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Aramis

O "show" de Raulzinho

São Paulo - A apresentação do [trombonista] Raulzinho de Souza, na quinta-feira no 1º Festival Internacional de Jazz, provou basicamente duas coisas: seu sopro está cada vez mais limpo e lírico, com uma sonoridade incrível - que os curitibanos mais velhos da noite devem recordar de seus anos (1958/63), quando era 2º Sargento da banda da EOEIG e, nas boites da cidade, tentava mostrar uma música mais moderna. Em segundo lugar está provado que Raulzinho tem tudo, agora, para seguir os passos de Sergio Mendes e Airton Moreira - com quem já trabalhou - em termos de sucesso nos Estados Unidos: sua nova formação instrumental, com a presença de duas cantoras colored, tem um balanço bem dançante, que classifica como "funky fusion", uma jogada que lhe deverá render bastante em termos financeiros, nos próximos anos. Tanto é que já na sexta-feira a tarde embarcava para os EUA, pois nesta semana inicia uma tournée por 12 cidades, a partir do Texas. Seu segundo elepê na Capital. "Don't Ask My Neighbours", foi lançado simultaneamente no Brasil e nos Estados Unidos, com amplas condições de fazer boa carreira, tendo alguns temas tão dançáveis que não será surpresa se, em breve, estiver sendo curtido nas discotheques. Jazzísticamente, o melhor de sua apresentação foi o duo com Franck Rosolino, considerado um dos maiores trombonistas do mundo, e cuja presença em São Paulo surpreendeu o próprio Raulzinho, que o julgava compromissado profissionalmente na Europa. Juntos, solaram clássicos românticos - como "Stela By Starlight" (Victor Young), "Lover Man" (Rosolino) e "Corcovado" (Antônio Carlos Jobim), provocando aplausos entusiásticos do público. Depois, Rosolino deixou o palco e Raulzinho mostrou todo o balanço de sua banda. Ao final, com o "Souzabon" - um novo tipo de trombone que inventou, construído na clave de dó (em vez do habitual Si Bemol), mostrou alguns temas de seu último elepê. A SURPRESA DO ZIMBO - No sábado, antepenúltimo dia do Festival, houve uma agradável surpresa: além de Victor Assis Brasil e quarteto, o grupo de Taj Mahal e o sexteto de Stan Getz, apresentou-se também, com grande êxito, o Zimbo Trio. Grupo instrumental formado em fins de 1964, por Luiz Chaves, baixo; Amilton Godoy, piano e Rubinho (Ruben Barsoti) bateria, o Zimbo tem 15 elepês gravados (o último, por sua própria etiqueta, a Clac , sai dentro de algumas semanas) e uma saudável permanência na música instrumental brasileira. Embora dedicando-se hoje mais a escola de música que instalaram - a Clac, Rua Araguari, 442 - o trio continua a fazer exibições, desejando inclusive voltar a Curitiba, onde, em 1972, chegou a apresentar-se em concertos com a Sinfônica da Universidade Federal, em promoção idealizada pelo professor Alceu Schwaab, na época diretor de cultuar da Reitoria. Entretanto, apesar de seu nobre currículum e do fato de ter se disposto a colaborar com o Festival desde quando foi idealizado, há 8 meses, a sua participação só foi decidida na madrugada de quinta-feira, quando o secretário Max Feiffer, da Cultura, Ciência e Tecnologia, reclamou pela exclusão do grupo na programação. O baterista Rubinho, que não tem papas na língua, explicou que não havia recebido, por parte da comissão organizadora qualquer convite. O secretário Feiffer exigiu então a presença do Zimbo que, no sábado, abriu a programação mostrando estar em plena forma ao executar "Raça" (Milton Nascimento), "O Batraqueo" (tema inédito de Godoy), "O Cavaleiro e os Moinhos" (João Bosco), "Triste" (Tom) e "Viola Violar" (Milton), neste tendo a participação, como solista, do saxofonista e flautista Hector Costita. O público queria bis - e o Zimbo se dispunha a executar "Fé Cega, Faca Amolada", quando o diretor de palco impediu o número extra, alegando falta de tempo. Aliás, para os músicos brasileiros, apesar dos pedidos de bis da platéia, havia sempre este impecilho. Para os estrangeiros, não. Também nos ensaios houve discriminação: enquanto Stan Getz teve 45 minutos, para o Zimbo "reservou-se" apenas 5. E Egberto Gismonti recusou os 3 minutos que lhe foram "dados" na tarde de quinta-feira para o ensaio. José Eduardo Homem de Mello, o Zuza, um dos responsáveis pelo Festival, cavalheirescamente não quis responder as críticas feitas pela comissão de músicos paulistas que se dedicam ao jazz ([Dick ] Farney, Johnny Alf, Sabá, Sion etc.), embora tenha deixado transparecer que houve da parte de alguns intransigência com relação aos cachês. "Só que não podíamos pagar ao empregado mais do que a gerente", falou, referindo-se ao fato de que alguns nomes internacionais receberiam menos do que os músicos nacionais. O GRANDE DIA - Se na quinta-feira o estridente som pop do grupo de George Duke foi a maior decepção do festival, levando inclusive centenas de pessoas a deixarem o salão de espetáculos (e somente agradando a faixa mais jovem e desinformada do público) e o encerramento com Milton Nascimento foi melancólico, com um som que nada tinha de jazz, na sexta-feira, dia 15, o nível do festival esteve ótimo: os guitarristas Larry Coryell e Philipe Catherine abriram o espetáculo de forma brilhante, solando inclusive um clássico emocionante de Django Reinhard: "Nuages". Em seguida, o trio do pianista Ahmad Jamal mostrou um jazz suave, harmonioso - que soou quase como um bálsamo, considerando os momentos mais eletrificados anteriormente (Etta James, Azimuth, Duke, Nascimento). Mas ficou por conta dos brasileiros os melhores momentos dos espetáculos da tarde e da noite: Egberto Gismonti e trio e a Rio Jazz Orquestra mostraram a criatividade, competência e profissionalismo de nossos músicos. Falar de Egberto exigiria espaço muito maior do que uma coluna de jornal, já que ele representa, ao lado de Hermeto Paschoal (que atuou no domingo, dia 17) e que de mais válido há para a música contemporânea - não apenas popular brasileira. Tocando piano, [flauta] (inclusive uma indígena, com um solo que provocou delírios da platéia, aplaudindo-o de pé) e guitarra, Gismonti, apoiado no baixo de Zeca Assunção, percussão de Carlos e, principalmente, no clarinete, sax e flauta de Mauro Senise, uns momentos mágicos e envolventes dentro deste Festival. Senise, 28 anos, que os curitibanos tiveram oportunidade de conhecer quando Gismonti passou por Curitiba há alguns meses, teve aliás dupla atuação: com o grupo de Egberto e, em seguida, como um dos saxofonistas da Rio Jazz Orquestra, formada há 6 anos e que reunindo músicos amadores e profissionais é hoje a única - big band de atuação regular no Brasil. com a regência, arranjos e participação especial do clarinetista Paulo Moura, a Rio Jazz Orquestra mostrou a unidade, equilíbrio e calor - sendo, aliás, ao lado da Texas Arlington Band, que abriu o Festival, na segunda-feira, dia 11, o único grande conjunto a participar. Como solista convidado, Maurício Einhorn, melhor executante de harmônica-de-boca do País e que, numa imensa injustiça até hoje não teve chance de fazer seu elepe - como solista, participou de dois números: "Tristeza de Nós Dois" (Einhorn/Durval Ferreira/Bebeto) e "All The Things You Are" (Jerome Kern). O público aplaudiu e pediu um número extra, mas que não houve, pois o programa a ser cumprido era intenso. AS PLATÉIAS - O próprio secretário Feiffer, ex-violinista e ex-pistonista de Jazz, e cujo entusiasmo por esta música se deve a realização do Festival admitiu, em conversa informal, de que ele próprio não se entusiasmava, em termos artísticos, com a participação de certos artistas, muito mais para o pop do que para o jazz. Mas nisto também funcionou a regra do marketing de consumo e graças a presença de instrumentistas e compositores como George Duke, Milton Nascimento, Patrick Moraz, Azimuth, Taj Mahal além de John MacLaughlin e sua Eletric Band, no encerramento, segunda à noite, uma imensa faixa jovem foi atraída, todas as tardes, nas sessões vespertinas do Festival. Compensando a eletrificação destes momentos, veteranos como Benny Carter, Jimmy Rowls, Harry Edison, Michey Rocker, Roy Eldrige, Ray Broan, Rosolino e Stan Getz foram responsáveis por momentos importantes. No final, entre o som novo de Márcio Montarroyos e o Grupo Um e a música elétrica do guitarrista John MacLaughlin, uma participação tão brasileira quanto inusitada considerando as características do Festival: a banda de frevo do Recife, de José Menezes. Ao menos um som bem brasileiro nesta semana de experimentações sonoras, elucubrações instrumentais - ao lado do jazz das bigs-bands e dos grandes solistas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
4
20/09/1978

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