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Aramis

Paraíba feminina na política love story

<< Elevemos a mulher ao eleitorado; é mais discreta que o homem, mais zelosa, mais desinteressada. Em vez de a conversarmos nesta injusta minoridade, comvidemo-la a colaborar com o homem na oficina da política. Que perigo pode vir daí?, (artigo de Anayde Beiriz, citando Machado de Assis, em favor do voto feminino). xxx José Jofilly, 69 anos, paraíbano, deputado federal entre 1945/62, 17º nome da primeira lista dos cassados em abril de 1964, é há 10 anos o presidente da Hebitec, em Londrina. As atividades empresariais não o fizeram diminuir sua atividade intelectual e assim, há 3 anos, publicou << Revolta e Revolução-1930 >> (Paz e Terra, 1980), no qual, pela primeira vez, se fez menção a ligação amorosa entre João Dantas, o assassino de João pessoa - presidente da Paraíba, em 1930 - e a professora Anayde Beiriz. Até então, todos os historiadores haviam ignorado este detalhe. Quando Tizuka Yamasaki leu o livro, se interessou pela personagem e, ao conhecer Jofilly, em Londrina - Quando lá esteve lançando seu primeiro longametrágem (, 1981) - conversou longamente a respeito e propôs que escrevesse mais a respeito, Pesquisador organizado, Jofilly rebuscou arquivos, entrevistou todas as pessoas possíveis e produziu um novo livro - (Editora Recorde, 142 páginas, agora em 2º edição), e com base neste livro, Tizuka e José Jofilly Filho, desenvolveram o roteiro do filme mais polêmico de 1983 e, merecidamente, grande sucesso de público. Fugindo a simples transposição histórica - embora fiel, basicamente, aos acontecimentos reais - Tizuka construiu um belo e vigoroso documento de um importante período da vida política brasileira, pouco conhecido da maioria dos brasileiros. As explosões iradas (e irracionais) que o filme (e o livro) de Jofilly provocaram, eram esperadas. Afinal, ao se propor a conta a história da morte de João Pessoa - e o início da revolução de 1930 - os realizadores de (cine São João, 2º semana ) Sabiam, perfeitamente, que estavam mexendo num vespeiro. A começar pelo título - Decalcado do Baião que Luíz Gonzaga e Humberto Teixeira Compuseram em 1950, o filme sofreu hostilidade mesmo antes de ser iniciado, tanto é que as locações foram feitas no Nordeste, mas não em João Pessoa, onde o clima foi sempre contrário. A liberdade de mostrar uma professora rebelde, sensual, com pendores intelectuais-políticos e, sobre tudo, apaixonada - Anayde Beiriz, não poderia, mesmo ser aceita tranqüilamente pelos conservadores paraibanos, que durante meio século a ignoraram. Entretanto, ao colocá-la como uma espécie de Pagu nordestina - numa referência a paulista Patrícia Galvão (1910-1962)- Jofilly/Tizuka deram ao filme uma personagem de imensa força, e que a cantriz Tânia Alves soube transmitir numa interpretação soberba. A narração é sintética, objetiva - de tal forma que a metragem é menor do que a habitual, quando poderia ocorrer o oposto. Em flas-back, na primeira parte, a reconstituição dos fatos antecederam a 10 de julho de 1930, a invasão do sobrado de João Dantas pela polícia do governo de João Pessoa e a criminosa revelação de sua documentação da vida privada com Anayde. Este fato é visto por Jofilly como o agente motivador da decisão do advogado e jornalista em, 16 dias depois, assassinar a João Pessoa numa confeitaria no Recife. Dentro de uma love story este era o grande grande gancho para motivar o filme - colocando, inclusive, em segundo plano, as condicionantes políticas e, sobretudo, econômicas, que levaram a divisão da Paraíba entre 1928/30 - especialmente a resistência do coronel Zé Pereira, ao proclamar a independência do município de Princesa, armado e financiado pelos grandes usineiros pernambucanos (Pessoa de Queiroz) e o própria governo federal - opositor a João Pessoa. Este aspecto político foi demoradamente redatado por um dos principais protagonistas do episódio, José Américo de Almeida 1887-1980), ao cineasta Vladimir Carvalho no interessantíssimo << O Homem de Areia >>, exibido há duas semanas no cine Groff. Infelizmente, o filme de Vladimir deveria ter sido projetado após a exibição de << Parahyba, Mulher Macho >>, pois ele complementa - com base na narração histórica - o que o filme de Tizuka coloca com sua liberdade de autora de uma obra artística, portanto podendo modificar a estrutura de certos fatos. O próprio José Américo de Almeida - o grande coronel político da Paraíba por mais de 50 anos, parlamentar, ministro, governador e quase presidente do Brasil - não é identificado, pessoalmente no filme, embora um dos assessores de João Pessoa, o lembre totalmente. xxx Entre os muitos aspectos que fazem de << Parahyba, Mulher Macho >> um filme de visão obrigatória, está a proposta de revisão da história do Brasil, tão desconhecida em muitos aspectos. A liberação do filme para maiores de 16 anos (apesar de inflamadas cenas de amor) representou uma atitude lúcida do Conselho Superior de Censura, pois possibilita que uma nova geração conheça, mesmo que superficialmente, personagens como João Pessoa (1878-1930) João Dantas (1888-1930) e Anayde Beiriz (1905-1930) e os episódios que o envolveram. Como já havia mostrado no enternecedor << Gaijin >> - uma visão profunda da colonização japonesa em São Paulo - Tizuka Yamasaki é uma cineasta de extremo bom gosto, reconstruindo difíceis cenários de época e, por certo, influindo diretamente na fotografia (a cargo do competente Edgar Moura), que consegue momentos de grande beleza. Infelizmente - por culpa da cópia, ou da aparelhagem do cinema (São João até amanhã, a partir de quinta-feira, 27, em exibição no Glória I) os diálogos ficam incompreensíveis em várias seqüências, tornando, inclusive, difícil o entendimento de certos fatos. Uma falha lamentável e que se repete em muitos filmes brasileiros. No elenco, interpretações firmes de Cláudio Marzo (João Dantas), Walmor Chagas (João Pessoa), Oswaldo Loureiro (coronel José Pereira) e José Dumont (Augusto Caldas), enquanto que Grande Otelo, em participação especial, não consegue marcar o seu personagem. Mas, sem dúvida é Tânia Alves, carioca identificada com inúmeros personagens nordestinos que vem interpretando no teatro, televisão e cinema, que tem o grande papel, transmitindo vida, paixão, luxúria e sentimento a Anayde Beiriz, uma filha de tipógrafo, que foi professora de pescadores e escrevia em jornais alternativos da época. Mulher de idéias próprias, escrevendo contos de amor e loucas poesias, conquistou o prazer de uma vida só permitida aos homens, despertando a indignação numa sociedade, preconceituosa e moralista. Após João Dantas e seu cunhado, Augusto Caldas, terem sido assassinados na Casa de Detenção do Recife, em 6 de outubro de 1930, Anayde Beiriz, perseguida, refugiou-se no Asilo Bom Pastor, em 22 de outubro - onde veio a se suicidar. Resgatando esta personagem do limbo da história, o filme de Tizuka - que já participou do festival de cinema de Cartegena, concorre na próxima semana ao Festival de Brasília e irá a várias mostras internacionais - é uma das grandes fitas deste ano. Um filme honesto, criativo e que deixa na retina do espectador a imagem da rebelde moça paraibana, bem feminina com seus cabelos << á la garçonne >>, fazendo versos como este: Nasci/Nasceu/Cresceu/Namorou/Noivou/Casou/Noite nupcial/As telhas viram tudo/Se as moças fossem telhas não se casariam... FOTO LEGENDA - João Dantas (Marzo)/ Anayde (Tania Alves): uma << love story >> dramática.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
22/10/1983

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