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Aramis

O cinema cearense que está chegando

"O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto", um longa-metragem, em 16mm, realizado pelo cineasta Rosemberg Cariry, foi o vencedor da última Jornada do Documentário, organizada por Guido Araujo. "Tana's Take", curta-metragem do alagoano Almir Guilherme e "Evocações... Nelson Ferreira" dos pernambucanos Flávio Rodrigues e Fernando Spencer e "Quem Matou Elias Zi?", do maranhense Murilo Santos estão entre os curtas mais interessantes exibidos paralelamente à I Mostra do Cinema Latino-Americano (Curitiba, 4 a 10 de outubro). Em Natal, de 19 a 25 de outubro, paralelamente ao I Festival do Cinema Brasileiro de Natal, acontece o seminário "A Presença do Nordeste no cinema Brasileiro", com uma análise do cinema feito naquela região. Durante o II Festival do Cinema Brasileiro de Fortaleza, no início de agosto, houve uma mostra vigorosa do melhor cinema nacional, com filmes inéditos, entre os mais interessantes da produção de 1986/87 - abrindo justamente com uma realização do cineasta cearense Hermano Penna, "Fronteira das Almas" - que focaliza a questão da terra na Amazônia - após ter sido exibido na mostra latino-americana em Curitiba concorreu no Festival de Brasília. Pedro Jorge de Castro, 43 anos, diretor do Festival de Fortaleza, professor de cinema da Universidade de Brasília - onde reside - finalmente lança neste último trimestre do ano, o seu primeiro longa-metragem, "Tigipió" (Cine Luz), que há 3 anos aguardava oportunidade de chegar ao circuito comercial. Neste período, levado a vários festivais, este vigoroso filme baseado num conto de Herman Lima (1897-1981), conquistou prêmios: o Pierre Kast, no I FestRio, em 1985; o Dom Quixote, da Federação Internacional de Cine Clubes da Suiça, valendo o troféu Candango ao ator coadjuvante B. de Paiva no XVIII Festival de Brasília (1985) e o Gran Coral a José Dumont como melhor atuação masculina, no 7º Festival Del Nuevo Cine Latino Americano, em Havana. Tigipió Com dificuldades ainda maiores do que enfrentam os realizadores do eixo Rio-São Paulo, os cineastas do Nordeste, a exemplo do que tentam fazer os paranaenses, procuram implantar um cinema de raízes. Partindo dos curta-metragens, passando pelos médias, nos últimos anos com a opção do vídeo, alguns conseguem chegar ao longa-metragem como Pedro Jorge. Tendo estudado na Itália entre 1965/71, realizou em Roma seu primeiro documentário ("Studenti Al Lavoro", 1968), as quais se seguiram, ao retornar ao Brasil, "Brinquedo Popular do Nordeste", 1976, melhor curta do X Festival de Brasília; "Chico da Silva", melhor filme de arte na Iª Mostra Nacional do Filme Documentário, realizada em Curitiba; "Memórias de Dona Maria I", "Boca de Forno" e "De Sol a Sol". Agora, Pedro Jorge prepara-se para o segundo longa-metragem - "O Calor da Pele", baseado num fato real ocorrido no interior do Ceará. Antes porém de mergulhar na pré-produção, cuida do lançamento de "Tigipió", que define como "um flagrante de personagens reais, que representam o final de um tempo, de uma época". A história se passa em Itaiçaba, a 150 km de Fortaleza, no ano de 1919. Nada precisou ser modificado no cenário para contar a trágica história de amor de Matilde (Regina Dourado), filha de um empobrecido coronel (B. de Paiva) com o engenheiro Heitor (José Dumont), enviado pelo governo para abrir uma frente de trabalho. O romance entre Heitor, moço fino, nascido em Fortaleza e formado no Rio de Janeiro e Matilde, brejeira e ingênua, que vive apenas para atender seu solitário pai, o coronel Cesário, que perdeu tudo o que tinha se transformou em homem áspero e seco como a seca, termina em tragédia; com um final surpreendente. Pedro Jorge captou a essência do drama social de Herman Lima, que definindo a razão da escolha do título para este seu conto publicado em 1926 e premiado pela Academia Brasileira de Letras, explicava que "Tigipió", frutinha redonda, cor de ouro, com cheiro e gosto de mel, quando comida em excesso envenena como um tóxico mortal. Pomo de volúpia e de morte - bem pode o tigipió da mata simbolizar os amores da cabocla cheia de amávios assassinos - fruto sápido e lindo, que seduziu e perdeu o viandante..." dizia o escritor. O filme de Pedro Jorge, que após ter sua pré-estréia na Mostra, agora entra em exibição no Luz, traz ao lado do já conhecido e premiadíssimo José Dumont (o ator nordestino mais requisitado dos últimos anos) e do veterano B. de Paiva, nome-lenda do teatro cearense, uma sensual atriz, Regina Dourado, hoje radicada em São Paulo mas que não perde suas raízes nordestinas. Tanto é que interpretou a personagem-título de "Tana's Take", um admirável curta, que foi mostrado na Mostra do Cinema Latino Americano e concorreu no XXº Festival de Cinema de Brasília. Um cinema nordestino Enquanto Pedro Jorge começa a viabilizar seu segundo longa-metragem, outro ativo cineasta cearense é Jefferson de Albuquerque, 38 anos, que após vários e premiados curta-metragens - inclusive o belo documentário sobre o repentista e poeta popular Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva, 77 anos) e experiências na produção de filmes tem atuado, na televisão (seu último trabalho foi a mini-série "O Pagador de Promessas", de Tizuka Yamazaki, para a Globo, exibição prevista para este final de ano). Albuquerque, que ao lado de Pedro Jorge montou e dirigiu o Festival de Fortaleza, começa a preparar seu primeiro longa-metragem que terá como cenário a praia de Canoa Quebrada, paraíso ecológico ameaçado pela ganância imobiliária e que já foi motivo de um tape-denúncia, realizado por Paulo Cesar Farah, funcionário da Funarte e que tem sido exibido para muitas autoridades. Rosemberg Carity, 40 anos, que em "O Caldeirão de Santa Cruz Deserto" (exibido durante 7 dias na Cinemateca) resgata um trágico fato histórico ocorrido há meio século, no interior do Ceará, com a morte de milhares de camponeses - e com certas conexões que lembram a guerra de Canudos, (e praticamente ignorado na história oficial) já trabalha em dois novos documentários, ambos sobre aspectos da música popular do Ceará. Um é sobre o cantador e tocador de rabeca Cego Oliveira, 75 anos, de Juazeiro do Norte e outro sobre uma banda de pífaros. Jefferson Albuquerque também já se voltou sobre a temática musical nordestina, realizando o elogiado curta-metragem, "Músicos Camponeses", rodado na região do Crato. Cenário até hoje de filmes realizados por cineastas vindos de outros Estados e mesmo do exterior, como Orson Welles (1905-1985), que em 1942, se deslumbrou com a beleza das praias de Fortaleza, documentando-as em seu inacabado "It's All True" (1), o Ceará começa a ter agora o seu cinema fortalecido. Para tanto, foi importante o trabalho de cearenses bem sucedidos no cinema brasileiro - como Luís Carlos Barreto, Renato Aragão e Zelito Vianna (irmão de Chico Anísio), que junto com Violeta Arraes (uma espécie de consul cultural do Brasil em Paris) e mais os cineastas do Estado, em definir um projeto de desenvolvimento cinematográfico e em vídeo, que ganhou o amplo apoio do Governo daquele Estado. Nota (1) Considerado perdido durante quase 40 anos, os negativos que Welles rodou no Brasil, em seu inacabado projeto, foram descobertos nos depósitos da antiga RKO e, graças ao apoio do American Film Institut, o seu assistente na época, Richard Wilson, hoje com 75 anos, pôde reconstruir um belíssimo média-metragem, "Five Men And a Raft", que abriu o III FestRio, em novembro do ano passado. LEGENDA FOTO - Dumont e Regina Dourado em "Tigipió" em exibição desde quinta-feira no cine Luz.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
8
24/10/1987

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