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Aramis

Paiol, ano 10 ou anotações para a sua futura história

Na semana passada, frente ao pequeno número de pessoas que compareceu [à] estréia do Quarteto em Cy (dia 18, sexta-feira), entrada (franca), comemorativa aos 10 anos do Paiol, Lucia Camargo, diretora da Fundação Cultural de Curitiba, comentava: "É! Em 1982 vamos antecipar em um mês a festa de aniversário do Paiol". Na prática, talvez tenha razão - mas em termos de comemoração, será lamentável, já que apesar de situar-se entre as duas datas mais significativas do ano - Natal e Ano Novo, o aniversário do Paiol tem sido sempre lembrado pela presença ativa, dinâmica e, de certa forma, rejuvenescedora deste espaço cultura. No domingo, 27 de dezembro, oficialmente, fez 10 anos da abertura do Teatro do Paiol para o público - com uma noite em que os curitibanos tiveram, pela primeira vez, oportunidade de aplaudir Vinicius de Moares, então com 58 anos e em plena forma física - praticamente iniciando a parceria com Toquinho, que junto a Marília Medalha e o Trio Mocotó, o acompanharam a Curitiba. Pra a história do Paiol e de nossa vida artística, não custa recordar como se passaram os fatos. xxx Quando assumia a Prefeitura de Curitiba, em março de 1971, o arquiteto Jaime Lerner, com sua visão urbanística e cultural, tinha algumas idéias consolidadas ou ao menos definidas. Por exemplo, quando ainda na presidência do Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba, havia se emocionado com a morte do jornalista Sérgio Porto, o Stanislau Ponte Preta (11-4-1923 - 30/9/1968) e lembrado de seu nome para um teatro que, pouco depois, diretor Oracy Gemba, o cenógrafo (hoje arquiteto e próspero industrial) Ronaldo Rêgo e a atriz (hoje assessora da secretaria da Justiça) Iara Sarmento, pensaram em implantar junto a um depósito de materiais inservíveis, no bairro do Prado Velho, Gemba, Ronaldo, Iara e outros integrantes do então nascente grupo Momento, que se destacaria por várias encenações bem sucedidas ("Chapéu de Sêbo", "Auto de Fé Ocidental", etc.) preocupavam-se em encontrar um novo espaço teatral e o formato circular de uma antiga construção erguida em 1906, na chamada Vila Bordignon, para guardar materiais inflamáveis, surgiu com uma válida opção. Ronaldo Leão, já [então] estudando arquitetura, chegou a rabiscar num guardanapo em mesa de bar OK, durante etílica e entusiasmada reunião, uma idéia do aproveitamento do espaço e muitos planos foram feitos. Entretanto, o engenheiro Omar Sabbag, então prefeito de Curitiba, não recebeu com o entusiasmo necessário a idéia - afinal a época era do maior rigor do AI-5 e qualquer trabalho que reunisse artistas, intelectuais e jovens com idéias próprias poderia ser interpretado como subversão. O projeto não chegou a andar mas não foi esquecido. Felizmente! xxx Assim, quando assumiu a primeira equipe, Jaime tinha já definido algumas ações imediatas. Uma delas: transformar o depósito do Prado Velho num teatro de arena. O arquiteto Abraão Aniz Assad foi convocado para fazer o projeto e em maio a obra era iniciada. Um projeto prático e racional, que buscou preservar e que possibilitaria não só o palco e platéia, mas também espaços paralelos - já pensados para bar, biblioteca, administração, etc. Enquanto as obras do grande auditório Bento Munhoz da Rocha Netto - destruído por um incêndio - dois anos antes, permaneciam em compasso de espera, o novo teatro era tocado a ritmo veloz. A partir de setembro de 1971, vendo o teatro em fase de conclusão, Jaime Lerner começou a pensar no espetáculo de inauguração. Na época, no Teatro de Arena, em São Paulo, havia estreado um novo texto de Gianfraciesco Guarnieri, "Castro Alves Pede Passagem" - dentro das comemorações do centenário de falecimento do poeta baiano, e a encenação desta peça pelo grupo Momento, na inauguração de novo teatro de Curitiba entusiasmou a Paulo Sá, hoje publicitário, mas na época um entusiasta produtor de espetáculos de Oracy Gemba e que havia coordenado a encenação de outro texto de Guarnieri (com música de Edu Lobo), "Arena Conta Zumbi", Guarnieri, devido ao sucesso de "Castro Alves pede passagem" em São Paulo e as perspectivas de levar a mesma produção a outras capitais, não quis ceder, imediatamente, os direitos. Enquanto se pensava em outras peças, o tempo corria. Mesmo com alguns detalhes - especialmente os técnicos, retardados para as últimas horas, o novo teatro ganhava condições de ser aberto ainda em 1971 e assim se chegou a uma fórmula prática: um grande espetáculo musical, junto a uma premiação aos destaques de 1971, na área teatral. E a montagem da primeira peça ficaria para o início do ano seguinte. Desde o início dos anos 60, quando a Bossa Nova popularizou o nome de Vinicius de Moraes além dos territórios lítero-poético, que muitos sonhavam em trazer o poeta a Curitiba. O Clube Curitibano, com todo o seu poder financeiro, por duas vezes havia proposto a Vinicius participar de promoções, mas as viagens e amores do autor de "Operário em Construção" impediram-no de uma presença em nossa cidade. Em 1971, uma garota um tanto avoada mas, como tantas de sua geração, apaixonadas pela obra de Vinicius, havia lha dedicado um ingênuo texto-colagem intitulado "À Bênção, Vinicius!". Apesar da limitação do roteiro, Antonio Carlos Kraide, então em início de carreira como diretor de teatro, conseguiu montar um espetáculo aceitável e para cuja estréia novamente se tentou trazer o poeta. Contactado por telefone, Vinicus mostrou simpatia pelo convite mas, na última hora, acabou não podendo vir. xxx Assim, quando a Prefeitura anunciou que a inauguração do Paiol seria com Vinicus de Moraes, não faltou quem ironizasse. "O "Show de Jornal", então o programa campeão de audiência da TV Iguaçu, editado por Adherbal Fortes e Renato Scheitzer, comparou a notícia da presença de Vinicus em Curitiba [às] propaladas temporadas de Franck Sinatra no Rio. Ou seja: nunca realizadas. Quando o nome de Vinicius de Moraes foi lembrado para a inauguração do Paiol, os empresários contatados procuraram desestimular: "Vinicus está em férias, na Bahia e não quer saber de nada", era a resposta. Realmente, Vinicus havia terminado o seu primeiro roteiro universitário - estendido inclusive com apresentações na Argentina e Uruguai, e tinha voltado a Salvador, onde estava numa fase de amor com a baiana Gessy Jesse. Como não era demais tentar, descoberto o telefone do vizinho mais próximo da casa de Gessy, em Itapoã, se fez o contato. Longas esperas para que o vizinho - que outro não era do que o gravador Calazans Neto - fosse chamar o poeta, para o convite ser feito. Surpreendentemente, o poeta topou. Perguntou a data, pediu prazo para falar com Marilia, Toquinho e os meninos do Trio Mocoto. Dois dias depois, confirmava que estariam em Curitiba no dia 27 de dezembro. Nenhum contrato assinado. Apenas a palavra do poeta. xxx No dia 26 de dezembro, um domingo, o poeta e seus amigos chegaram a Curitiba. Com atraso de dois vôos, para aflição de todos que estavam envolvidos na "operação inauguração". Rosto vermelho, garrava de Sheva Regal debaixo do braço e boné cobrindo seus cabelos brancos, o poeta desceu do avião, perguntando por Jaime Lerner, com que havia falado duas vezes ao telefone. Na mesma noite, após um jantar no Matterhorn, o grupo todo já antecipava as músicas do show feito na noite seguinte - e transmitido pela TV - Paraná, na época com uma equipe de externas bastante ativa. xxx Na primeira parte da noite de inauguração do teatro - totalmente lotado, convites disputados e motivos de muitas brigas - o apresentador Mário Bittencourt, da TV Paraná, foi o mestre-de-cerimônias, apresentando os premiados com o "Troféu Cidade de Curitiba" aos melhores do teatro em 1971. Cada troféu com o nome de uma personalidade de nossa vida teatral: "Salvador de Ferrante" entregue a Paulo Sá, produtor de "Arena Conta Zumbi", melhor espetáculo de 1971; "Otelo Queirolo", concedido à Fundação Teatro Guaíra que, através do TCP, produziu o melhor espetáculo infantil "O Cavalinho Azul"; "[Glauco] Flôres de Sá Brito" a Oracy Gembra, melhor diretor (por "Arena Conta Zumbi" e "Fala baixo senão eu grito"); "Aristides Teixeira" a José Maria Santos como melhor ator por "Fala baixo senão eu grito" e o monólogo "Lá" (que ele continua a encenar até hoje, inaugurando com o mesmo texto o Teatro da Classe, há 3 semanas); "Marlene Wagner" concedido [à] atriz Lala Schneider ("Fala baixo senão eu grito"); João da Glória [à] figurinista Tania Levi ("Antigona"); José Cadilhe ao escritor Wilson Rio Appa, melhor autor ("O Julgamento"); "Glauber Rocha" [à] atriz Vera Evangelista ("Arena Conta Zumbi"); "Napoleão Moniz Freite" ao ator Danilo Avelleda (mesma peça); "Daniel Santos a Antonio Carlos Kraide, revelação de diretor ("O Cavalinho Azul", Pepito, tremendo barato" e "À Benção Vinicus"), Alberto de Oliveira, o Xiririca, que na época comemorava 42 anos de dedicação ao teatro paranaense - 17 dos quais como administrador do auditório Salvador de Ferrante, também foi homenageado. xxx "Encontro", o nome do espetáculo musical reunindo Vinicius, Marilia, Toquinho e o Trio Mocotó, teve três outras apresentações - todas com casas lotadas. Na despedida, a homenagem de Vinicius e Toquinho, que acabou batizando o teatro: a música "Paiol de Pólvora" foi composta no dia 29 de dezembro, num apartamento do Guaíra Palace Hotel. O formado do teatro, lembro a Vinicius um paio, e o nome ficou. A canção, posteriormente, entrou na trilha sonora da telenovela "O Bem Amado" (a primeira em cores) e acabou sendo proibida devido a frase "estamos vivendo num paiol de pólvora". xxx O resto da história e conhecida. Em dez anos, o Paiol cresceu, teve grandes momentos de música, comédia e foi o núcleo principal das atividades que levaria Jaime Lerner, ainda em sua primeira administração, a criar, em 1973, a Fundação Cultural de Curitiba. Não foi sem razão, portanto, que a imagem do pequeno teatro foi aprovada - em polêmica reunião - como o símbolo da FCC, pois embora a mesma tenha hoje inúmeras unidades, foi do espaço inaugurado há uma década, que nasceu a sua motivação maior.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
6
29/12/1981

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