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Aramis

O talento plural de uma internacional Gal Costa

Após uma inesperada (para o público) entrada via platéia de sete entusiastas crioulos do "Raízes do Pelô" com esfuziante percussão, são quinze minutos de emoção: o violão de um dos grandes virtuoses da nova geração, Marco Pereira, emoldura a voz carinhosa e suave, daquela que é hoje, em seu estilo, a melhor cantora brasileira: Gal Costa. O amor ao violão é traduzido na obra-prima que abre o espetáculo, "Cordas de Aço" (Cartola), seguindo-se o remeleixo sapeca de "Camisa Amarela" (Ary Barroso), todo o caleidoscópio noelrosenao de "Último Desejo" (antecedido do poema popular do mesmo autor: "Fiz um poema pra te dar / Cheio de rimas / que acabei de musicar / Se por um capricho não quiseres aceitar / eu tenho que jogar no lixo / Mais um samba popular"). "Falsa Baiana" (Geraldo Pereira), ainda em duo voz-violão, liga-se a "A Verdadeira Baiana" (Caetano), quando sai Marco e entra a banda que acompanha Gal neste tour de "Plural" (23 apresentações em dez cidades, após temporadas em Buenos Aires, Rio de Janeiro e São Paulo). Cristóvão Bastos nos teclados, Celsinho (guitarrista), Jota Resende (também nos teclados), Vinícius Dorin (sax e flauta), Jorjão (baixo), Maguinho (bateria) e Armando Marçal (percussão) num equilíbrio perfeito para um dos mais competentes shows musicais montados no Brasil nos últimos anos - e que após Curitiba (terça-feira e quarta-feira), estará neste fim de semana em Londrina, para repetir aquilo que vem acontecendo em outros locais: casas lotadas, aplausos entusiásticos e pedidos de bis ao final - que, embora simpaticamente atendidos ("Brazil", de Cazuza) quebram, entretanto, o clima de emotividade que o roteiro preciso de Waly Salomão soube desenvolver para este novo show de Gal - encerrando com uma das mais belas valsas de nosso cancioneiro - "Eu Sonhei que Tu Estavas tão Linda" (1941, de Francisco Mattoso e Lamartine Babo). xxx Superstar reconhecida, com razão, com uma das (poucas) showomen em condições de se apresentar em qualquer palco do mundo, Gal Costa, 45 anos completados em 26 de setembro, está perfeita neste espetáculo maduro, profissionalmente irrepreensível e com um timing exato entre as canções. Gal é emoção viva no palco em forma de uma escultura viva. O feliz modelo que o figurinista Caio Albuquerque criou - vermelho, insinuante, realça a beleza de seu desejável corpo, enquanto que com um echarpe de seda, igualmente vermelho, faz um perfeito jogo de cena, usando seus longos cabelos como elemento dramático - capazes de lhe dar ora uma conotação de face egípcia, em outro momento, soltos e integrando-se a própria leitura de "Cabelo" (Arnaldo Antunes / Jorge Benjor), uma música que em nenhum outro momento - e com nenhuma outra intérprete - funcionaria tão bem como na forma com que Gal a interpreta. A iluminação criada por Maneco (Matisse Quinderéi) é outro aspecto que privilegia o espetáculo: armado com a maior sensibilidade, o jogo de cores sem retirar um só momento a intensidade do nervo-energia de Gal, confere ao espaço no qual o mesmo é apresentado um clima de imensa beleza plástica na qual não falta, inclusive, a perfeita reprodução gigantesca de "A Negra", de Tarsila do Amaral (1928 - uma referência indireta à Semana de Arte Moderna de 1922). Um repertório eclético, com o melhor de um repertório que atinge hoje mais de 200 gravações (espalhadas em 29 LPs vinil e 11 CDs), faz com que o espetáculo flua com o que melhor existe na música - seja uma gostosa brincadeira de Haroldo Barbosa ("Rumba de Jacarepaguá"), a referência natural ao "Tropicália", o charme de Cole Porte referenciado em "Begin the Beginning" (infelizmente, uma livre adaptação de "The Laziest in Town" não entrou na apresentação curitibana, embora conste do roteiro), explodindo, ao final, com a percussão dos integrantes da "Raízes do Pelô", grupo de Salvador que contemporiza a Gal romanticamente noelroseana ("Último Desejo", "Feitio de Oração" e "Coisas Nossas", esta num arranjo avançadíssimo) e bossanovista ("O Sapo", "A Rã", ambas de João Donato) com o reggae-afro da Bahia dos anos 90. Um detalhe: o programa do espetáculo vale o que custa. Trabalho de primeira categoria, concebido por Salomão e a arquiteta e designer curitibana Consuelo Cornelsen, com projeto gráfico de Guilherme Zamoner e Maria Angela Biscaia, esta publicação merece ser premiada. Contendo letras das canções do show, didáticas informações, dezenas de fotos e impresso em papel da melhor qualidade, um exemplo de revista-programa, para se guardar como material de referência. Um detalhe: houve um único patrocinador - Pierre Alexander, que distribui com exclusividade a griffe de perfumes e cosméticos que Consuelo criou para Gal Costa. LEGENDA FOTO - Gal: um show de classe internacional.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
12/04/1991

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