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Aramis

O romantismo certo nas vozes do Quarteto em Cy

O fato de ser um cantor romântico e sentimental é sempre lembrado como atenuante para o comercialismo de Roberto Carlos, cujo último lp (CBS, novembro/81) saiu com 1.600.000 cópias vendidas antecipadamente. Realmente, o Rei é um intérprete que sabe, astutamente, aproveitas os aspectos mais cor-de-rosa açucarados do dia-a-dia, da classe média, para encantar corações femininos. Ser romântico não é crime. Ao contrário, numa época de tanta crise, encontros & desempregos dos seres humanos, é importante falar do amor, do carinho, da presença amiga. Transas de coração, independente de que sexo for, sempre funciona. Agora o que há é uma grande diferença entre o romantismo-marketing de um lp de Roberto Carlos para a beleza dos sentimentos cantados por grandes compositores em vozes perfeitas. Um exemplo prático disto é ouvir "Caminhos Cruzados" (RGE, 303.6010, novembro/81), que marca a estréia do Quarteto em Cy em nova gravadora, após 6 anos de contrato com a Polygram. Em boa hora as meninas do Quarteto em Cy trocaram de gravadora, pois [a] multinacional holandesa, ao menos no Paraná - está em campanha de boicote aos seus contratados, já que o representante local bloqueou toda a divulgação dos artistas junto aos veículos de divulgação. Assim em nova etiqueta, o Quarteto em Cy aparece com um elepê de alto nível, característica, aliás, que vem marcando toda sua discografia - hoje já na casa dos 18 lps, um dos quais, feito nos EUA ("The Girls From Bahia", volume II) e dois em parcerias com o MPB-4. Apropriadamente, o lp tem o subtítulo de "Caymmis, Lobos e Jobims" - já que a idéia foi de reunir um repertório com músicas destas três musicais famílias. De Antonio Carlos Jobim, o Quarteto em Cy, gravou nada menos que 4 músicas, três das quais inéditas: "Ai quem me dera" é um belíssimo chorinho, com toques de Bossa-nova, que Tom agora musicou a partir de uma antiga letra que [seu] velho parceiro, Marino (Do Espírito Santo) Pinto (Bom Jardim, RG, 18/7/1916 - RJ, 18/1/1965) havia escrito pouco antes de morrer, há 17 anos passados. Com a singeleza que marcou o melhor período da Bossa Nova (Marino Pinto) compôs também com Carlinhos Lyra algumas belíssimas músicas naquele período, este "Ai Quem Me Dera", encontrou em Tom o compositor perfeito, o que faz a interpretação do Quarteto em Cy emocionar ao dizer a letra tão pura de beleza e emoção: "Ai quem me dera ser poeta/ Pra cantar em seu louvor / Belas canções, lindos poemas / Doces frases de amor / Infelizmente como eu / Não aprendi o ABC / Eu faço sambas de ouvido prá você". Em "Maria, É Dia", Tom divide a parceria com o filho, Paulinho - também flautista, presente em quase todas as faixas e o letrista Ronaldo Bastos. Mas é "Borzequim, outra inédita de Tom - onde fez música e letra, que reencontramos o compositor ecológico, voltado para a Natureza, com uma composição de letra enorme, na melhor linha do "Águas de Março". Só esta faixa já justifica a compra deste lp, que tem ainda o antológico "Caminhos" - uma das mais felizes parcerias de Tom com Newton Mendonça (RJ, 14/2/1927 - 11/11/1960), seu primeiro grande parceiro na fase inicial da Bossa Nova. Composta há mais de 20 anos, "Caminhos Cruzados" continua como um clássico do romantismo: "Quando um coração que está / cansado de sofrer / Encontra um coração também / Cansado de sofrer / É tempo de se pensar que o amor pode de repente chegar". O filho de Tom, Paulinho, divide com o filho do velho Dorival Caymmi, "Tataravô", outra música de raízes ecológicas, sensível e na qual se destacam trompas, pistão e trombones, com excelentes efeitos. Do velho Caymmi, duas música marcantes: "Milagre" e "Saudade", esta com letra de Fernando Lobo é um marco do romantismo dos anos 60. ("Tudo acontece na vida / Tudo acontece a todos nós / Sempre uma dor / Um ai de amor / e de um infeliz se ouve a voz"). De outro Caymmi, o Dori - com letra de Paulo Cesar Pinheiro, o antológico "Desenredo" - uma das mais belas canções de 1979 e aqui revalorizada nos vocais perfeitos do Quarteto em y, cujos uníssonos são serenos, ajustados de uma forma única, o que Civa explica pelo fato de 3 delas serem irmãs e cantarem juntas "desde que aprendemos a falar". Aliás, desde o ano passado, devido a doença que afastou Dorinha Tapajós, o Quarteto voltou a cantar com Cybelle, que a partir de 1968, devido ao seu casamento e a viagem do grupo aos EUA, havia sido substituída por Soninha (Sonia Maria Ferreira). Em 1968-72, o grupo sofreu outra modificações: "Semaramis, a "Bimba" (agora na praça com um LP independente) fez parte do grupo por um curto período, bem como Regina Werneck. Hoje, Cyra, Cynara e Cybele - baianas de Ibirataia, mais Soninha, dão ao grupo um ajuste único, e que o faz, sem favor, ser o mais importante grupo vocal do Brasil. (A quarta irmã, Sylene, mora no Interior de São Paulo, casada, 4 filhos, e deixou o grupo há 14 anos). Voltando-se [à] análise deste "Caminhos Cruzados", Edu Lobo está representado por "Vento Bravo" - parceria com Paulo Cesar Pinheiro, e que ganhou no arranjo do excelente violonista Luis Claudio (responsável pelos arranjos e regência de todas as faixas, exceto "Borzeguim" e "Maria é Dia", a cargo de Paulinho Tapajós) um emolduramento especial na qual se destaca também o piano de João Donato e os metais de Edmundo Macial, Silvio, Serginho, Leo ,Bidinho e Marcio Montarroyos. De Fernando Lobo, temos além de "Saudade", o seu pouco conhecido "Preconceito", parceria com Antonio Maria, num arranjo feito apenas para as vozes do Quarteto sobre o violão, piano (Cristovão), baixo (Jamil) e bateria (Paulinho Braga). E ouvindo-se esta música marcante: ""Porque você me olha / Com esses olhos de loucura / Porque você diz meu nome / Porque você me procura / Se as nossas vidas juntas / Terão sempre um triste fim / Se existe um preconceito muito forte / Separando você de mim"), sente-se quanta beleza esquecida há em nossa MPB. As pesquisas que o grande Paulo Tapajós, pai de Dorinha, fez para ajudar o Quarteto a gravar os 2 volumes de "Antologia do Samba-Canção", fizeram com que descobrissem inúmeras jóias do gênero, que, espera se continuem a gravar. "Caminhos Cruzados / Caymmis / Lobos & Jobims" é um disco romântico, belo, suave. Um dos melhores elepês deste ano e que traz o Quarteto em Cy na melhor forma. Apenas uma ressalva: a capa criada pela Imagem e Som Propaganda está entre as mais infelizes do ano. Indigna da beleza do disco.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Caderno
Jornal da Música
15
27/12/1981

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