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Aramis

O primeiro disco e os LPs americanos de Nascimento

Finalmente, as gravadoras estão descobrindo a importância de fazer reedições. Durante anos, alguns dos melhores títulos do mercado fonográfico permaneceram como preciosidades, já que as detentoras dos fonogramas não se ligavam a uma questão óbvia: a cada ano surgem novos interessados em conhecerem momentos preciosos da música nacional e internacional e como os discos tem, normalmente, um tempo reduzido de permanência em catálogo, produções de alto nível que, dentro das regras do mercado não são entendidas quando de seus lançamentos, adquirem, com o passar do tempo, um grande valor. É verdade que de uma forma ou outra, algumas produções fonográficas - e para só ficar em exemplos nacionais - tem reaparecido, mas muitas vezes com capas diferentes e mesmo montagens esdrúxulas. Quando morre um artista, as gravadoras que tiveram, em diferentes épocas, sob contrato produzem produtos caça-níqueis, misturando faixas de diferentes elepês e sem dar a mínima informação ao ouvinte menos informado. As grandes Maysa, Elis Regina, Nunes e mesmo Silvinha Telles - além das irmãs Batista, têm sido vítimas destas reproduções aleatórias de suas gravações. Mesmo a Continental, que durante alguns anos entregou a um criterioso produtor, J. L. Ferreti, a coordenação de preciosas reedições, tem cometido verdadeiras aberrações em sua série Phonodisc, com relançamentos dos mais improvisados, sem qualquer informação ao consumidor. Já a EMI-Odeon, Polygram e CBS, nos últimos dois anos, tem feito remontagens de seus nomes mais fortes para CDs, mas também sem critérios desejáveis. Por outro lado deve-se a trabalhos isolados - como o que vinha fazendo a Filigranas e a Moro Discos, no Rio, e, especialmente, o que Leon Barg dá continuidade em sua Revivendo, com reedições que são verdadeiros exemplos. Dispondo de um dos maiores acervos da MPB, Leon Barg, 60 anos, já lançou 50 álbuns com jóias da MPB (o último foi o álbum duplo com Dalva de Oliveira cantando 30 marcha-ranchos), que tem merecido, com justiça, a maior cobertura nacional. Vários outros projetos terão seqüência nos próximos meses, inclusive com a Revivendo chegando ao CD com gravações de Francisco Alves e Orlando Silva que até hoje só existiam em velhos 78 rpm. Em dezembro, a CBS - cujas reedições passaram a serem melhor disciplinadas após o experiente Maurício Quadrio ter assumido sua supervisão de projetos especiais - fez quatro produções do melhor nível: álbuns de Milton Nascimento, há muito fora de catálogo, e que possibilitam os milhares de admiradores do grande Bituca conhecerem os primeiros momentos nacionais e internacionais de sua carreira. Claro que um artista da dimensão de Milton Nascimento, hoje um dos artistas brasileiros de maior trânsito internacional, dá retorno garantido a reedições de luxo como estas, não só em discos convencionais, mas também em fitas, e especialmente CDs. Dos quatro álbuns reeditados, o mais importante - e historicamente válido - é justamente o primeiro disco-solo que gravou em 1967, com arranjos de Luisinho Eça, logo após ter participado com três músicas no II Fic/Globo (obtendo o segundo lugar com "Travessia", e o sétimo com "Morro Velho" e com "Maria, minha fé", ficando entre as 15 finalistas). A Codil, no qual fez seu primeiro elepê - e que tinha um excelente acervo, seria desativada logo após o suicídio de seu proprietário e com isto este primeiro elepê virou collector's iten, já que por questões de direitos legais não poderia fazer uma reedição. Só no ano passado, a CBS conseguiu desmanchar o cipoal legal e obter os direitos para o relançamento deste álbum histórico, que trazia textos de contracapa assinados por Edu Lobo, Paulo Sérgio Valle, musicóloga Geni Marcondes e Ziraldo. Além de "Travessia", "Morro Velho" e "Maria, minha fé", havia outros petardos mostrando toda a dimensão de nascimento: "Crença", "Irmão de Fé", "Canção do Sol", "Gira, Girou", "Catavento" e "Outubro". Milton estourava em 67: além das premiações no II FIC (no qual foi considerado o melhor intérprete), fazia os shows "Travessia" e "Viola Enluarada", este no Teatro Toneleiros, com Marcos e Paulo Sérgio Valle. Em 1968, levado por Eumir Deodato, gravou nos EUA o lp "Courage" - na época aqui lançado pela EMI-Odeon, e que agora consta também deste pacote de reedições. Com arranjos do próprio Eumir, incluía versões de "Travessia", "Courage" (parceria com Paul Williams), "Canção do Sol", "Rio Vermelho", "Três Pontas", além de "Morro Velho" e "Outubro". De volta ao Brasil - após fazer shows em algumas cidades americanas - Milton gravou novo lp, incluindo "Beco da Mota", "Quatro Luas" e "Sentinela", todas com letras de Fernando Brandt. Ainda em 1969, faria a trilha sonora de "Os Deuses e os Mortos", de Ruy Guerra - com sua primeira experiência como ator, numa aproximação com o cinema que viria repetir mais algumas vezes (inclusive em "Fitzcarraldo", 81, de Werner Herzog). Em 1970, compôs a trilha sonora do documentário "Tostão, a fera de ouro" de Ricardo Gomes Leite (1940-1987) e Paulo Laender, no qual lançou uma das poucas belas músicas que falam do esporte-rei: "Aqui é o país do futebol". A partir de 1970, a carreira de Milton deslancharia, atingindo hoje uma posição consolidada internacionalmente. Dos vários discos que fez nestes últimos 20 anos, dois outros gravados na A&M, são agora reeditados (os que fez para a EMI-Odeon, obviamente, não serão relançados pela CBS). Em 1976, em produção de Ronaldo Bastos, no La Studios, em Alibu e no The Village Recorder, gravou um disco esplêndido, no qual participaram instrumentistas como Noveli (baixo), Toninho Horta (guitarra), os percussionistas Robertinho Silva, Airto Moreira e Laudir de Oliveira; tecladistas Hugo Fattoruso e Herbie Hancock, o trombonista Raul de Souza e o saxofonista Wayne Shorter, com quem, já havia feito, em 1975, o "Native Dancer". Nesta gravação de 1976, Milton incluiu parcerias com Fernando Brandt ("Raça", Saídas e Bandeiras"), Márcio Borges ("Os Povos", "Cravo e Canela"), Ronaldo Borges ("Nada Será como Antes"), além de "Francisco" e "A Chamada", algumas, obviamente, com versões para o inglês. Em 1979, viria outra produção feita nos EUA, desta vez supervisionada por Jim Price e tendo sofisticações com uma orquestra em "Maria Maria" e "Idolatrada" (neste com arranjos de Oscar Castro Neves, ambas parcerias com Fernando Brandt. O disco era aberto com três diferentes momentos de "Pablo", canção-homenagem ao seu único filho e, entre as músicas que ali tiveram lançamento destacava-se justamente a que deu título ao álbum, parceria com Márcio Borges: "Journey to Drawn". Clássicos como "O Cio da Terra" - parceria com Chico Buarque e "Paula & Bebeto" - letra de Caetano Veloso - mais momentos iluminados com Brandt ("Maria Três Filhos", "Credo" e "Unencounter") estão também neste álbum, cujos vocais tiveram participações de americanos (Jim Price, Adi, Lina, Bell e Dina Moenda) e dos músicos que o acompanharam - como Nelson Angelo (teclados), Robertinho Silva e Nana (bateria/percussão), parceiros (Borges, Beto Guedes), entre outros. Com as reedições destes quatro magníficos álbuns - cada um em sua importância dentro da obra do grande Milton Nascimento, a CBS ajuda que os mais jovens possam conhecer, agora, melhor a carreira de Milton, ao mesmo tempo que possibilita aqueles fãs quarentões, que já tinham seus discos gastos de tanto ouvi-los, possam substituí-los em suas discotecas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
25
18/03/1990

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