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Aramis

O nosso "Totó" do Luz que amava a máquina encantada

Há quase um ano, quando foi um dos convidados homenageados na sessão especial que organizamos numa manhã no Cine Bristol (antigo Marabá, ex-Teatro Hauer) para a exibição do lírico "Cinema Paradiso", Harry Luhm era o espectador mais emocionado. Se o mais antigo operador de cabine do Paraná, Paquito Modesto, 83 anos, quase cego - e que, pela última vez (após quase 20 anos sem ver um filme) saindo de sua casa para ir a uma sessão, teve a emoção de ver a história de um velho operador e seu aprendiz, tolhido pela falta quase total de visão, em Harry Luhm o filme fez arrancar sentidas lágrimas (como aliás, em centenas de outros cinéfilos, inclusive este repórter que vos fala). É que seu Paquito Modesto - que desde 1913 operou sessões de cinema em Curitiba - poderia personificar o velho Alfredo (Philippe Noiret), o operador do Cine Paradiso, e Harry Luhm viajou na máquina do tempo e sentiu-se como o garoto Totó (Salvatore) - interpretado por Salvatore Cascio que, aos 5 anos já se extasiava com as imagens do cinema. Curitibano da Rua Riachuelo, onde nasceu em 12 de agosto de 1930, Harry lembra-se da primeira vez em que seu pai, o comerciante Erich Luhm (1896-1964) o levou numa sessão de cinema: - "A magia foi total e as luzes deslumbrantes". Quando o pioneiro Henrique Oliva (1896-1965) inaugurou o Cine Luz, em 19 de dezembro de 1939 - no Edifício Teófilo G. Vidal, na Praça Zacarias, especialmente construído pela firma Gutierrez, Paula & Munhoz para ser um imenso cinema, o velho Eric teve uma feliz idéia: já no comando da perfumaria fundada pelo seu pai, Karl Luhm (1860-1928), percebeu que haveria um bom marketing (a palavra, obviamente, inexistia na época) para aproveitar a motivação que a exibição de um documentário, em technicolor, sobre flores - antecedendo ao longa "À Meia Noite" com Claudette Colbert e Don Ameche. Assim, propôs perfumar o cinema - em sua platéia central e dois balcões, num total de mais de 2 mil metros nos quais se distribuíam 1.600 poltronas. Assim, o velho Erich e seus filhos Harry, Tuti (1920-1976) e Helly, mais os empregados da loja, com 12 bombas de Flit, passaram horas perfumando todos os cantos do cinema. -"Quando, à noite, uma platéia refinada - afinal, naquela época, ir ao cinema exigia trajes de passeio completo - entrou no cinema, o efeito foi extasiante. O perfume "Flor de Maçã" especialmente fornecido pela Coty - da qual éramos representantes no Paraná - encantou o público e, por certo, a promoção deve ter influenciado no aumento das vendas". Outras vezes, a tradicional "Lá no Luhm" voltou a promover sessões perfumadas nos cinemas de Curitiba. "Inclusive, como na primeira vez, houve um problema na tinta usada para a confecção dos cartões promocionais distribuídos antes do início do filme - que desbotava devido ao perfume - meu pai e o velho impressor João Haupt desenvolveram também um novo tipo de tinta para não ter este problema", recorda Luhm. xxx Foi na cabine do Cine Luz, acima da terceira platéia, que o menino Harry - tal como o Totó, de "Cinema Paradiso", se deslumbrava com a operação de projetar filmes nos dois Zeiss L-Man7B, que os técnicos Adelino Samandan (1900-1970) e Clóvis Villa Torna (hoje aos 72 anos, residindo em Criciúma, Santa Catarina) ali operavam. - "Eu pagava entrada para ir no cinema mas subia na cabine e ficava ali, extasiado em ver as imagens dos filmes. Não alcançava o projetor, mas o Adelino, vez por outra, tal como o Alfredo do filme de Giuseppe Tornatori, me erguia para que ficasse mais perto da máquina de sonhos". Só que ao contrário de Totó, o menino Harry não chegou a trabalhar no cinema: filho de uma família classe média, conhecida até hoje no comércio paranaense (embora fechada há 15 anos, Luhm reacende memórias perfumadas dos velhos curitibanos), seu destino seria fazer um curso superior. Assim, depois de ter estudado por 12 anos no Santa Maria, foi um dos primeiros classificados no vestibular da Faculdade de Odontologia, na turma de 1951. Seu primogênito, Silvio, 30 anos, seguiu a profissão e hoje divide com a esposa, a também dentista Clara, o seu consultório de odontologia - já que Harry só atende aos antigos clientes. - "O tempo livre - ou que eu faço ficar livre - é para me dedicar ao que eu mais amo: a telecineagem, o cinema, os desafios de recuperar imagens". Cinéfilo apaixonado - quando lhe perguntam suas preferências, esquece de todas as antigas paixões de uma vida e cita apenas "Cine Paradiso", como o melhor filme já realizado - Harry nunca deixou de estar ligado ao cinema. Como bom descendente de alemães, sócio do Clube Concórdia desde sua infância, ali cuidou do cinema em 16mm que lotava o salão de 300 lugares por anos, mas que, melancolicamente, foi se esvaziando com a chegada da televisão e assim como aconteceu nos outros clubes, que também promoviam exibições, acabou encerrando definitivamente em 1969. - "Eu comecei no Concórdia, ajudando Diether Garbers - irmão de Hans, que em 1950 já presidia a sociedade, nas projeções. Depois, Diether foi estudar medicina (hoje é um dos nossos melhores pediatras) e o substituí. Lembro-me das sessões que reuniam famílias, em lugares cativos, como do Dr. Eurípedes Garcez do Nascimento". O lado de filmagens, naturalmente, o atraiu. Assim, operava com uma câmera 8mm, Bell & Howell, até que ela foi roubada em 1971. Cinco anos depois, no Rio de Janeiro, encontrou numa oferta das Casas da Banha, uma filmadora Kodak que usou até chegar a era do vídeo. Fiel da JVC, teve como primeiro modelo uma GV-88OU, adquirida de segunda mão em 1982. Depois comprou um modelo G2-3, passou para a JVC M-7 e GX-4, chegando finalmente a dois sofisticadíssimos aparelhos: uma Panasonic, super VHS, AG-450 e uma JVC compacta, modelo GR-60. Embora não se considere cineasta ou videomaker, "embora sinta que tenha celulóide em minhas veias", Harry fez muitos filmes - inclusive um documentário de 25 minutos sobre a Casa do Expedicionário, respeitoso e valorizando os bravos integrantes da FEP que lutaram na Itália. Cópias deste elogiado trabalho já foram enviados a veteranos de várias partes do país, que o tem como exemplo de uma obra honesta - especialmente quando se tenta, de forma canalha, denegrir a imagem de nossos pracinhas. LEGENDA FOTO 1 - Harry Luhm: a arte e paciência de transcrever antigos filmes para o vídeo. LEGENDA FOTO 2 - Uma imagem que arrancou lágrimas de Harry Luhm quando assistiu "Cinema Paradiso": tal como o garoto Totó, ele, criança, também freqüentava a cabine do recém inaugurado (1939) Cine Luz na Praça Zacarias.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
17/02/1991

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