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O cinema brasileiro em Fortaleza

Fortaleza - O Brasil-87, nas imagens de filmes recém concluídos, alguns em primeiríssima projeção, estão nas telas do São Luiz, um dos últimos remanescentes da época de ouro do cinema em termos de projeção: uma sala de 1.500 lugares, revestimento de mármore, lustres de cristais, tela ampla. Iniciada as obras em 1947, foi inaugurada há 37 anos. Os diretores do festival, Pedro Jorge Castro e Jefferson Albuquerque Júnior, tiveram a feliz idéia de estabelecer para os longas, apenas uma mostra de seleção, assim os realizadores de filmes que normalmente seriam arriscados participar de um festival competitivo, aqui estão. A abertura, no domingo, não poderia ter sido melhor: "Fronteira das Almas", segundo longa-metragem de Hermano Penna, 42 anos, cearense do Crato, emocionou o público e, nos debates ocorridos na manhã de segunda-feira, obteve praticamente unanimidade: é atualíssimo, trazendo uma realidade contemporânea - a colonização, a luta pela terra, o drama dos posseiros e pequenos proprietários, expulsos pelos grandes que exploram a região. Depois de cerca de 20 documentários, entre curtas e longas, e uma estréia com "Sargento Getúlio", do romance do baiano João Ubaldo Ribeiro, Penna traz para a tela a verdadeira saga sobre dois irmãos que, na Amazônia, buscam retirar da terra a sua sobrevivência. O projeto, na verdade, foi iniciado antes mesmo do "Sargento Getúlio", mas só nos últimos três anos foi possível levantar os US$ 5 mil para financiar este filme rodado em Rondônia, em situação das mais adversas (vários membros da equipe chegaram a contrair malária), e que busca um realismo intenso na presença do homem na floresta. A fotografia de Antônio Luís Soares captura a exuberância da Amazônia, já a partir da tomada aérea que abre o filme. O abate de árvores frondosas ("nenhuma foi derrubada para o filme, apenas aproveitamos para filmar o desmatamento", diz o diretor), todo o clima de mormaço da região é transmitido nesta obra que, para Hermano, representa a "própria agonia da floresta, sem discursos ecológicos, mas com a emoção". Os personagens deste filme, de imagens fortes e vigorosas, são desglamorizados, buscando o real - com o calejado Genésio, interpretado pelo ator sergipano Orlando Vieira, 52 anos, que em "Sargento Getúlio" vivia o motorista, Suzana Gonçalves, ex-atriz de telenovela da Globo, ex-namorado do compositor Toquinho (com quem inclusive esteve duas vezes em Curitiba) é uma surpresa. Vivendo há mais de seis anos em Porto Velho, casada com um rico fazendeiro da região, aceitou participar do filme interpretando a personagem Dalvina, uma mulher sofrida que ampara o seu marido Tião (Fernando Bezerra), que não podendo pagar um empréstimo bancário, perde a propriedade e termina o filme seguindo para uma nova fronteira agrícola na selva - numa imagem que não deixa de ser de esperança - em contradição ao retorno do casal Luciana / Genésio que, derrotados, voltam à cidade grande, engrossando a legião de bóias-frias. "Fronteira das Almas" é um filme que aborda, pela primeira vez em termos de longa-metragem, a questão da exploração agrária da Amazônia, denunciando a violência, os interesses multinacionais, a corrupção da Justiça. Hermano Penna, que havia feito a fotografia - e "Expropriado", o documentário do cineasta paraense Frederico Füllgraf sobre os agricultores que foram expulsos das férteis terras atingidas pelo lago do Itaipu e foram para a Amazônia, realizou um filme com "parentesco natural com a obra de Füllgraf - também aproximando-se indiretamente de "A Classe Roceira", o contundente documentário da curitibana Berenice Mendes, que, na mostra competitiva de 16mm, será exibido no sábado 8. Pela riqueza de suas propostas sociais, "Fronteira das Almas" proporciona diferentes leituras, interpretações e reflexões. Como disse o crítico José Carvalho da Matta, diretor do festival de cinema de Brasília, aqui presente, "seus personagens são filhos e netos" de Fabiano, Sinhá Vitória, o Gaúcho, o vaqueiro Manuel que tanto marcaram "Vidas Secas" de Glauber Rocha. Assim, "Fronteira das Almas", independente da apreciação estética, é um filme de coragem, falando de coisas deste Brasil novo que, em questão de meses, transforma regiões da Amazônia - fazendo com que o sangue de agricultores seja derramado sobre o verde da floresta. Emocionada, a professora Violeta Arraes - irmã do governador Miguel Arraes de Pernambuco, diplomata, residente em Paris - e que veio assistir ao festival, lembrava, no debate, até "um aspecto cristão, franciscano e espiritual, que faz com que "Fronteira das Almas" seja uma obra emocionante em seu realismo. LEGENDA FOTO - Antônio Leite e Joel Barcelos em "Fronteira das Almas", do cineasta cearense Hermano Penna.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
05/08/1987

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