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Aramis

O canto sertanejo que a urbanização transformou

Com o especial que dedicou a dupla Leandro & Leonardo, a Rede Globo rendeu-se ao óbvio: a força da música rurbana que, nestes últimos anos, ascendeu como uma das tábuas de salvação do show bussines nacional. Classificar as duplas jovens que saindo do meio rural acabam conquistando platéias urbanas - sem perder o contato com o público do Interior - como sertanejos e caipiras há muito perdeu o significado. Pela própria transformação comportamental das platéias de consumo, a música que, a partir de 1929, passou a ser gravada pelo escritor e produtor cultural Cornélio Pires (1884-1958) adquiriu hoje novos contornos. No máximo, o rótulo de rurbanos - ou mesmo o discriminatório brega - é que se aplica aos new-sertanejos, que nesta época em que os eventos agropastoris abriram amplas faixas de consumo transformaram-se em ícones de uma prosperidade traduzida em cartões importados, trajes, chapéus ao estilo country e jóias identificando suas condições de novos-bilionários da música brasileira. Assim, a pureza, ingenuidade e ternura das duplas e trios que identificavam a música e o humor do homem interiorano - e que encontraram em Pires o primeiro a acreditar na sua força de comunicação/vendagem (com recursos próprios, Cornélio financiou a prensagem de uma série da chamada "Turma Caipira" com o qual saiu a vender discos 78 rpm pelo Interior de São Paulo no final dos anos 20) - hoje desapareceu praticamente. Com exceção da dupla Tonico & Tinoco (João Salvador Perez 1919 e José Perez 1920 - respectivamente) - e, entre os mais jovens, dos mineiros Pena Branca & Xavantinho - o estilo ingênuo que fazia a marca registrada de duplas como Cascatinha & Inhana, Jararaca & Ratinho e, especialmente - para ficarmos em poucos exemplos - Belarmino & Gabriela, praticamente desapareceu. Orgulhamo-nos, como jornalista, de, mais 30 anos, termos tido a preocupação de já entrevistar Salvador Graciano (1923-21/06/1984) o Nhô Belarmino e sua esposa e parceira, Nhá Gabriela (Julia Alves, Curitiba - 1923) para a antiga revista "NP em Revista", editada por Aristeu Brandespim, buscando dar uma visão da importância cultural que a dupla - o maior exemplo de ídolos populares dos tempos dos programas de auditório da Rádio Guairacá, A Voz Nativa da Terra dos Pinheirais, e cuja comunicação mantiveram por toda a vida profissional. Há 12 anos, no seminário "Linguagens e Rumos da Canção Brasileira" - evento paralelo ao "Brasil de todos os Cantos" (Teatro Guaíra, pela primeira vez, pesquisadores, professores, críticos, teóricos e produtores culturais debruçaram-se sobre uma reavaliação da música não-urbana, tentando estabelecer um mapeamento e mesmo uma diferenciação das diferentes formas de expressão artística-musical entre os produtores artísticos vindos do Interior. Um projeto que, infelizmente, ainda não teve a continuidade devida, embora exista o projeto da Secretaria da Cultura do Paraná em promover, em maio próximo, um encontro com algumas linhas semelhantes na cidade de Foz do Iguaçu - mas sobre o qual se desconhece maiores detalhes. Quando uma jornalista (Soninha Nasser) volta seu olhar para uma personalidade artística da dimensão de "Nhá" Gabriela, lhe dedicando uma carinhosa entrevista, sentimos que a música de raízes de nosso passado ainda encontra pessoas sensíveis para ser estudada e melhor conhecida.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
1
23/02/1992

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