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Aramis

Paiol, o que fizeram com você?

Poderia ser uma efeméride festiva. Foi uma melancólica saudade. Sábado, 27 de dezembro, 15º aniversário de inauguração do Teatro do Paiol. A casa de cultura que por uma década foi um dos centros de animação artística de Curitiba é hoje um espaço abandonado e esquecido. Sentimental e afetivamente ligados ao Paiol - de cuja atividade participamos desde quando, poucos dias após a sua nomeação para a Prefeitura de Curitiba, o arquiteto Jaime Lerner iniciou as obras de restauração do antigo prédio - vimos o teatro nascer e crescer. Lamentavelmente, nos últimos anos, fomos forçados a registrar seu período de decadência artística pela política populista da Fundação Cultural, paralelamente ao abandono físico do prédio que, com sua arquitetura circular, no centro da Praça Guido Viaro, se incluiu desde o início dos anos 70, no roteiro turístico da cidade. xxx A pergunta que todos aqueles que, de uma forma ou de outra se preocupam com a cultura e a arte na cidade costumam fazer é "O que, afinal, aconteceu com o Teatro do Paiol?" De uma casa de espetáculos que nasceu abençoada com o alto astral do poeta Vinícius de Moraes e seus companheiros Toquinho, Marília Medalha e Trio Mocotó, no show "Encontro", que ali fez temporada de 27 a 30 de dezembro de 1971, o Paiol chegou a ser a principal casa de espetáculos do Paraná. Sua pequena capacidade (220 lugares), a relativa distância do centro (para os padrões do curitibano, acostumado ao comodismo) e mesmo o frio que ali faz nas noites de inverno, não impediram que sua agenda de espetáculos fosse preenchida com os melhores nomes da música popular e do teatro brasileiro, em temporadas de grande sucesso. Vinícius de Moraes, poeta maior - cuja vinda a Curitiba era um sonho distante até dezembro de 1971 - retornou ao Paiol no ano de 1973, então com a inesquecível Clara Nunes substituindo Marília Medalha, em novo show ao lado de seu fiel escudeiro Toquinho. Dorival Caymmi, que há mais de dez anos não se apresentava no Paraná, voltou também para fazer um histórico espetáculo, que, como tantos e tantos outros, tinha seus lugares disputados a tapas, tal o interesse do público. Seria monótono e cansativo relacionar todos os grandes nomes da vida artística que por ali passaram, mas um dado não se pode esquecer: a temporada que Nara Leão fez em 1972, na qual apresentava um iniciante e tímido compositor cearense, na qual depositava muita fé: Raimundo Fagner. Acompanhando Nara, quatro músicos que hoje são nomes internacionais: Nan Vasconcelos (percussionista, há mais de 12 anos vivendo na Europa), Novelli, baixista; Chico Batera (bateria) e Wagner Tiso. Hoje, nem mesmo com Cz$ 10 milhões seria possível reunir este mesmo grupo... xxx Em termos teatrais, propriamente ditos, o Paiol foi inaugurado com a montagem de "Tiradentes", de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, direção de Oracy Gemba e produção de Paulo Sá. No elenco, como uma apaixonada Bárbara Heliodora, a atriz Denise Stocklos, hoje o maior nome da mímica no Brasil e que se prepara agora para passar três meses em Nova Iorque, fazendo apresentações no "La Mamma", no Greenwich Village. Como Tiradentes, o ator era o então jovem Roberto Murtinho, um dos muitos talentos que, posteriormente, deixaria Curitiba em busca de melhores oportunidades no Rio de Janeiro - mas afinal abandonando a carreira artística. xxx O que aconteceu com o Paiol? A pergunta continua sem resposta. Explicações podem existir mas as justificativas não convencem. Pouco a pouco, o Paiol começou a ter sua programação esvaziada. Se projetos bem sucedidos como o das "Parcerias", ali desenvolvido já na segunda administração do prefeito Jaime Lerner, abriam o teatro para novas faixas de público, posteriormente, sob alegação de que a casa deveria ser ocupada prioritariamente por artistas paranaenses, desestimularam-se os esquemas que possibilitavam a vinda de shows musicais e montagens teatrais. O desinteresse da administração peemedebista em manter uma programação artística no Paiol de bom nível, sob a desculpa de que eram shows "elitistas" (uma grande asneira, já que 90% dos espetáculos sempre foram com artistas populares) provocou o açodamento da programação, a queda de público e mesmo que, quando se tentasse reeditar os bons tempos, trazendo talentos maiores, já não existisse o mesmo interesse. Por exemplo, o pianista Luisinho Eça, que ali havia feito duas temporadas inesquecíveis (a primeira delas, em agosto de 1972, quando o Tamba Trio original reagrupou-se, com Bebeto e Helcio Milito), amargou, há 3 anos, uma das maiores decepções de sua carreira, quando, iludido por falsas promessas, aceitou fazer uma temporada que mal promovida e divulgada, não teve mais do que míseros 45 espectadores. Mais melancólico ainda foi há 3 anos, no aniversário do teatro, quando um dos mais talentosos compositores e tecladistas gaúchos, Geraldo Flach, aqui esteve com seu grupo. Maltratado em termos de recepção (chegaram a hospedá-lo num hotel de 4ª categoria), Flach não pôde sequer fazer sua temporada: não houve público em duas das três noites em que esteve no Paiol. Instrumentista dos mais criativos, dois excelentes elepês gravados, conceito nacional, Flach retornou a Porto Alegre amargando imensa frustração e, a exemplo, de tantos outros artistas jurando que não mais colocaria os pés em Curitiba. xxx Abandonado artisticamente, também fisicamente o Paiol é uma sombra do que foi. No início de 1986, Túlio Feliciano, diretor de shows do maior conceito, trouxe a Curitiba, em estréia nacional, o espetáculo em homenagem ao compositor Wilson Batista (1913-1968), com Joyce, Roberto Silva e os violonistas João D'Aquino e Maurício Carrilho. Só teve aborrecimentos: precaríssima estrutura técnica, refletores queimados, aparelhagem de som deficiente. Túlio, profissional experiente, sentenciou numa frase a situação: Nunca vi um teatro mais abandonado do que este! xxx O Paiol é uma saudade do que já foi. Abandonado, esquecido, maltratado, é o exemplo de como em nome de um falso populismo, se destrói o patrimônio cultural de uma cidade.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
30/12/1986

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