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Aramis

O melhor do som instrumental com Sebastião e seus amigos

A caveira-de-burro que a incompetência das últimas administrações parece ter enterrado na Praça Guido Viaro está sendo retirada. Isto graças à dedicação, entusiasmo e, sobretudo, bom relacionamento que Gersinho Bientinez, compositor, violonista e administrador, hoje responsável pelo Teatro Paiol, vem dedicando na árdua tarefa de fazer com que aquele espaço cultural, aproximando-se de seus 20 anos, recupere o prestígio que anos de abandono e boicote oficial o levaram - passando de um ativo centro cultural para um mausoléu de frustrações artísticas. As seis apresentações de casas lotadas - três das quais extras - que quatro dos mais notáveis instrumentistas-compositores brasileiros ali fizeram no último fim de semana e ontem à noite - provou que quando se oferece espetáculos de qualidade o público aparece e fica satisfeito. Possuindo prestígio, relacionamento e, sobretudo, a credibilidade que tanta falta faz para os animadores culturais da área oficial, Gersinho conseguiu que um de seus melhores amigos, o violonista e compositor Sebastião Tapajós trouxesse a Curitiba um espetáculo que merece ser levado a qualquer palco do mundo, praticamente sem ensaios, formado da identificação musical e afetiva entre o bom Sebastião, mais o tecladista Gilson Peranzetta, o grande Sivuca e Mauricinho Einhorn, o nosso mais completo executante de harmônica de boca, o espetáculo que os curitibanos puderam assistir é um exemplo de criatividade musical. Quatro solistas brilhantes num espetáculo coletivo, sem estrelismos, numa distribuição perfeita de temas, cada um mostrando porque é o melhor em seu instrumento, desenvolvendo músicas próprias ou de outros autores, partindo de uma melodia original e, livremente, explorando todas as possibilidades do improviso - mas sem afastar-se de uma linha basicamente brasileira e original, dispensando qualquer parafernália eletrônica, Sebastião, Peranzetta, Sivuca e Maurício, "all stars" legítimos, entusiasmaram com razão o público - e mesmo o espetáculo não tendo a promoção prévia merecida, um público interessantíssimo superlotou o Paiol obrigando que, Gersinho, com sua habilidade, programasse sessões extras - às 23h de sábado e domingo, e, num fato inédito, houvesse ontem, segunda-feira, mais uma apresentação - todas superlotadas. Aceitando um cachê muito menor do que costumam (e merecem) receber, Tião e seus amigos mostraram com este espetáculo que uma segurança instrumental, somada à dose de modéstia e humildade que caracteriza os talentos realmente autênticos, faz com que momentos de emoção (ainda) possam acontecer nestes dias de som eletrificado, cada vez mais pasteurizados e mediocrizados na mídia que nivela por baixo a nossa música. O próprio Sivuca (Severino Dias de Oliveira), 60 anos a serem completados no próximo dia 26 de maio, um dos acordeonistas-compositores mais completos do mundo - e que acaba de concluir um novo elepê ("Um Pé no Asfalto e outro na Buraqueira", Copacabana, lançamento dentro de algumas semanas), confessava, no intervalo entre um show e outro, no sábado, que "quando Tião (referindo-se a Sebastião Tapajós), falou-me do espetáculo não tive dúvidas: com companheiros como ele, Gilson e Maurício, não precisava nem ensaio". E nem precisou mesmo. Bastou passar o som para o espetáculo ficar redondo, podendo inclusive o repertório variar em temas, já que com milhares de horas de estrada sonora, cada um pode serelepar qualquer improvisação. Abrindo com o toque suave, romântico, dos teclados de Peranzetta, em seus temas "Uma Parte de Nós" e o frevo "Lá Vai o Cara", a entrada de Sebastião trazendo sua magia ecológica na inédita "Suíte Amazônica" (possivelmente sairá no próximo elepê pela L'Art, na qual fez seus dois últimos discos), seguido de "Juá Juá" e "Ao Longe" (esta uma parceria Peranzetta / João Cortez). Einhorn, 57 anos, que há 6 anos não atuava em Curitiba, com sua magia de gaitas de boca, após uma minimalista homenagem a Pixinguinha com a redução de "Carinhoso", extrapolou jazzisticamente em "Garota de Ipanema" - permitindo-se até citações de Gershwin ("Rhapsody in Blue") e seu prefixo, "Estamos Aí" (parceria com Durval Ferreira, 1962). Todo de branco, iluminado em alto astral, Sivuca entrou com seu acordeon fazendo o "Chorinho pra Ele" - homenagem que outro bruxo albino lhe dedicou (Hermeto Pascoal), lembrando a seguir um dos mais importantes compositores brasileiros, o histórico Luperce Miranda (Recife, 1904 - Rio de Janeiro, 1977), com a belíssima valsa "Quando me Lembro" - que Sivuca, que chegou a trabalhar com o líder do grupo "Turunas da Mauricéia" nos anos 50, pretende incluir num elepê de "arranjos sanfônicos". É claro que uma de suas obras primas, "João e Maria" (que ganhou uma das mais belas letras de Chico Buarque) não poderia faltar, antes que, integrando-se ao som de seus companheiros, viesse o bloco final: o inédito "Bom e Bonito" (Osvaldinho do Acordeon, também de seu próximo elepê) e homenagens especiais a Waldir Azevedo (1923-1980) com "Pedacinhos do Céu"; Zequinha de Abreu (1880-1935) com "Tico-Tico no Fubá" e, Antônio Carlos Jobim ("Corcovado"). Uma ordem musical inflexível [flexível], com substituições de temas em alguns espetáculos - pois como instrumentistas criativos, despejando toneladas de sonoridade em seus vôos musicais não precisam se ater a esquemas rígidos - muito pelo contrário! No sábado, após o primeiro espetáculo, o carioca Gilson Peranzetta, emocionado, viu ao final, as luzes apagarem-se e, conduzido pelas mãos das belas Laís Mann e Daisy Rassera, entrar um imenso bolo, com as 44 velinhas para comemorar o seu aniversário. O público, em pé, aplaudindo-o e o abraço dos companheiros, não poderia ser um melhor presente para esta estréia curitibana de um espetáculo musical, sem título definido - mas que bem se poderia chamar "Talentos all stars" - que, tranqüilamente, merecerá aplausos em qualquer palco em que seja apresentado, desde que haja um público com a mínima sensibilidade e ouvidos limpos para ouvir quatro exponenciais de nossa melhor música instrumental. LEGENDA FOTO - Tapajós: unindo-se a três amigos-virtuoses: Peranzetta, Einhorn e Sivuca - trouxe o melhor espetáculo instrumental para o Teatro Paiol no último fim de semana e que ganhou até uma apresentação extra ontem a noite.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
24/04/1990

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