crítica e com a empatia do personagem urbano, neurótico e sensível - que tornou clássico em filmes como "Annie Hall" ("Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", 77) que lhe valeu um Oscar que se recusou a ir receber em Los Angeles para não deixar sua amada New York que enalteceu em filmes como "Manhattan Memories", "Broadway Danny Rose", "Hannah e Suas Irmãs" - entre os que o transformaram num dos cineastas mais admirados nos últimos dez anos. Em "Oedipus Wrecks", Allen é um advogado decidido a casar com uma senhora mãe de três filhos (Mia Farrow, sua esposa, na vida real, e musa desde 1974), mas que não é aceita pela sua mãe, uma velhinha chata mas também simpática, que inferniza sua vida. Uma tarde, quando a família vai num espetáculo de variedades, a velhinha é convocada ao palco para um número feito por um mágico e, para surpresa de todos, desaparece. Ao invés de desespero, o personagem vivido por Allen sente um grande alívio - e dispensando até o detetive encarregado da investigação. A vida com a amante (Mia) passa a ser tranqüila mas dura pouco tempo: sua mãe surge em forma gigantesca, nos céus de Manhattan, cobrando a "infidelidade" do filho e exigindo que abandone a mulher escolhida. Seqüências divertidas acontecem: Allen perseguido pela imagem da mãe nas ruas de Manhattan, a solidariedade da população em relação aos protestos da velhinha surgindo no céu pela "desobediência" do filho e até uma entrevista do prefeito Koch, que respondendo à questão sobre a permanência da imagem-fantasma da velha senhora nos céus de Manhattan, diz que "ela pode ali permanecer, pois é uma cidadã com seus direitos". Naturalmente há cenas de consulta ao psiquiatra - (quando Allen parece dirigir-se diretamente à platéia) muitos exteriores que Allen tanto adora e, sobretudo, uma trilha sonora magnífica, no qual mostra, como em filmes anteriores, o seu extraordinário conhecimento musical ao selecionar os temas mais apropriados - a começar pelo clássico de Jerome Kern, "All The Things You Are". Admirador número um do sueco Ingmar Bergman - que homenageou explicitamente em "Interiores" e "Setembro" (ambos incompreendidos pelo grande público tradicional), Allen recorreu para fotografar "Oedipus Wrecks", o mestre das imagens do cinema sueco, Sven ?????. Aliás, os fotógrafos dos dois outros episódios de "New York Stories" são também excelentes: Nestor Almendros ("Life Lessons" de Scorsese) e o italiano Vittorio Storaro em "Life Without Zoe" (de Coppola). New York Stories vai demorar para chegar ao Brasil - e só agora começaram a sair as primeiras críticas. Para David Ansen, Woody Allen "está no auge de sua forma cômica" - conforme escreveu no "Newsweek". O episódio de Scorsese foi definido por Kathleen Caroll, do "New York Daily News", como "um conto enlouquecedor com tensão erótica". A melhor definição foi dada, com exatidão, por Mike Clark, do "Usa Today" - que atinge 5,3 milhões de leitores: "New York Stories is a Must". LEGENDA FOTO - Anúncio de "The New York Times" desta semana.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
9
26/03/1989

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