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Aramis

Os 80 anos do jovem Radamés

Se Alceu Schwaab, 58 anos, professor por 35 anos da Universidade Federal do Paraná, é há 40 um dos mais apaixonados pesquisadores de nossa MPB, fosse político, por certo teria brigado por que a data de ontem fosse declarada feriado nacional. Como não o é - e hoje, aposentado da UFPr, se dedica exclusivamente aos seus muito amados discos, a mais completa biblioteca sobre assuntos musicais (publicou, inclusive, em 1984, uma bibliografia de tudo que existe sobre a nossa MPB) e a uma já iniciada pesquisa sobre os grandes nomes da vida artística que passaram pelo Cassino Ahu, Alceu Schwaab se limitou a homenagear de uma forma muito especial aquele que considera o maior nome de nossa música: Radamés Gnattali. Para tanto, Alceu pediu a outro fã de Radamés, o pintor - e violonista nas horas vagas - Álvaro Borges, para fazer um carinhoso retrato de mestre Gnattali, que, devidamente emoldurado, espera entregar ao próprio homenageado na primeira semana de março, quando, pela quarta vez em 12 anos, os pesquisadores de nossa MPB reúnem-se no Rio de Janeiro, graças ao manto protetor de Hermínio Bello de Carvalho, diretor da divisão de música popular da Funarte. xxx Como Alceu Schwaab, muitos outros brasileiros que aprenderam a admirar a nossa melhor música, fizeram ontem, cada um a sua maneira, uma prece de amor, desejando muita saúde ao gaúcho Radamés Gnattali, no dia de seu 80º aniversário. O próprio Radamés, que vem sendo homenageado desde novembro do ano passado, não faz muita questão de reverências, pois, em sua sinceridade italiana, diz que tanto faz fazer 10, 40 ou 80 anos, acrescentando sonoramente "...é tudo a mesma m...". O fato é que Radamés é uma espécie de George Gershwin brasileiro. Como o autor de "Porgy and Bess", Radamés teve uma formação erudita - estudou em conservatório, sonhava estudar no Exterior e fazer carreira como concertista - mas integrou-se à música popular. Desde os anos 30, no Rio de Janeiro, vendo as pouquíssimas possibilidades para a música erudita lhe garantir a sobrevivência, Radamés trabalhou em rádios no período áureo destes meios de comunicação, formou o histórico quinteto que levou a nossa melhor música ao Exterior, conduziu orquestras e, sobretudo, como arranjador, fez milhares de gravações - desde as mais singelas e comerciais produções carnavalescas (quando havia música de Carnaval) até obras maiores. Entretanto, ao lado de um trabalho na área popular nunca deixou de compor obras maiores, infelizmente, na maior parte, inéditas em gravações. Duas apaixonadas por sua obra - Valdinha Barbosa e Anne Marie Devos, trabalharam mais de um ano em seus arquivos, levantaram discografias, entrevistaram Radamés e amigos, remexeram coleções de jornais e acabaram produzindo a esplêndida monografia "Radamés Gnattali - o eterno Experimentador", vencedora do Projeto Lucio Rangel que o teve como tema - e que em caprichosa edição da Funarte saiu agora (366 páginas), dentro do pacote com que os 80 anos de Gnattali estão sendo lembrados; álbum de partituras, um belíssimo disco e o recital com o próprio Radamés e seus antigos companheiros do quinteto - aplaudido no Rio, São Paulo e Brasília. E que poderia ter vindo a Curitiba, se aqui não vivêssemos a fase mais negra da vida cultural, com a incompetência da Secretaria da Cultura e Esportes bloqueando todas as iniciativas que não tenham a demagogia desprezível daquilo que se chama de governo participativo. xxx De Radamés Gnattali pode-se falar muito - e os seus 80 anos justificam, por certo, matérias maiores na imprensa nacional e bem que poderiam motivar uma programação especial das emissoras, se o comercialismo e a ditadura do Ibope não condenasse à imbecilidade as rádios brasileiras (com raríssimas exceções). Até mesmo uma rádio oficial e teoricamente dedicada à cultura como a Estadual do Paraná esquece efemérides como os 80 anos de Radamés Gnattali, dentro da (discutível) filosofia ali implantada de popularização e conquista de audiência, que se já conseguiu impulsioná-la entre as 10 emissoras de maior audiência, da cidade, liquidou com o pouco que existia de divulgação cultural em sua programação. xxx Independente dos esquecimentos oficiais, os 80 anos do mestre Radamés Gnattali é oportunidade para que ao menos os que sabem reconhecer a sua importância artística e profissional se voltem à sua obra - espalhada em gravações marcantes ou reflexos indiretos - como o recém-lançado lp da cantora Cláudia Savaget, produção independente, e na qual esta bela vocalista, acompanhada pelo próprio Gnattali ao piano, interpreta duas de suas mais belas composições ("Amargura" e "Canção") ao lado de músicas de outros mestres como Villa-Lobos, Lorenzo Fernandez, Caymmi, Valsinho, Nelson Sargento e Cartola (solicitações podem ser feitas à Rua 19 de Fevereiro, 157, Botafogo, RJ). Por duas vezes, Radamés esteve em Curitiba em concertos históricos, no Teatro Guaíra, que aqui tiveram estréia nacional. Em 19 de agosto de 1979, marcando a estréia da Camerata Carioca - grupo hoje, infelizmente, desfeito, no "Tributo a Jacob do Bandolim", quando aos 10 anos da morte de Jacob Pick Bittencourt (1918-1969). Um ano depois, em 10/6/1980, o emocionante "De Vivaldi a Pixinguinha", também com a Camerata Carioca, na época formada por Joel Nascimento (bandolim), Rafael Rabello (violão 7 cordas), João Pedro Borges e Mauricio Carrilho (violões 6 cordas), Luciano Rabello (cavaquinho) e Celso da Silva (ritmo). Hermínio Bello de Carvalho, diretor dos dois recitais (perpetuados em lps, o primeiro em edição da WEA, o segundo em produção da própria Funarte, patrocinada pela Petrobrás), assim sintetizou o espetáculo: "Um encontro de jovens duendes do som com um Patriarca da nossa música, cujo universalismo está em razão direta de uma linha de brasilidade da qual ele jamais se afastou".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
28/01/1986

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