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Aramis

O filme que apaixona já na primeira vista

Nos pequenos frascos os melhores perfumes. A frase-clichê, kitsch mesmo em termos de citação, pode ser lembrada perfeitamente para a recomendação a este delicioso, terno e simpático "Amor à Segunda Vista" (Cinema I, 4 sessões, até amanhã). Discreto, sem nomes famosos - exceto Amy Irving, mais notícia na imprensa nacional por sua separação bilionária de Steven Spielberg (uma pensão de US$ 100 milhões) e agora, em férias no Rio de Janeiro, com seu novo marido, o carioca Bruno Barreto (que a dirigiu em "A Show of Force", ainda não lançado nos EUA) - "Amor à Segunda Vista" é uma pequena peça teatral (adaptada ao cinema pela própria autora, Susan Sandler) que fez sucesso off-Broadway há alguns anos, "Crossing Delaney" conservou alguns traços teatrais - especialmente nas interpretações do elenco, competente, basicamente, vindo dos palcos nova-iorquinos. Assumidamente a diretora Joan Micklin Silver fez um filme-homenagem a Woody Allen: as filmagens em exteriores da Big Apple, o próprio envolvimento dos personagens e duas claras citações. "Explicitamente, quando há uma lembrança de "Annie Hall" - traduzida como "noiva neurótica" - em referência ao título que o filme teve no Brasil ("Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", 1977) e outra mais visual, quando Izzy (Amy Irving), sai na rua, com duas amigas - clara lembrança a uma das seqüências de "Hannah e suas Irmãs" (1986), outro nova-iorquino filme de Allen. xxx "Crossing Delaney" é um referência geográfica a um bairro nova-iorquino - embora a ação se amplie por diferentes endereços: o apartamento em que Isabelle Grossman (Izzy), 3 anos, vive sozinha (recebendo eventualmente a visita de um amigo colorido, barbudo como um petista), a casa e a vizinhança de sua avó, a enternecedora Bubbie Kantor (Rizl Boyzyk) e a aconchegante livraria na qual trabalha. Como Woody Allen sempre que pode valoriza espaços culturais, o roteiro de Susan Sandler buscou criar um espaço literário dos sonhos de gente que ama os livros - como Tonitaco Miranda, De Biase e que há meses vem tentando fazer em Curitiba do Ypê Amarelo (Rua Comendador Araújo, 96) mais do que a venda de livros, um ambiente realmente inteligente. A livraria do simpático Lionel (George Martin), que Izzy gerencia - e na qual organiza leituras-noites de autógrafos com nomes famosos, que faz um encanto especial. Sem chegar a ser um filme-bibliófilo - como foi o emocionante "Nunca te vi Sempre te Amei", "Amor à Segunda Vista" tem (também) este prisma de encanto/empatia. A história é simples, talvez contada de outras vezes, em outras palavras/imagens, mas que adquire uma personalidade própria na ótica feminina da sensibilidade-fêmea da cineasta Joan Micklin Silver, trabalhando sobre o texto de outra mulher (Susan Sandler) e com um elenco que privilegia as personagens mulheres. Isabelle Grossman vive feliz em seu universo: trabalha numa livraria ("a última a resistir, no velho estilo, em Nova York", diz, com orgulho o proprietário Lionel), conhece escritores famosos e é carinhosa com sua velha avó, Bubbie - já que seus pais residem na Flórida. A avó, entretanto, quer ver a neta casada e em cumplicidade com uma casamenteira, Hannah Menndlbaum (Sylvia Miles, excelente) força um encontro com um quarentão solteiro, dono de seu próprio negócio: a comercialização de pickles. Izzy, mais sofisticada e intelectual, mostra-se interessada num machista escritor holandês, Antônio Maes (Jeroen Krabbe), e tenta passar o admirador a uma amiga, Marilyn Cohen (Suzzy Roche). Só que o coração tem razões que a própria razão desconhece e os envolvimentos se perturbam, em veredas diversas - tudo embalado nas tradições idish da comunidade. Sem dramas e baixas, num astral sempre positivo, tudo acaba bem e há o clima de comédia - não o riso fácil, mas o (so)rriso inteligente e feliz, do espectador que deixa o cinema com a satisfação de ter ganho (e não perdido) duas horas vendo um filme que reúne condições para figurar entre os melhores do ano. Justamente pela simplicidade, sentimentos e ternura com que a história é contada. Amy Irving, 33 anos, que já em "Yentl" de Barbra Streisand, ganhou uma indicação ao Oscar como melhor coadjuvante, dona de dois olhos belíssimos - como os de Maysa, "não pacíficos" (na feliz definição do poeta Manuel Bandeira) está fascinante: nem extraordinariamente bela, nem feia, seus cabelos encaracolados, sua presença de mulher independente, up to date, passa uma simpatia imensa, tão grande quanto a da encantadora avó Bubbie, ou a casamenteira Hannah - com sua simpatia idish, comilona e fofoqueira - mas extremamente próxima de todos nós, que, de uma forma ou outra, conhecemos alguém com ela parecido. Sam Posner (Peter Riegert) não chega a ter a dramaticidade de "Marty" - o açougueiro do Bronx que, há 36 anos passados, emocionava platéias na interpretação de Ernest Borgnine (no filme de Delbert Mann, em sua estréia no cinema) - mas também possui aqueles ingredientes de ternura: a profissão dura que o obriga a passar lavando as mãos, "para tirar o cheiro de pickles", o choque cultural que, a primeira vista, provoca com a intelectualizada Izzy. Mas já dizia Noel Rosa, que não se deve nunca perder um bom coração e Sam é um caráter cativante - que faz com que por ele se apaixone afetivamente a velha Bubbie (embalada por litros de Schnapps) e, ao final, a própria Izzy - depois de perceber que o escritor holandês Anton é tão frio quanto o computador que usa. Humanamente, "Amor à Segunda Vista", já seria um filme admirável mas ainda há outros aspectos significativos: a fotografia (do holandês Theo van De Sande) captura as belas imagens nova-iorquinas, as ruas, os tipos humanos, enquanto a música de Paul Chihara o faz merecer anotações como revelação: um tema em scatt, vocalizado, é extraordinário - e nos faz lamentar que esta sound track não tenha saído no Brasil. Um grupo The Roches, traz outros temas e entre as músicas incidentais até uma nostálgica referência Benny Goodmann - tudo contribuindo para fazer deste "Crossing Delaney" uma das melhores estréias deste início de ano - tão interessante quanto foi "Falling in Love", 85, de Ulu Grosbard - que, no Brasil, teve um título quase idêntico - e que pode até causar confusões: "Amor à Segunda Vista", refilmagem de "Desencanto" (Brief Encounter, 45, de David Lean) - com Meryl Streep e Robert De Niro. "Amor à Segunda Vista" é uma paixão para quem sabe amar o cinema-emoção. É um filme que se deseja rever, sem dúvida!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
13/02/1990

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