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Aramis

O filme que leva ao encontro da reflexão

"Kipling disse, certa vez, que esses gêmeos - com isso indicava o Oriente e o Ocidente - jamais se poderiam entender. Mas, na vida de Gurdjieff, em sua obra e em sua palavra, há uma filosofia saída das profundezas das sabedorias da Ásia, há alguma coisa que o homem do Ocidente pode compreender. E na obra desse homem e em seus pensamentos - no que fez e na maneira como o fez - o Ocidente encontra-se verdadeiramente com o Oriente". (Frank Lloyd Wright (1869-1959), um dos mais famosos arquitetos do mundo). A busca da verdade, da explicação para tantas inquietações humanas tem constituído um desafio não apenas aos filósofos, iluminados líderes espiritualistas, místicos de todas os matizes mas, especialmente, inspirados autores - de um Sommerset Maughan (1874-1966) com a inquietação de personagens como de "O Fio da Navalha" (1944) ao alemão Herman Hesse (1877-1962), cujos romances reflexivos como "Damian" (1919), "Sidarta" (1922) e "O Lobo da Estepe" (1949) disseram tanto a faixas amplas de leitores, em décadas passadas, como a Marion Zimmer Bradley tenta conseguir em seus best-sellers "As Brumas de Avalon" e "Rainha da Tempestade" e faz com que até o ex-roqueiro Paulo Coelho, 43 anos, tenha se tornado o mais novo milionário das letras com seus textos místicos - o último dos quais, "Brida", lidera a relação dos mais vendidos livros do ano. Seria, portanto, perfeitamente lógico que os leitores que buscam obras reflexivas, de indagações humanas, já tivessem se voltado ao menos e um dos livros de um dos mais profundos pensadores, George Ivanovitch Gurdjieff. (Alexandrópolis, província de Kars, Cáucaso, 1/1/1877 - Paris, 29/10/1949) - "Encontros com Homens Notáveis". Entretanto aproximar Gurdjieff de autores que buscam apenas o misticismo - muitas vezes de discutíveis propósitos (especialmente no caso do brasileiro Paulo Coelho) - pode até parecer heresia aos centros de estudos que, em vários países, se aprofundam nas idéias, interpretações e ensinamentos deixados pelo mestre caucaseano. Em Curitiba, dois núcleos dedicam-se a estes estudos e graças a um deles, que se reúne semanalmente na Associação Cristã Feminina, é que até quinta-feira estará em exibição (cine Groff, somente às 15 e 20 horas) "Meeting With Remarkable Men", realizado há 11 anos pelo inglês Peter Brook, numa produção administrada com poucos recursos através de fundos advindos principalmente de adeptos de Gurdjieff - de cujas teorias o próprio Brook admira, tanto é que teria projetos de realizar um novo filme a respeito. Neste "Encontros com Homens Notáveis", Brook - observando o livro, com o roteiro desenvolvido em colaboração com Jeanne De Saltzmann adaptando-o a uma linguagem cinematográfica de surpreendente dinamismo, acompanha a vida de Gurdjieff entre sua adolescência (interpretado pelo jovem ator) até o início da maturidade (já então com o Ator Dragan Masigmovic), após passar mais de 20 anos viajando pela Ásia e vivendo experiências em vários países. Foram os anos de maior importância para a formação de seu pensamento. Como ele próprio diria ao seu discípulo - e transmissor de suas idéias - o jornalista e escritor P. D. Ouspensky (1877-1947), em "Fragments dun Enseignment Inconnu" (primeira edição da Ed. Stock, Paris, 1950), foi a época dos chamados "Buscadores da Verdade" (não sabe-se, entretanto, quem tenham sido esses companheiros da juventude de Gurdjieff). Assim como o livro "Encontros com Homens Notáveis" não pretende ser uma autobiografia linear, também o filme não tem a intenção de ser uma biografia do pensador - que após a fase de viagens asiáticas, se fixaria em Fontenebleau, onde instalaria o seu Instituto para o Desenvolvimento Harmônico do Homem, cujas bases já havia lançado em Moscou, na primavera de 1915 (quando ocorreu o seu encontro com Ouspensky). Com a chegada da revolução, ao lado de alguns de seus discípulos, Gurdjieff empreendeu uma viagem pelo Cáucaso, seguindo depois para Constantinopla - onde também instalou um instituto. Seria, entretanto, na França, que o Instituto teria bases estáveis. Conforme nota da primeira edição de "Encontros..." na França (e cuja edição brasileira, em tradução de Eleonora Leitão de Carvalho em colaboração com membros da Sociedade para o Estudo de Pesquisas do Homem - Instituto Gurdjieff, saiu no Brasil pela Editora Pensamento, 296 páginas) escritores, artistas, nomes marcantes do pensamento e das letras o procurariam neste período. Entre eles, Margarete Anderson (-?-1893/1973) - editora de famosas revistas literárias, como "Little Review" (na qual saiu, em capítulos, "Ulisses", de James Joyce, proibido na época pela censura); a escritora Katherine Mansfield (1888-1923), quando já gravemente enferma, pediu para ser admitida no Pireuré (como os intelectuais chamavam o Instituto de Gurdjieff), que, no início resistiu a recebê-la devido seu estado físico, mas, no final acabou aceitando-a. Outros intelectuais, como os escritores franceses René Daumal (1908-1944), Luc Dietrich, Denis Saurat, diretor do Institut Français au Royame-uni, estiveram entre os discípulos de Gurdjieff - para alguns, uma espécie de precursor dos gurus indianos que, na década de 60, influenciariam a juventude européia e americana. Brook, cujos filmes normalmente são lentos e teatrais, surpreende. O ritmo de "Encontros..." é dinâmico, quase com momentos de um filme de aventuras - nas viagens de Gurdjieff pelos desertos, montanhas, encontrando pastores, soldados e a marcante figura do príncipe Lubovedsky (Terence Stamp) e, especialmente, os padres Giovani (Tom Fleming), Borsoh (David Markham) e Maxim (Bruce Purchase), além do tão buscado Bogga Eddin (Sami Tahanusi). Filmado basicamente em exteriores - no Afeganistão, numa paisagem inédita aos nosso olhos ocidentais, a câmera (de Geoff Glover) capta o essencial (e a cópia em exibição apresenta boa qualidade), sem perder-se em qualquer devaneio visual. Também o compositor, Gurdjieff teve na longa relação com Thomas de Hartmann (Ucrania, 1885 - Nova York, 1956) uma abertura para este lado de sensibilidade sonora e Brook escolheu composições do próprio Hartmann para a trilha sonora - com respeitosos arranjos de Laurence Rosenthal. Um personagem de extraordinária dimensão, e, sobretudo, um pensamento que, passados 41 anos de sua morte, contêm mais atualidade do que nunca, Gurdjieff não pode, obviamente, ser restrito apenas a uma simples visão de um filme sobre uma fase de sua vida - e tênues informações a respeito. Entretanto, como cinema, "Encontros com Homens Notáveis" é impressionantemente belo, religioso e que atinge especialmente jovens que, nas oito exibições já feitas no Groff deixam a sala emocionados - muitos até com lágrimas nos olhos. Por certo, a procura de "Encontros...", em sua tradução brasileira, deverá aumentar e os núcleos locais do Instituto Gurdjieff terão novos candidatos às suas reuniões - limitadas a pequenos grupos. Um filme especial, mais do que um cult movie, esta obra de Peter Brook é respeitosa, bela e profunda.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
04/09/1990

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