Na filmografia do cinema das estradas no Brasil - ou seja, aqueles filmes que se voltaram para contar estórias de personagens que têm suas vidas ligadas às longas distâncias, o mais famoso destes foi uma pioneira série de televisão, produzida no início dos anos 60 e que tinha uma ligação muito forte com o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem: "O Vigilante Rodoviário", seriado que foi um dos marcos da televisão no Brasil, produzido numa época em que a então nascente forma de comunicação apresentava quase que exclusivamente os chamados "enlatados", filmes em série importados dos Estados Unidos. A estrela era o vigilante Carlos, que aliava sua eficiência na profissão de patrulheiro rodoviário com um combate incansável do crime. Para isso era ajudado por seu amiguinho Tuca, um menor abandonado que vivia de biscates e pelo fiel Lobo, um cão pastor amestrado. Os mais velhos lembram-se do sucesso que a série fez, a partir de 1961, quando chegou pela TV Paraná, canal 6, que foi a segunda estação de televisão do Paraná, inaugurada em 19 de dezembro de 1960 - poucas semanas Nagib Chede aqui ter impantado a pioneira TV Paranaense, cujas primeiras imagens foram ao ar no dia 29 de outubro de mesmo ano. Heróis nas estradas - embora "O Vigilante Rodoviário", uma série que teve 39 histórias (uma delas, aliás, rodada em Curitiba, com cenas na BR-116, em Vila Velha e no posto do Atuba, em 1963), tivesse sido a primeira a mostrar a figura do patrulheiro como herói, na verdade aquilo que se poderia chamar de cinema rodoviário teve vários exemplos no cinema brasileiro. Por exemplo, uma das primeiras comédias estreladas pelo popular comediante Amâncio Mazzaroppi (1912-1981), realizada antes mesmo dele se ter tornado um nome famoso, foi "Sai da Frente", rodado em 1952 nos estúdios da Vera Cruz, em São Paulo, com direção de Abílio Pereira de Almeida (1906-1977), no qual Mazza interpretava um atrapalhado motorista de calhambeque (este filme foi reprisado na televisão e existe à disposição em vídeo). Há quase 60 anos, um misterioso José Pedro (de quem se desconhecem maiores dados) realizava um filme chamado "Trânsito", com filmagens em estradas. Seria, entretanto, em 1956, que o paulista Oswaldo Sampaio faria o primeiro filme que se pode chamar de sério em torno do mundo dos caminhoneiros: "A Estrada", produzido por Moacyr Peixoto e com um elenco em que estavam intérpretes hoje esquecidos ou já falecidos como Agnes Fontoura, Pagano Sobrinho, Henrique da Costa, Eugênio Kunest, além de Milton Morais (ainda em atividade) e Vera Sampaio, esposa do diretor. A história de homens simples, suas dificuldades, trazia elementos de grande emoção - tais como Paulo Thiago procura agora colocar em "Jorge, Um Brasileiro". O caminhoneiro como ser social, universal, específico, que transita pelas estradas, constituindo um universo próprio no qual vive as mais diversas situações - algumas perigosas, outras engraçadas e emocionantes. Na Estrada - Evidentemente que, de uma forma ou outra, centenas de filmes têm histórias relacionadas com a estrada. Há, porém, aqueles filmes que se integram mais especificamente, seja pela ação dos veículos ou das situações. Por exemplo, a música de Almir Rogério "Fuscão Preto" se tornou sucesso tão grande nos anos 60 que assim como havia acontecido com outras músicas de agrado popular, acabou chagando também às telas. E para realizar o filme, os produtores Enzo Barrone e Ennio Barrone buscaram o diretor Jeremias Moreira Filho que já havia realizado bons filmes, "Menino da Porteira" e "Mágoas de Boiadeiro", estrelados por Sérgio Reis, que vendeu milhares de cópias de discos com estas canções rurais. Almir Rogério, o intérprete de "Fuscão Preto" (composição de Atílio Versutti/Jeca Mineiro) mais de 400 mil cópias vendidas, foi o herói para a versão cinematográfica, na qual a mocinha, vejam só, era uma loira, modelo profissional, que então poucos conheciam, chamada Xuxa Meneghel e na época citada apenas como "namorada" do rei Pelé. Xuxa já ganhava, entretanto, o destaque do elenco, no qual também compareciam a sensual Monique Lafond, Dionísio Azevedo, Mauro Benvenutti e a dupla Zé Coqueiro e Filoca. Já no início dos anos 80, a dupla Jorge Bodanski e Orlando Senna rodou um filme sobre a trajetória de uma caminhoneiro saindo da Amazônia e vindo para o Sul, no filme "Iracema", co-produzido com a televisão alemã, mas que teve problemas com a censura - sendo lançado de forma obscura. "Iracema", com Paulo César Pereio, teve sucesso em festivais por sua temática do homem que viaja e integra as estradas do Brasil, semelhante a daqueles que viajam em outros países do mundo, resalvando-se evidentemente as nuances culturais de cada povo. Entretanto, como argumenta o diretor Paulo Thiago, justificando a universalidade que "Jorge, Um Brasileiro" deverá transmitir, a identidade da essência é a mesma, o que explica em parte a penetração já do livro de Oswaldo França Júnior no mercado internacional, com exemplos de países de sistemas políticos, culturais e sociais tão diferenciados. LEGENDA FOTO 1 - Dean Stockwell, ator americano, está no elenco de "Jorge, Um Brasileiro" - o que garante a esta produção a abertura para os mercados internacionais. No papel-título, Carlor Alberto Ricelli (na foto, ao centro). LEGENDA FOTO 2 - Ricelli é Jorge, o caminhoneiro, no filme de Paulo Thiago, que estréia dia 3 de março nos cines Lido I e Itália.

Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:

Veiculo: Estado do Paraná

Caderno ou Suplemento: Almanaque

Coluna ou Seção: Nenhum

Página: 21

Data: 12/02/1989

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