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Aramis

Oliver, uma navalha-câmera na brutalidade da guerra (II)

Quarenta anos separam "Saigon" (1947, de Leslie Fenton, com Alan Ladd e Verônica Lake) de "Platoon" (estréia nacional nesta quinta-feira, 26). Passam de 50 filmes que, direta ou obliquamente tiveram a guerra do Vietnã - antes Indochina - como tema. Agora, há uma unanimidade (ou quase): Oliver Stone fez o melhor dos filmes a respeito, candidato favorito a maioria dos Oscars na próxima segunda-feira, 30 e sucesso de bilheteria desde que foi lançado. Aos 40 anos, neste seu quarto longa-metragem (os dois primeiros inéditos nos circuitos comerciais no Brasil), Oliver Stone assumiu a postura claramente autobiográfica para dar a narrativa toda a estrutura dramática, pessoal e confessional. Como recordou em longa entrevista a revista "Time" (janeiro/87), como o personagem Chris (Charlie Sheen), o narrador de "Platoon", ele também foi voluntário no Vietnã. - "Para mim o envolvimento americano era correto. Eu sabia que o Vietnã seria a guerra de minha geração e não queria perdê-la". Um idealismo, uma inocência que perderia em poucos dias de campo de batalha. O horror da guerra, toda a violência por um envolvimento bélico que provocou profundas cicatrizes nos Estados Unidos e o marcariam profundamente e só ao realizar um filme extremamente pessoal sobre esta experiência, dezessete anos após ter dado baixa no exército (novembro de 1968, após 15 meses na guerra) poderia ajudar a exorcizar. Portanto, não é sem razão que desde as primeiras exibições nos EUA o filme "Platoon" tenha provocado tanta comoção. Ao contrário da simples reflexão sobre os efeitos da guerra ("Amargo Regresso/Coming Home", 1978, de Hal Ashby; "O Franco Atirador/The Deer Hunter, 1978, de Michael Cimino) ou a exaltação belicista ("Rambo", etc.), Stone foi ao âmago da questão e, em termos de comparação, só Francis Ford Coppola, com todo o simbolismo de "Apocalypse Now" (1979) decalcado de uma novela de Joseph Conrad (Teodor Jozef Korzeniowski, 1857-1924), "The Heart of Darkness" (1902) havia conseguido aproximar-se com tanta honestidade de uma guerra que, via televisão, foi vista, até certo ponto com indiferença, por todo o mundo. Stone, roteirista excelente e premiado (Oscar por "O Expresso Da Meia Noite", 1978) e realizador de dois filmes praticamente desconhecidos, "Seizure" e "The Hand" (A Mão Sinistra, este a disposição no Tape Clube, Rua Padre Anchieta) colocou em "Platoon" todo um aprendizado profundo de cinema. Como Coppola fez em "Apocalypse Now", Stone também foi filmar nas Filipinas. Charlie Sheem, que no filme de Coppola interpretou o capitão Willard, a quem cabe a missão de encontrar (e matar) na selva vietnamita o enlouquecido coronel Kurtz (Marlon Brando). Como o coronel Kurtz, há um personagem também enlouquecido pela guerra - o sargento Barnes (Tom Berenger), rosto desfigurado, capaz de repetir a tragédia de My Lai (na qual toda a população civil foi massacrada) e ao qual se contrapõe o sargento Elias (William Dafoe). Entre estes dois sargentos, o recruta Chris penetra na experiência mais cruel para um ser humano sensível, de formação universitária - e que foge da insanidade com imaginadas cartas a uma avó. Não há uma preocupação geográfica de situar os personagens do Pelotão. O inimigo também pouco aparece explicitamente - a não ser na batalha final e a ação reacende os conflitos individuais de cada personagem, em indagações pessoais que, em termos de desespero pode acontecer tanto na selva do Vietnã como mesmo num quartel, como Robert Altman havia mostrado no profundo "O Exército Inútil" - um filme marcante e cuja revisão, agora, seria um complemento a "Platoon". xxx Com toda a razão, nesta semana que antecede a festa do Oscar e com o lançamento dos quatro filmes que ainda faltavam entre os candidatos ao troféu máximo é compreensível que "Platoon" ocupe nobres espaços para análises e discussões a seu respeito. O conflito entre os sargentos Barnes e Elias é a questão humana crucial em "Platoon", pois como lembra Amir Labaki, com esses dois personagens Stone tangencia o maniqueísmo e consegue mesmo superá-lo. Barnes é repugnante mas fundamental para a própria sorte do pelotão durante os combates. Elias tem intenções nobres, mas precisa tomar drogas para se manter pronto para a luta. Entre os dois está Chris, frágil, aparentemente indefeso, mas capaz de sobreviver. Homens em guerra, em seus conflitos existenciais, a desumanização dos personagens e o canto antibelicista que sempre foi tão necessário para (tentar) conscientizar o espectador formam uma extensa filmografia, no qual se destaca, por exemplo, um clássico de Stanley Kubrick - "Glória Feita De Sangue" (Paths Of Glory), de 30 anos passados (aliás, o mesmo Kubrick, está agora concluindo um novo filme também sobre o Vietnã, do qual se sabe apenas o título: "Full Metal Jacket"). Com "Platoon", Stone acrescenta-se numa categoria especial de realizadores que conseguem fazer com que o filme transponha uma ação específica e atinja toda uma grandiosa dimensão em que o próprio cinema se justifica. Assim como "Salvador - O Martírio De Um Povo" (em exibição agora no Cinema I e a disposição em vídeo) foi o retrato atual de uma realidade do continente americano, "Platoon", dez anos após a guerra do Vietnã, é uma catarse para (tentar) expirar a culpa coletiva de toda uma nação. Filmes como "Salvador" e "Platoon" justificam-se por si só - e mostram que, a cada ano, o cinema (re)dimensiona-se, cresce e se torna cada vez mais adulto por sua coragem/atualidade. LEGENDA FOTO - Elias, Chris e Barnes: a angústia da guerra.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
27/03/1987

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