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Aramis

Os Nossos Caipiras (VII)

Deve-se ao jornalista, compositor e empresário artístico paulista Cornélio Pires (1884-1958), tio do compositor e produtor Ariovaldo Pires ("Capitão Furtado"), sem dúvida a maior autoridade em música sertaneja no Brasil, a iniciativa de, em 1929, no antigo selo Columbia, ter financiado a produção dos 8 primeiros discos 78 rpm de música sertaneja que se tem notícia, interpretados pela Dupla Mariano e Caçula (3 discos), Arlindo Santa (1), Caipirada Barretense (2), Marcajá e os Bandeirantes e Foliões e Zé Messias. Com financiamento da Companhia Antártica Paulista, Cornélio Pires e seus artistas saíram pelo Interior de São Paulo, fazendo shows e vendendo tantos discos que, paralelamente, a RCA Victor convidou, no início da década de 30, algumas duplas integrantes da Turma Cornélio Pires e com isso formou a sua Turma Caipira Victor, introduzindo-se na produção do disco sertanejo. Paralelamente apareceram os primeiros grandes nomes - como a dupla Alvarenga e Ranchinho, que pelo aspecto exótico de sua música faziam shows no Cassino da Urca, no RJ, Mineiro e Mineirinho, Raul Torres e Florêncio e tantos outros. E, nos últimos 47 anos, a música sertaneja não deixou de ter uma força comercial tremenda, principalmente na região Sul - mas nem por isso merecendo a atenção dos pesquisadores e estudiosos, como acontece com a MPB urbana. O curioso, observa o sociólogo Waldenyr Caldas na primeira tese universitária que se escreve a respeito, é que pouco se modificou na música sertaneja neste período. Nos últimos 20 anos, Caldas, estudando o tema criteriosamente, identificou apenas três movimentos diferentes dentro do gênero, embora todos com objetivo fundamental aumentar a área de consumo. O primeiro deles foi uma tentativa feita por Alcides Felismino de Souza (Nono Basilio) e o acordeonista Mário Zan, em 1958, no sentido de criar um ritmo essencialmente brasileiro, porque "a influência de ritmos alienígenas estava, a cada dia, ganhando maior campo e, (conseqüentemente(, prejudicando a música regional brasileira". Como ambos os autores conhecem teoria musical e pretendiam muito mais que impedir a influência da música paraguaia criaram a "Tupiana", gênero com que foi lançado "Alvorada Tupi", pelo Duo Irmãs Celestes, mas que nenhuma ressonância conseguiu junto ao público. Afora o xenofobismo de Zam e Nonô Basilio, acentua o autor de "Acorde na Aurora", à que se levar em conta vários aspectos sobre a criação de "tupiana". O primeiro é o mercado consumidor que, ao longo da fronteira dos Estados de Mato Grosso e Paraná com o Paraguai, mostrava - e continua mostrando, observamos nós - uma nítida vantagem dos ritmos desse país junto ao público. A forma lamuriante da guarânia agrada(va) mais do que as nossas modas de viola. Aliás, foi este o fator determinante para a popularização da música paraguaia no Brasil e a prova está na (guarânia( "Índia", gravada pela dupla Cascatinha e Inhana, na década de 50, e que até hoje continua a vender (há 4 anos, foi regravada também pela cantora baiana Gal Costa, atingindo um público urbano). O segundo movimento no cancioneiro sertanejo foi desencadeado pelo maestro Rogério Duprat em 1970. Financiado pela Companhia Rodhia, que pretendia lançar a moda country na Fenit de 71, o tropicalista Duprat vestiu clássicos da música sertaneja, de forma sofisticada, produzindo um espetáculo para a Rodhia e um disco na (Phillips( ("Nhô Look"), que, sem dúvida, permanece como uma experiência das mais curiosas, surgidas numa época de crise na MPB, com a falência do Tropicalismo e a emigração dos nossos melhores talentos para Europa e Estados Unidos. Assim, Duprat utilizou um coral bem afinado, dentro do esquema tradicional, apoiado por orquestra com base em guitarra e baixo elétricos e tendo, obviamente, uma viola sertaneja fazendo o solo e também acompanhando. Nas músicas - selecionadas entre as canções sertanejas mais conhecidas - entraram muitas cordas e até uma bateria, instrumento que nunca é usado pelo pessoal que faz a música sertaneja autêntica. A experiência foi frustrante: o público consumidor tradicional não entendeu a sofisticação e somente os interessados, sem preconceitos, em cultura popular procuraram entender o salto que Duprat pretendia - embora, visando basicamente o sucesso comercial. O fracasso foi tanto que nem ele próprio tentou mais fazer um segundo disco na mesma linha. E no mesmo ano de 1970 iniciou o terceiro movimento, que, prognostica Caldas, "tudo leva a crer que se manterá". Leo Canhoto e Robertinho, sem dúvida alguma, a dupla mais solicitada dessa época para cá (mais de 12 elepes em catálogos na RCA, constantes temporadas em cidades do Paraná) é a responsável (direta( "por um novo evento na música sertaneja", segundo o professor e sociólogo paulista. Pois foi com eles que a sofisticada tecnologia do som eletrônico entra nesse gênero musical. A imagem que Leo Canhoto e Robertinho criaram para si é extremamente complexa. Trata-se, ao mesmo tempo, do cowboy americano e daquele jovem que absorveu toda a modernidade do meio urbano. E é no afã de aproveitar este modismo que outras gravadoras lançam duplas de comportamento semelhante, tais como Scott e Smith (Chantecler), Rigo Black e Kid Holliday (RGE/Fermata), e Mauro, Marcelo e Paganini (Carmona). Como todo movimento musical, este também tem seus objetivos, sua estética e, (conseqüentemente(, seu resultado. E é partindo do primeiro aspecto, que Caldas cita palavras de Leo Canhoto: "Se nos Estados Unidos o consumo de música country é tão geral e despreconceituoso, por que isso não pode acontecer no Brasil ? Por que Joan Baez, Dylan e outros que utilizam em sua base musical os ritmos do Interior e do campo são aceitos normalmente ?". Percebe-se, nestas palavras, a intenção diversa da do maestro Duprat: a procura de uma música que servisse de denominador comum entre a classe média e o proletariado. No tocante às possíveis modificações estéticas no gênero sertanejo não houve nenhuma inovação na estrutura melódica ou na linguagem pois, se hoje, o jovem proletário usa um discurso modernizante, isso não é obra de Leo Canhoto e Robertinho (embora o estejam sempre empregando) mas, sim, dos meios de comunicação de massa. Enfim, a obra musical da dupla no que se refere a estrutura melódica não trouxe realmente nenhuma novidade. O simples fato de utilizar-se de aparelhagem eletrônica não significa necessariamente que ocorrerá mudança no andamento da canção, ou que esta sofra alterações na estrutura melódica. A nova roupagem instrumental com que a dupla vestiu a música sertaneja tem somente o objetivo de torná-la mais agradável ao ouvido. Sem dúvida, os próprios Léo Canhoto & Robertinho, devem estar surpresos com a análise que mereceram de Caldas, em sua tese universitária. Que, ao longo das 167 páginas de seu livro, oferece um panorama sincero da música sertaneja como indústria cultural, numa vereda de estudos que devem prosseguir e merecer outras pesquisas, ensaios e teses. Enfim o tema é rico e virgem de estudos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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27/08/1977

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