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Aramis

"Oriente", afinal o LP solo de Hugo Fatturoso

Beverly Hills, Los Angeles, janeiro de 1978. Na belíssima mansão de Airto e Flora, passo um inesquecível sábado californiano. A Flora havia me apanhado ainda cedo no hotel em que estava hospedado, em Westwood, próximo a U.C.A, e eu tinha reservado o dia para rever os bons amigos brasileiros. Só que, assim que entrei no Thunderbird-78 de Flora, desculpou-se: - "Apareceu uma nova excursão e o Airto está ensaiando com o grupo e preparando também a finalização de um elepê". Resultado: a residência de Airto - na época vizinho de Stanley Clark, Herbie Hancock, Chick Corea - entre outros superstars musicais, parecia um estúdio de gravação. Músicos brasileiros e americanos num corre-corre para ajustar novas músicas. Um ritmo tão frenético de trabalho que naquele dia nem pude conversar com o Airto. Em compensação passei horas batendo papo com uma jovem carioca, recém-chegada e que havia fraturado a perna - ficando assim imobilizada. Ela falava de seu desejo de seguir os passos da irmã e se realizar como cantora internacional: IANA PURIM. Hoje, passados; 13 anos, Iana tem seu espaço: quatro elepês editados em várias partes do mundo e constantes apresentações no Exterior. Naquela tarde, entre goles de um ótimo vinho da Califórnia e muito som, fiquei também entusiasmado com o tecladista uruguaio que fazia parte do grupo de Airto e Flora: Hugo Fattoruso. Já tinha lido seu nome em fichas de vários discos, mas só então o conheci - embora rapidamente. Um músico extraordinário, que com seu irmão, o baterista Osvaldo, havia chegado em 1970 noa EUA, e depois de tocar por dois anos no Golden Charlot Restaurant, em Nova York, gravou com Airto e Flora o lp "Fingers". Nascia uma grande amizade e em 1975, Airto produziria o primeiro lp do OPA - nome do familiar duo Fattoruso. Excelente tecladista, harmonioso, com uma formação eclética desde que aos 12 anos começou a tocar nas churrascarias de Montevidéu, influenciado por ídolos como Peterson e Monk, Hugo fez carreira. Além de trabalhos como Airto, Flora e Hermeto, gravou com Milton Nascimento ("Miltons", "Journey to Down"), Toninho Horta ("Terra dos Pássaros"), participou do lp solo do percussionista Manolo Badrena, na época integrante do Weather Report. Em 1982, Hugo veio para o Brasil, aqui trabalhando com o pernambucano Geraldinho Azevedo, depois viajando com a banda de Djavan pela Europa, EUA e Japão e a partir de 1988 integrando o grupo que acompanhou Chico Buarque em seus dois últimos elepês e vários shows. De volta ao Uruguai, liderando um sexteto que vem entusiasmando público e crítica em várias partes do mundo, Hugo recebeu em agosto do ano passado um convite especial: fazer um elepê-solo. O primeiro em quase 30 anos de carreira. Assim, surgiu "Oriente", magnífico álbum que comemora também os dez anos de atividades da Som da Gente, a etiqueta criada pelo casal Teresa Souza/Walter Santos do Nosso Estúdio, e que tem enriquecido a música instrumental com álbuns marcantes. O título "Oriental" tem dupla razão: a religião budista, que Hugo sempre praticou e a sua terra nacional, nascido na Capital da República Oriental do Uruguai em 29 de junho de 1943. Um álbum que nasce com a maturidade de um grande artista, abre com "O Sambinha", melodia alegre e suave, que destaca músicos como Mauro Senise (que introduz o tema na flauta) e Zeca Assumpção (baixo acústico). Já na faixa seguinte, "La del Cheche", a guitarra de Ulisses Rocha (ex-grupo D'Alma) tem uma incomum divisão em 11 por 4; é um tema de sonoridade pouco usual e ideal para a improvisação dos músicos. Em "Tuyo (Tú Yo)", Hugo toca, além dos teclados, percussão e violão, construindo uma balada que nos remete aos tempos inspirados na bossa nova (Donato e Jobim). Suavidade é uma característica deste admirável Fattoruso - só agora começando a ser reconhecido pelo grande público: em "Kpel", o baixo acústico de Assumpção e o seu piano envolvem num tema feito em homenagem a amigo japonês, percussionista; a mesma dupla, reforçada pela presença iluminada do sax de Senise, oferece outro momento de plácida beleza em "Azul y Blanco", aqui a melodia etérea desaguando na segunda parte para o suingado jazz, que acaba servindo de introdução mais que perfeita para a faixa seguinte: a nervosa "féria de Tristan Narvaja". Essa música foi inspirada numa feira que acontece semanalmente nos arredores de Montevidéu, onde se pode encontrar de tudo. Aliás, esse é o espírito do próprio álbum "Oriental": de tudo um pouco, sempre com bom gosto. "La Papa", por exemplo é um virtuosíssimo duo de piano e bateria, onde se escuta um excelente instrumentista uruguaio, José San Martin. Já "A Tabaré Aguirre", dedicado a um amigo de Hugo, garçom de churrascaria de Montevidéu - referência ao seu início de carreira - é apresentada em piano-solo. "Estrela Distante" é um samba escrito para quarteto e executado com irresistível balanço por Hugo, Senise, San Martin e Sizão Machado no baixo elétrico. Nas duas últimas faixas, Hugo abre espaço para 10 tambores de "candombe". O ritmo, à primeira vista, parece-se com o samba e pode ainda remeter ao afoxé ou ao maracatu. As associações não são erradas, pois tem a mesma origem, mas o "candombe" usa tambor-piano (que seria o surdo do samba) que faz uma marcação especial. "Llegam las Lluvias" e "Lonjas del Cuareim" são as faixas neste ritmo - dentro deste "Oriental" álbum mostrando, finalmente, aos brasileiros, o talento-solo de Fattoruso, após tantas e tantas participações em discos de outros artistas. Chegou sua merecida vez.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
28/07/1991

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