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Aramis

O tango maravilhoso de Piazzolla (III)

"Sem distinção de épocas ou de tendências, Astor Pantaleón Piazzolla Maneti é o músico mais completo, o artista mais discutido, em suma, uma das personalidades mais originais de tango, identificado até converter-se no maior criador da música argentina, com projeção americana e mundial" (Horacio Ferrer, "Libro del tango") Mais do que um espetáculo, um evento. Um acontecimento. No calendário artístico curitibano, os dois recitais de Astor Piazzolla e seu grupo-75 (auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, dias 7 e 8) permaneceram como algo muito especial a todos que sabem reconhecer os grandes artistas de nossa época. Como o próprio Piazzolla, com sua simpatia, diz a certa altura, ele não faz Tango. Ele faz a música de Buenos Aires. Recriada, revalorizada, engrandecida, com o seu talento e, sobretudo, mais de 30 anos de sólidos estudos. Um Músico e Compositor completo, que oferece um espetáculo altamente profissional, sem um segundo [sequer] de quebra de ritmo. De todos os espetáculos até agora registrados em Curitiba, musicalmente, em termos de solidez criativa, o de Piazzolla merece a Palma. A dramaticidade, a autenticidade, que nunca desapareceu da alma portenã de toda a sua obra - 45 lps gravados em vários países, uma vivência com o Bandoneon desde os seus 14 anos - marcam todo o repertório que escolheu para as duas únicas apresentações em Curitiba. Iniciando uma nova fase ("Minha vida se cumpre por ciclos de sete anos", disse ainda recentemente à uma revista carioca), rompida uma parceira rica e importante poeticamente (Horacio Ferrer) e o casamento com uma bela mulher e cantora (Amelita Baltar), Piazzolla formou um novo grupo: apenas dois de seus antigos companheiros - o violinista Antonio Agri (com ele há 14 anos) e Santiago Malvicino, mais seis músicos de jazz - Enrique Roitner (ex-integrante do grupo de Gato Barbieri) na bateria, Adalberto Cevasco no baixo, Carlos Cirigliano, no piano, Horacio Malvicino (que já trabalhou com Gulda e Gillespie) na guitarra, mais o seu filho, Daniel, 30 anos, no sintetizador, e o vocalista José Angel Trelhes. Apesar deste conjunto, ter sido formado há menos de 2 meses, o entrosamento é perfeito e como se existisse há 10 anos. Uma rápida passagem por Milão, onde gravou 4 novos elepes e a trilha sonora de "Lumière", o filme que Jeanne Moreau está rodando (Piazzolla já musicou mais de 30 filmes e tem contratos para mais de 12, só na França) antecedeu esta temporada brasileira. No espetáculo de estréia, terça-feira, Piazzolla abriu com uma trilogia marcante: "Libertango/Meditango/Amelitango", seguida de "L'Amour", "Soledad" e Ano de Soledad". Só então, houve dois números vocalizados: "Los Passaros Perdido" e "Ojos de Ressaca", este um exemplo da parceria com o poeta brasileiro Geraldinho Carneiro. Encerrando a primeira parte "L'Evacion". Se os primeiros 50 minutos já contiveram brilho, luz e emoção capazes de levar às lágrimas (sem dramalhão) quem ama a real música contemporânea (e portenha), a segunda parte foi ainda mais brilhante: a suite "Troilleanna", que Piazzolla compôs nas noites de 21 a 22 de abril, em seguida da morte de seu amigo e um dos primeiros mestres, Anibal Troillo (1908-1975), dividida em quatro movimentos - "Bandoneon", "Zita", "Uisque" e "Escolaso" - está entre as criações musicais mais significativas, sendo lamentável que o vigilante editor das músicas de Piazzolla, Aldo Pagani, tenha proibido qualquer gravação, no momento do espetáculo. Pois, mesmo considerando-se que esta "Troilleana" já foi gravada em lp, em Milão, com edição no Brasil, contratada pela RGE/Fermata, dificilmente, transmitirá o mesmo feeling, o mesmo corte viceral que, os mil e poucos espectadores no Guaíra, terça-feira, puderam sentir. Aliás, ao lado do espetáculo musical, propriamente dito, a apresentação de Piazzolla é também importante em termos visuais: o Bandoneon, instrumento inventado pelo alemão Henri Band, é o mais típico instrumento da música portenha, adquire em suas mágicas mãos, uma vida única. Alongando o fole, como um bicho-da-seda musical, extraindo do pequeno grande instrumento uma potencialidade de sons inimaginável para quem nunca ouviu, Piazzolla parece transformar-se, quase numa visão parapsicológica, ao interpretar, por exemplo, aquele que se chama de "mi preferida", e que nós, particularmente, classificamos, como sua obra-prima: "Adios, Nonino", composta em 1959, quando morreu seu pai, que era um aficcionado da música e bom bandoneonista. É como se uma força espiritual, penetrasse em Piazzolla neste momento - dando a cada audição de "Adios, Nonino", um toque único, no que é acompanhado pelos solos de seus companheiros, em especial do pianista Cirigliano e do guitarrista Malvicino. Para o grande público, que só agora começa a curtir Piazzolla, o momento de maior delírio do espetáculo, foi quando o cantor Trelhes cantou "Balada para un Loco", após a igualmente bela "Balada Para Mi Muerte". Primeira música de Piazzolla a fazer sucesso no Brasil (gravada por Moacir Franco), "Balada para un Loco" teve que ser bisada na noite de estréia. Aos 54 anos, extraordinário vigor, Piazzolla classifica-se como "o Pappillon da música argentina". Acusado no início principalmente em seu próprio país, de dar um caráter erudito ao tango, Piazzolla é hoje consagrado como um dos gênios da música contemporânea. E como todas as pessoas realmente grandiosas, um homem simples e para o qual fazer música é um trabalho e uma alegria, que repete todas as noites. Em Buenos Aires, Paris, Roma ou Nova Iorque. E agora, Curitiba, pois prometeu que volta. Oxalá, isso se concretize! LEGENDA FOTO - Piazzolla
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
09/10/1975

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