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Palcos sobram mas falta é sua melhor utilização

Palcos sobram mas falta é sua melhor utilização Com três auditórios - o Bento Munhoz da Rocha Neto (2.173 lugares), Salvador de Ferrante (504) e Glauco Flores de Sá Brito (113), o Teatro Guaíra é, naturalmente, a maior e principal casa de espetáculos do Paraná - e uma das melhores do País. Justamente por ser uma instituição oficial, com uma agenda repleta de solicitação, dificilmente os espetáculos ali apresentados podem ter temporadas longas. Mesmo produções financiadas pelo próprio Teatro conseguem se viabilizar economicamente justamente pela falta de datas livres. Há duas semanas, aqui registramos que se "O Barbeiro de Sevilha" tivesse permanecido 15 dias em cartaz, teria sido possível recuperar os Cr$ 6 milhões investidos na produção. Infelizmente, além do desgaste físico do elenco, não havia condições de o grande auditório ficar bloqueado, somente para esta produção por duas semanas. No auditório Salvador de Ferrante - inaugurado em 19 de dezembro de 1953, com "Os Inocentes" de Henry James - as produções do TCP têm conseguido o máximo de três semanas, como foi o caso de "Mistérios de Curitiba" e, agora, repete-se com "New York por Will Eisner". Entretanto, a norma é a cessão do auditório por um máximo de dez dias. Já o miniauditório Glauco Flores de Sá Brito destina-se a produções amadorísticas, com público restrito e que normalmente não possuem fôlego para temporadas mais extensas. Quando José Maria Santos (1937-1990) idealizou o Teatro da Classe foi justamente para oferecer um espaço em que produções, locais ou não, pudessem permanecer meses em cartaz, partindo inclusive de um exemplo histórico: o antigo Teatro de Bolso, na segunda metade dos anos 50, na Praça Ruy Barbosa, solidificou a antiga Sociedade Paranaense de Teatro na qual Ary Fontoura (hoje estrela global) e seu grupo chegou a manter comédia do curitibano Cícero Camargo de Oliveira ("Nêga de Maloca", "Ela só é Society") por semanas inteiras, tendo um público fiel. É verdade que na época o comportamento cultural do curitibano era diferente, o teatro que aqui se fazia era amadorístico (mas com muito maior garra), a televisão apenas engatinhava (e aproveitando Ary e outros artistas, ajudava na promoção dos espetáculos) e existia um público que, apesar da população da cidade ser de apenas 20% da atual, garantia maior freqüência às produções locais. Quando inaugurou o Teatro da Classe, José Maria Santos não encontrou em nenhum dos colegas-produtores disposição de montar ali a primeira peça e coube a ele, idealisticamente, encenar "A República dos Quatro Bicos", de Luís Groff, que, graças ao corpo-a-corpo promocional feito, agradou e permaneceu quatro meses com casas lotadas. José Maria fez mais: montou "pockets shows" como "Nem Gay Nem Bicha" no restaurante nos fundos do teatro, que, durante o tempo que administrou, era um dos locais mais simpáticos da cidade. Quando deixou o teatro, não houve, infelizmente, a mesma competência cultural-administrativa e deu no que deu: o espaço decaiu, faltou conservação e, ao invés de obras de manutenção (e mesmo reformas) acabou apodrecendo a tal ponto que teve que ser inteiramente demolido. Hoje, só restaram as paredes da antiga malharia que ali existia e um imenso buraco no centro. xxx Há outros auditórios na cidade que poderiam ter melhor aproveitamento. O Sesc da Esquina, com 300 lugares, inaugurado há 5 anos, bem localizado (Rua Visconde do Rio Branco/ esquina travessa Fernando Moreira) sofre por uma programação irregular e, para espetáculos mais profissionais oferece problemas que desestimulam, os encenadores locais a procurá-lo. Marcelo Marchioro, que ali montou "Nenufar", comeu o pão que o diabo amassou, pois "o teatro tem administração com mentalidade de funcionários burocráticos, sem entender que peças exigem ensaios à noite, bons recursos técnicos e outros detalhes". Resultado: em hipótese alguma Marchioro pensa em voltar a utilizar aquele teatro - cujos problemas de ocupação foram enfrentados por outros produtores culturais. Mais difícil ainda é viabilizar qualquer produção artística no Teatro do Sesi (Avenida Cândido de Abreu), pertencente à Federação das Indústrias do Estado do Paraná. Apesar de uma confortabilíssima platéia com 548 lugares e o maior palco da cidade que na verdade corresponde a parte de ginásio de esportes, o teatro foi construído para finalidades específicas da Fiep. Não existe, assim, qualquer interesse de sua diretoria atual - (como da que a antecedeu) em estimular eventos culturais que não sejam de sua própria iniciativa, "e que se destinam aos associados". Se assim não fosse, um dos mais competentes homens do teatro no Paraná, o jornalista, autor e diretor Eddy Antônio Franciosi, assessor de imprensa há anos da Fiep e editor da excelente revista "Indústria", ali poderia ter desenvolvido um programa cultural intenso, semelhante ao que fazia há trinta anos passados, quando a mesma Fiep - mas com outra mentalidade - mantinha um pioneiro curso de teatro (fundado pelo pioneiro Aristides Teixeira) e produzia peças que, com ótimo público, revelaram talentos como José Maria Santos e Lala Schneider - esta a nossa grande atriz, que agora vai mostrar seu talento na temporada carioca de "Mistérios de Curitiba". xxx O auditório da Reitoria, inaugurado há 32 anos, apesar de ser confortável, nunca teve infra-estrutura para produções teatrais e pertencendo a septuagenária e artereosclerosada Universidade Federal do Paraná, não oferece condições para temporadas artísticas. É cedido apenas para espetáculos em determinadas noites, quando não tem utilização para congressos, reuniões acadêmicas etc. Além do mais é tão improvisado em seus equipamentos que os precários camarins não possuem sequer sanitários e, ainda recentemente, um conhecido nome nacional que ali se apresentou, não teve dúvidas: usou como WC a pia que havia no camarim. Já a sua colega de elenco, por razões óbvias, nem pode fazer o mesmo. xxx Outros exemplos lamentáveis de auditórios abandonados poderiam ser lembrados - entre eles o do Colégio Estadual do Paraná, inaugurado há 40 anos e que, há 25 aguarda uma reforma que permita sua melhor utilização. Por isto, quando um sonhador apaixonado por ópera, deslumbrado com a montagem de "O Barbeiro de Sevilha", falou na "necessidade de a cidade ter seu teatro de ópera", um experiente observador de nossa vida cultural, não resistiu e sapecou: - "Ópera? Só se no Alto do São Francisco, se transformar o Opera-Rio na "Ópera Curitibana".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
09/09/1990

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