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Aramis

Os irmãos Marsails em dupla dose de talento

Se há uma coisa que os jazzófilos brasileiros não podem se queixar é da falta dos discos dos irmãos Marsalis. A CBS vem editando praticamente simultaneamente aos Estados Unidos todas as gravações de Brandford e Wynton, considerados das maiores revelações do jazz moderno - o segundo, também com bem sucedidas incursões na área clássica. Filhos de Ellis Marsalis, também um bom músico de jazz (e que já fez vários discos com seus filhos), Brandford e Wynton estão cada vez mais sólidos em suas carreiras individuais. A prova está nos mais recentes álbuns - "Trio Jeeps" com Brandford, catipultuado pela sua presença no Brasil no V Free Jazz e o emotivo "The Majesty of the Blues", homenagem que Wynton presta as raízes jazzísticas e a New Orleans - onde tudo começou no início do século. São dois álbuns soberbos, seguramente entre os melhores do ano e que fazem com que o interessado em conhecer e acompanhar o que há de melhor na nova geração jazzística tenha exemplos maiores. Jovens que nem chegaram aos 30 anos, cirando, improvisando, dando uma sonoridade personalíssima - mas sem envolvimentos em armadilhas com fussion que só servem para disfarçar a falta de talento de tantos falsos jazzístas, promovidos artificialmente nestes últimos anos. O TRIO JEEPY - Buscando sempre novas dimensões sonoras, Brandford tem experimentado diferentes formações, tendo, inclusive, integrado a banda de Sting há alguns anos. No ano passado formou um trio ao qual deu o nome de Jeepy, com o baixista Milton Hinton e o baterista Jeff Watts, realizando um álbum duplo gravado nos dois primeiros dias úteis de 1988 e que, para muitos críticos, foi considerado seu trabalho mais elaborado. Assim, ao lado do extraordinário Watts (com quem veio ao Brasil em setembro para o Free Jazz) e do veterano Hinton (Vicksburger, Mississipi, 23/06/1910), Brandford ao saxofone mostra toda a sensibilidade - uma de suas características maiores, num repertório extraordinário. Das 10 longas faixas, apenas três são de sua autoria. Justamente, a primeira delas é uma homenagem que presta a Duke Ellington (1899-1974) em "Housed from Edward", ocupando 9h27 minutos do lado A do primeiro volume, complementado pela ternura de "The Nearness of You" (Hoaggy Carmichael / Ned Washington), lembrando (só lembrando, respeitosamente) o lirismo de Charlie Parker (1920-1955), que tornou clássica a leitura jazzística desde standard eterno. No lado dois, em arranjos mais econômicos, quatro faixas, com "Three Little Words" (H. Rub / B. Kalmar), "Making Whoopee" (W. Donaldson / G. Mann) e "Ummg" (Billy Strahyrhorn) - complementados por uma criação coletiva do trio ( "Gatbbucky Steepy"). No segundo álbum, uma interessantíssima mostra do que é o jazz: abre do "Doxy" de Sonny Rollins, prossegue com uma reprise - mas já em outras improvisações de "Making Whoopee" e encerra com outro clássico, "Stardust" (H. Carmichael / Parish). Finalmente, na penúltima face, 9h10 minutos são dedicados ao Free "Peace" de Ornete Coleman e, encerrando, uma nova composição de Marsalis - "Randon Abstract" (Tain's Rampage). Chega a ser didático o trabalho que Brandford faz neste álbum: ao unir a juventude sua e do baterista Watts, com a experiência do baixista Hinton, em um repertório diversificado, oferece uma verdadeira demonstração dos caminhos do jazz. BLUES DO CORAÇÃO - Enquanto Brandford em seu álbum duplo esvoaçou com rara perfeição entre jazz de diversas épocas, Wynton decidiu fazer um disco homenagem: "The Majesty of the Blues" é um mergulho na pré-história do jazz a partir da faixa inicial (The Puheman Strut), ocupando 15h03 do lado A, como três outras, composição própria. Carlos Callado, da "Folha de São Paulo", observou, a propósito, que apesar de um clima dramático e soturno, com uma surdina fazendo o trompete soar rachado e expressivo, com Wynton no comando do sexteto, "não se espere qualquer sombra de jazz mas, sim, demonstrar, que esta tradição está mais que viva". Para desenvolver um disco de blues - fiel ao espírito original, mas com suas próprias idéias - Wynton reuniu um sexteto homogêneo mas com diferentes idades: a juventude dos saxofonistas Wes Anderson, 25 anos e Todd Willians, apenas 22, e do baterista Reginal Veal, 27, do baterista Herlin Realy, 26 - ambos nascidos em New Orleans, foi buscar um veteraníssimo executante de banjo na melhor tradição de New Orleans, o admirável Danny Barker, 80 anos, completados no dia 13 de janeiro, que ao longo de mais de 60 de carreira já tocou com dezenas de grandes nomes (Cab Calloway, Benny Carter, King Oliver, Jelly Roll Morton, Duke Ellington, Louis Armstrong, etc.). assim, só a honra de se ouvir, em alguns momentos, o banjo de um patriarca como Danny, deve emocionar o ouvinte - como, por certo, influenciou os jovens jazzistas reunidos neste disco, que, dentro da obra de Wynton Marsalis, se destaca como um momento muito especial. A segunda faixa, aliás, "Hickory Dickory Dock", um blues que dá um grande destaque ao sax soprano, soa como uma homenagem a outra grande jazzista de New Orleans, Sidney Bechet (1891-1959), cujos 30 anos de morte (em Paris, por coincidência no mesmo dia em que nasceu, 14 de maio) passaram esquecidos, sem que nenhuma gravadora lembrasse de reeditar algum de seus discos. No lado dois, Wynton Marsalis faz uma experiência audaciosa: na suíte "The New Orleans Function", dividida em três movimentos, abre com o tema "The Death of Jazz", e, em seguida, por nada menos que 16h22 minutos em "Premature Autopsies", colocou um pregador batista, o reverendo Jeremiah Wright Jr., para dizer um longo sermão escrito por Stanley Crouch (autor também das detalhadas notas do encarte, em inglês, que acompanham o elepê). Se na primeira parte da suíte, apesar do ritmo de marcha fúnebre, o sexteto foi acrescido do clarinete de Michael White, e do trompete de Teddy Riley (sem falar no banjo de Barker), os três mestres das bandas de ruas de New Orleans - a parte praticamente declamada, a seguir, pode assustar os neófitos. Mas depois do sermão - em que o pregador diz que não se deve acreditar na anunciada "morte do jazz", como querem alguns - vem um tema alegre e dançante, transformando as lágrimas e suspiros em risos e dança na melhor tradição neworleana: "Oh, But on the Third Day" (Happy Feet Blues).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
24
24/09/1989

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